Entrou em vigor a Lei 13.654/18, que, em síntese, acrescenta no art. 155 do Código Penal duas qualificadoras relativas ao emprego e à subtração de explosivos e modifica dispositivos do art. 157 para estabelecer causas de aumento de pena para as situações que envolvam a subtração e o emprego de substâncias explosivas. Além disso, restringe a majorante relativa ao emprego de arma às situações nas quais seja utilizada uma arma de fogo e modifica a pena do crime de roubo qualificado pela lesão corporal grave.
1) Das qualificadoras relativas ao crime de furto
1.1) Emprego de explosivo no crime de furto
A nova lei insere no art. 155 duas novas circunstâncias qualificadoras, estabelecidas nos §§ 4º-A e 7º.
De acordo com o § 4º-A, a pena é de reclusão de 4 (quatro) a 10 (dez) anos – além da multa – se o furto é cometido com emprego de explosivo ou de artefato análogo que cause perigo comum.
Temos visto, já há alguns anos, a multiplicação de condutas nas quais criminosos – normalmente em grupos – utilizam artefatos explosivos para romper os cofres de caixas eletrônicos – instalados em bancos ou em estabelecimentos comerciais – e subtrair as cédulas neles depositadas. Além de causar vultosos prejuízos em virtude não só dos valores subtraídos, mas também dos danos materiais causados nos estabelecimentos e muitas vezes até em imóveis vizinhos, esta espécie de conduta é particularmente grave em razão da exposição da vida e da integridade física das pessoas a perigo. Com efeito, ainda que não se trate de uma forma de ameaça pessoal direta – pois, se assim fosse, caracterizar-se-ia o crime de roubo –, o furto praticado com o emprego de engenho explosivo pode causar danos que vão muito além da esfera financeira.
Furto qualificado (art. 155 do CP) x crime de explosão (art. 251 do CP)
Aos autores desta conduta vinham sendo imputados, normalmente, os crimes de furto qualificado pelo rompimento de obstáculo e de explosão majorada pelo fato de o crime ter sido cometido com intuito de obter vantagem pecuniária. Além disso, imputavam-se – caso as circunstâncias o permitissem – os crimes de associação criminosa ou de organização criminosa.
Embora pudesse haver alguma divergência a respeito da possibilidade de imputar os crimes em concurso, era o que vinha prevalecendo. O Ministério Público de São Paulo, por exemplo, tem tese no sentido da aplicação do concurso formal impróprioPaulo Queiroz, por outro lado, sustenta a tese de que incide o concurso formal próprio porque o dolo do agente é dirigido desde o início à subtração, razão por que não se pode falar em desígnios autônomos (http://www.pauloqueiroz.net/explosao-de-caixa-eletronico/). (tese 383).
A partir de agora – independentemente da orientação antes adotada – o concurso entre os delitos de furto e de explosão deixa de existir para ceder lugar à qualificadora. E, neste ponto, se considerarmos que antes se aplicava o concurso formal impróprio, é possível apontar um deslize do legislador. Isto porque, antes, somando-se as penas do furto qualificado e da explosão majorada, resultava o mínimo de seis anos de reclusão (caso se tratasse, como normalmente ocorria, de dinamite ou de substância de efeitos análogos), mas a nova lei comina à qualificadora pena mínima de quatro anos, consideravelmente mais branda. Para facilitar a comparação, elaboramos o seguinte quadro:
Conclui-se, portanto, que as novas disposições resultam numa punição menos severa em relação àquela que vinha sendo praticada, o que atrai as disposições do art. 2º, parágrafo único, do Código Penal, segundo as quais “A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado”. Dessa forma, o agente condenado pelo crime de furto qualificado em concurso formal impróprio com a explosão majorada pode ser beneficiado pela retroatividade benéfica da nova qualificadora.
Furto qualificado (art. 155 do CP) x posse ou emprego de artefato explosivo (art. 16, parágrafo único, III, Estatuto do Desarmamento)
Pune-se mais gravemente – como já observamos – o furto cometido com emprego de explosivo ou de artefato análogo que cause perigo comum. Explosivo – cuja definição é dada pelo art. 3º, inciso LI, do Decreto 3.665/00 – é, no geral, de acordo com o que se vê na prática, o engenho de dinamite, composto por nitroglicerina e dotado de elevada sensibilidade, o que acaba facilitando seu emprego nas subtrações de que estamos tratando.
