No HC 126.292, modificando orientação antes firmada, o STF considerou possível o início da execução da pena após o recurso em segunda instância. Antes, no HC 84.078/MG, o tribunal havia considerado impossível que se executasse a pena antes do trânsito em julgado da sentença condenatória e estabeleceu a possibilidade de encarceramento apenas se verificada a necessidade de que isso ocorresse por meio de cautelar (prisão preventiva). À época, asseverou o tribunal, para além do princípio da presunção de inocência, que “A ampla defesa, não se a pode visualizar de modo restrito. Engloba todas as fases processuais, inclusive as recursais de natureza extraordinária. Por isso a execução da sentença após o julgamento do recurso de apelação significa, também, restrição do direito de defesa, caracterizando desequilíbrio entre a pretensão estatal de aplicar a pena e o direito, do acusado, de elidir essa pretensão”.
No julgamento, considerou-se que a prisão após a apreciação de recurso pela segunda instância não desobedece a postulados constitucionais – nem mesmo ao da presunção de inocência – porque, a essa altura, o agente teve plena oportunidade de se defender por meio do devido processo legal desde a primeira instância. Uma vez julgada a apelação e estabelecida a condenação (situação que gera inclusive a suspensão dos direitos políticos em virtude das disposições da LC nº 135/2010), exaure-se a possibilidade de discutir o fato e a prova, razão pela qual a presunção se inverte. Não é possível, após o pronunciamento do órgão colegiado, que o princípio da presunção de inocência seja utilizado como instrumento para obstar indefinidamente a execução provisória. Considerou-se, ainda, a respeito da possibilidade de que haja equívoco inclusive no julgamento de segunda instância, que há as medidas cautelares e o habeas corpus, expedientes aptos a fazer cessar eventual constrangimento ilegal.
O tema voltou à pauta do tribunal por meio das ADC 43 e 44, nas quais se pretendia a declaração de constitucionalidade do art. 283 do CPP, segundo o qual “Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva”. Pretendia-se, com isso, evitar os efeitos da decisão tomada no habeas corpus já citado, ou seja, que a prisão se tornasse possível após o julgamento de recursos em segunda instância.
O objetivo não foi todavia alcançado, pois o STF conferiu ao art. 283 do CPP interpretação conforme para afastar aquela segundo a qual o dispositivo legal obstaria o início da execução da pena assim que esgotadas as instâncias ordinárias.
Contrariamente à implantação da medida, o grande obstáculo que se opunha era o princípio da presunção de inocência. Argumentava-se que sem o trânsito em julgado a execução da pena infringia o disposto no art. 5º, LVII, da CF"LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória", contrariando postulados de direito penal garantista.
Considerou-se, no entanto, que a presunção de inocência tem sentido dinâmico, modificando-se conforme se avança a marcha processual. Dessa forma, se no início do processo a presunção pende efetivamente para a inocência, uma vez proferido julgamento em recurso de segunda instância essa presunção passa a ser de não culpa, pois, nessa altura, encerrou-se a análise de questões fáticas e probatórias. Portanto, uma vez que o tribunal (TJ/TRF) tenha considerado bem provados o fato e suas circunstâncias, os recursos constitucionais não abordarão esses aspectos, pois estarão adstritos aos limites que lhe são impostos constitucional e legalmente.
Além disso, deve-se refletir a respeito do conceito de trânsito em julgado no processo penal, que o Código de Processo Penal não estabelece e que, parece-nos, não pode ser tomado de empréstimo do Código de Processo Civil. O conceito de trânsito em julgado no processo penal não está relacionado ao esgotamento de todos os recursos, mas ao esgotamento da análise fática, como aliás ocorre em outros países igualmente democráticos em que operam cortes constitucionais – cujos recursos têm efeitos rescisórios – e nos quais é inconcebível que um condenado em segunda instância aguarde o pronunciamento de cortes superiores para iniciar o cumprimento da pena. Não fosse isso o bastante, pressupor, no processo penal, o encerramento de todas as formas recursais tornaria inalcançável o trânsito em julgado porque a revisão criminal está elencada entre os recursos.
Não há, portanto, ofensa a princípios garantistas, que, aliás, não veiculam apenas proibições de intervenção excessiva, mas expressam também postulados de proteção para que se evite a insuficiência da tutela de bens jurídicos, exatamente o que se verifica no adiamento indefinido do cumprimento da pena por agentes que sofreram condenação cujo mérito não poderá mais ser modificado. Noutras palavras: garantismo não pode ser sinônimo de impunidade.
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