A Constituição Federal anuncia no art. 144 que a segurança pública é dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio. Dentre os órgãos de segurança, destaca-se, para os propósitos deste texto, a Polícia Federal.
De acordo com o texto constitucional, a Polícia Federal, instituída por lei como órgão permanente, organizada e mantida pela União e estruturada em carreira, destina-se a: a) apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei (art. 144, § 1º, inc. I; b) prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de competência (inc. II); c) exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras (inc. III); d) exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União (inc. IV).
Para dar cumprimento ao mandamento do art. 144, § 1º, I, da Carta Maior, o legislador aprovou a Lei 10.446/02, que dispõe sobre infrações penais de repercussão interestadual ou internacional que exigem repressão uniforme. A nova Lei 13.642/18 acrescentou ao rol das atribuições da Polícia Federal a apuração de “quaisquer crimes praticados por meio da rede mundial de computadores que difundam conteúdo misógino, definidos como aqueles que propagam o ódio ou a aversão às mulheres”.
Mas o que vêm a ser crimes que propagam ódio ou aversão às mulheres? Bem, não existe tipificação específica para condutas que consistam unicamente em expressar algo que demonstre profundo desrespeito ou aversão ao sexo feminino. Parece-nos que a intenção do legislador é atribuir à Polícia Federal a apuração de algum crime já tipificado, contra uma ou várias mulheres específicas, que traga, explícita ou subjacentemente, conteúdo que propague ódio ou aversão às mulheres. Uma injúria, por exemplo, que, para atingir a dignidade ou o decoro de alguém, faça-o por meio de uma mensagem de aversão ao sexo feminino; ou uma ameaça na qual a promessa de mal injusto e grave propague também conteúdo de ódio ao sexo feminino.
Mas, para que a Polícia Federal tenha atribuição para apurar, não basta que o crime esteja no rol do art. 1º. É necessário o preenchimento dos pressupostos entabulados no caput: a) repercussão interestadual ou internacional; b) exigência de repressão uniforme.
À par desses requisitos, devemos lembrar que o fato de um crime ser investigado pela Polícia Federal não impõe que a competência de julgamento seja da Justiça Federal. Para que isto ocorra, devem estar presentes as circunstâncias que, segundo o art. 109 da Constituição Federal, conferem competência criminal à Justiça Federal. Conclui-se, portanto, que os crimes de competência da Justiça Federal serão investigados pela Polícia Federal (a quem cabe exercer, com exclusividade, as funções de Polícia Judiciária da União), mas nem todo crime investigado pela Polícia Federal será julgado na Justiça Federal.
Destaque-se, por fim, que mesmo o fato de o crime ser cometido por meio de computadores não atrai, por si só, a competência da Justiça Federal. Para ilustrar, podemos citar julgamento do STF a respeito dos crimes relativos à pornografia infantil. De acordo com o tribunal, o julgamento dos crimes tipificados nos arts. 241, 241-A e 241-B da Lei nº 8.069/90 é de competência da Justiça Federal quando tais delitos forem cometidos por meio da rede mundial de computadores e: a) o fato esteja previsto como crime no Brasil e no estrangeiro; b) o Brasil seja signatário de convenção ou tratado internacional por meio do qual assume o compromisso de reprimir criminalmente aquela espécie delitiva; e c) a conduta tenha ao menos se iniciado no Brasil e o resultado tenha ocorrido, ou devesse ter ocorrido no exterior, ou reciprocamente. Assim ocorre porque se trata da situação em que, nos termos do art. 109, inciso V, da Constituição Federal, aos juízes federais compete processar e julgar os crimes previstos em tratado ou convenção internacional, quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente (RE 628.624/MG, DJe 09/11/2015). O STJ, explicitando a disciplina da competência para julgamento (e referindo-se, no caso concreto, ao art. 241-A), decidiu, por meio de sua Terceira Seção, que a competência da Justiça Federal se impõe quando constatada a internacionalidade do delito. Caso contrário, a competência é da Justiça Estadual (CC 150.564/MG, DJe 02/05/2017).
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