Ocorre que o art. 16, inciso III, da Lei 10.826/03 tipifica a posse, a detenção, a fabricação e o emprego de artefato explosivo ou incendiário sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, o que nos faz indagar a respeito da caracterização do concurso de delitos.
Imaginemos, com efeito, que um grupo criminoso tenha adquirido dinamite para em seguida empregá-la no furto de caixas eletrônicos em uma agência bancária. A posse da dinamite deve ser imputada em concurso com o furto qualificado pelo emprego do artefato, ou este último absorve o primeiro? A nosso ver, desde a edição da Lei 13.497/17 – que tornou hediondo o crime do art. 16 do Estatuto do Desarmamento –, é inadequado aplicar o princípio da consunção para que o crime patrimonial absorva o crime hediondo, razão pela qual devem ser aplicadas as regras relativas ao concurso de delitos.
Coexistência de qualificadoras no furto
O crime de furto no qual se utiliza um artefato explosivo traz em si, necessariamente, o rompimento de obstáculo. É a existência do obstáculo, afinal, que torna necessária – ou ao menos conveniente – a explosão que abre o caminho para a subtração. Neste caso, concorrem duas qualificadoras do furto: a do rompimento de obstáculo e a do emprego do artefato explosivo, mas apenas esta última deve ser considerada com a natureza de qualificadora, pois é a circunstância mais grave. O rompimento de obstáculo – assim como, eventualmente, a escalada e o concurso de pessoas – deve ser considerado na qualidade de circunstância judicial, no momento em que se aplica a pena-base, que parte da qualificadora mais grave.
Furto qualificado x majorante do repouso noturno
Aplica-se, ademais, a causa de aumento de pena relativa ao repouso noturno. A grande maioria dos furtos em agências bancárias mediante o uso de explosivos ocorre durante a noite, quando os estabelecimentos estão fechados e poucas pessoas circulam pelas ruas. É no período noturno, portanto, que os agentes aproveitam a falta de vigilância interna e externa para praticar o crime com mais facilidade, o que justifica o aumento, que, ademais, vem sendo já há algum tempo admitido pelos tribunais superiores sobre as qualificadoras do § 4º do art. 155:
“1. Segundo o entendimento jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça, a causa de aumento tipificada no § 1º do art. 155 do Código Penal, referente ao crime cometido durante o repouso noturno, é aplicável tanto na forma simples como na qualificada do delito de furto. 2. A causa de aumento prevista no § 1.° do art. 155 do Código Penal, que se refere à prática do crime durante o repouso noturno – em que há maior possibilidade de êxito na empreitada criminosa em razão da menor vigilância do bem, mais vulnerável à subtração –, é aplicável tanto na forma simples como na qualificada do delito de furto” (STJ: AgRg no REsp 1.708.538/SC, DJe 12/04/2018).
“1. Não convence a tese de que a majorante do repouso noturno seria incompatível com a forma qualificada do furto, a considerar, para tanto, que sua inserção pelo legislador antes das qualificadoras (critério topográfico) teria sido feita com intenção de não submetê-la às modalidades qualificadas do tipo penal incriminador. 2. Se assim fosse, também estaria obstado, pela concepção topográfica do Código Penal, o reconhecimento do instituto do privilégio (CP, art. 155, § 2º) no furto qualificado (CP, art. 155, § 4º) -, como se sabe, o Supremo Tribunal Federal já reconheceu a compatibilidade desses dois institutos. 3. Inexistindo vedação legal e contradição lógica, nada obsta a convivência harmônica entre a causa de aumento de pena do repouso noturno (CP, art. 155, § 1º) e as qualificadoras do furto (CP, art. 155, § 4º) quando perfeitamente compatíveis com a situação fática” (STF: HC 130.952/MG, DJe 20/02/2017).
1.2) Subtração de explosivo ou de acessórios
A Lei 13.654/18 inseriu também no art. 155 o § 7º, que pune com reclusão de 4 (quatro) a 10 (dez anos) – além da multa – a subtração de substâncias explosivas ou de acessórios que, conjunta ou isoladamente, possibilitem sua fabricação, montagem ou emprego. Trata-se, portanto, de punir com mais gravidade a subtração do próprio explosivo e de acessórios, independentemente de sua utilização.
A aquisição de explosivos por criminosos que se dedicam a praticar furtos mediante o uso desses artefatos pode ocorrer de diversas formas. É possível que um grupo criminoso faça a aquisição de forma clandestina. Há notíciashttp://correio.rac.com.br/_conteudo/2015/02/capa/campinas_e_rmc/243014-ex-militares-sao-condenados-por-venda-de-armas-do-exercito.html, por exemplo, de condenação de militares que promoviam a venda ilegal de explosivos a associações criminosas dedicadas à subtração de caixas eletrônicos.
Mas é também comum a subtração que vitima quem armazena os explosivos de forma legal. Em tais casos, é possível que a subtração se dê tanto pelo próprio grupo que utilizará os explosivos posteriormente quanto por criminosos que atuam somente com a finalidade de suprir a demanda dos furtadores. No primeiro caso, não há nenhum óbice ao concurso de crimes, ou seja, a imputação deve ser relativa ao furto qualificado do explosivo em concurso material com o furto qualificado pelo emprego do explosivo antes subtraído. Trata-se, evidentemente, de condutas absolutamente distintas, que atingem patrimônios diversos e que, portanto, não se podem confundir.
2) Das causas de aumento de pena e da qualificadora do roubo
No crime de roubo, a primeira modificação introduzida pela Lei 13.654/18 é a revogação do inciso I do § 2º do art. 157.
De acordo com o dispositivo revogado, a pena do roubo sofria aumento de um terço à metade se a violência ou a ameaça fosse exercida com emprego de arma.
O substantivo arma gerava controvérsia na doutrina. Para uns, a expressão abrangia somente os objetos produzidos (e destinados) com a finalidade bélica, como a arma de fogo. Outros, realizando interpretação extensiva, compreendiam também os objetos confeccionados sem finalidade bélica, porém capazes de intimidar, ferir o próximo, como facas de cozinha, navalhas, foices, tesouras, guarda-chuvas, pedras etc. Prevalecia a orientação de que arma deveria ser compreendida em sentido amplo, abrangendo as duas acepções (todo o objeto ou utensílio que servisse para matar, ferir ou ameaçar, independentemente da forma ou do destino principal).
A revogação do inciso I do § 2º se seguiu da inserção do § 2º-A, que, no inciso I, majora a pena se a violência ou a ameaça é exercida com emprego de arma de fogo. Tem-se, portanto, que o legislador optou por excluir da abrangência da majorante os objetos que, embora possam ser utilizados para intimidar, não foram concebidos com esta finalidade. Logo, não majora mais a pena do roubo o emprego de facas, estiletes, navalhas, cacos de vidro, etc., muito embora isso não signifique que a utilização desses objetos seja irrelevante. É sem dúvida mais grave a conduta de quem, para roubar, utiliza uma faca em vez de apenas ameaçar verbalmente a vítima. E isso deve ser considerado pelo juiz no momento em que analisa as circunstâncias judiciais para aplicar a pena-base.
A restrição promovida pela Lei 13.654/18 é benéfica, ou seja, deve retroagir para retirar a majorante relativa a todos os roubos cometidos com objetos outros que não armas de fogo.
Em compensação, a pena para o roubo no qual se emprega arma de fogo se tornou mais severa, pois a fração de aumento do § 2º-A é fixa em 2/3 (dois terços).
No inciso II do § 2º-A existe outra majorante para as situações em que há destruição ou rompimento de obstáculo mediante o emprego de explosivo ou de artefato análogo que cause perigo comum.
Trata-se aqui da situação na qual o agente emprega violência ou grave ameaça a pessoa para praticar a subtração por meio de explosivos. Imaginemos o caso em que um grupo criminoso invade um estabelecimento comercial durante o expediente, subjuga as pessoas presentes e instala um dispositivo explosivo para abrir um cofre. Imputa-se o crime de roubo com pena majorada em dois terços.
Cabe aqui o mesmo alerta feito nos comentários ao furto a respeito do concurso com o crime do art. 16 da Lei 10.826/03. Seja pelo emprego de arma de uso restrito, seja pelo emprego de explosivo, consideramos inadequada a consunção do art. 16, em virtude de sua natureza hedionda. Se, por outro lado, tratar-se de arma de uso permitido, aplica-se a regra há muito estabelecida: se a arma é utilizada unicamente como meio para a subtração, o porte é absorvido pelo roubo; se, no entanto, o agente é surpreendido com a arma em contexto diverso, imputam-se os crimes em concurso.
Ainda no campo das majorantes, o § 2º do art. 157 passa a contar com o inciso VI, que aumenta a pena de um terço à metade se a subtração for de substâncias explosivas ou de acessórios que, conjunta ou isoladamente, possibilitem sua fabricação, montagem ou emprego. Aplicam-se, no geral, os mesmos comentários da qualificadora do furto, com a óbvia diferença de que aqui a subtração se dá mediante violência ou grave ameaça, como ocorreuhttp://sao-paulo.estadao.com.br/noticias/geral,quadrilha-rouba-3-toneladas-de-explosivos-suficiente-para-destruir-10-mil-caixas-eletronicos,70002088748, por exemplo, em 2017 no município de Salto de Pirapora, ocasião em que três toneladas de dinamite foram subtraídas.
A Lei 13.654/18 também promoveu duas modificações no § 3º do art. 157, que qualifica o roubo pela lesão corporal grave e pela morte. A partir de agora, o § 3º foi dividido em dois incisos, que tratam, respectivamente, da lesão corporal grave e da morte. Além disso, a pena máxima relativa à primeira qualificadora aumentou de quinze para dezoito anos.
No latrocínio, ao contrário do que ocorre com outras figuras qualificadas pelo resultado (arts. 127, 135, 213 etc.), a morte pode derivar de dolo ou culpa. Se a lógica do Código Penal fosse seguida também no latrocínio, presente o dolo em relação à morte, estaria caracterizado o roubo (não qualificado) em concurso com homicídio doloso (consumado ou tentado), de competência do Tribunal do Júri. Teria sido interessante que o legislador, aproveitando a oportunidade, tivesse adequado o tipo do latrocínio a fim de conferir à morte dolosa a qualificação própria de sua natureza. É certo, porém, que a pena do homicídio – que, na forma simples, é muito baixa (6 anos) – e também a do latrocínio teriam de sofrer ajustes para não se punir o mais (dolo na morte) com menos e o menos (culpa na morte) com mais, prestigiando-se assim os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.
3) Outras disposições
A Lei 13.654/18 acrescenta na Lei 7.102/83 – que dispõe sobre a segurança para estabelecimentos financeiros e estabelece normas para constituição e funcionamento das empresas particulares que exploram serviços de vigilância e de transporte de valores – dispositivos (art. 2º-A e parágrafos) relativos à obrigatoriedade de instalação de equipamentos que inutilizem as cédulas armazenadas em cofres arrombados ou que tenham sido submetidos a movimento brusco ou alta temperatura.
As instituições financeiras podem se valer de qualquer tecnologia para inutilizar as cédulas, notadamente tinta especial colorida, pó químico, ácidos insolventes, pirotecnia ou qualquer outra substância que não coloque em perigo os usuários e os funcionários que utilizam os caixas eletrônicos.
É obrigatória, ademais, a instalação de placas alertando que os caixas eletrônicos são dotados de dispositivos que inutilizam as cédulas em caso de violação do cofre.
A implementação dos dispositivos pode ser gradativa, conforme o número de habitantes do município – que, evidentemente, influencia na extensão da rede de atendimento –, e o não cumprimento da nova determinação legal acarreta a aplicação de multa, calculada de acordo com a gravidade da infração e levando-se em conta a reincidência e a condição econômica do infrator.
Investigação e atribuição excepcional da Polícia Federal
Destacamos, finalmente, que a Lei 10.446/02 atribui à Polícia Federal a apuração de furto, roubo ou dano contra instituições financeiras, incluindo agências bancárias ou caixas eletrônicos, quando houver indícios da atuação de associação criminosa em mais de um Estado da Federação (art. 1º, inciso VI).
Trata-se da situação na qual o crime cometido tem repercussão interestadual ou internacional que exija repressão uniforme. Ressalte-se, contudo, que a atribuição de investigação à Polícia Federal não atrai, por si só, a competência da Justiça Federal, que só atua quando o crime é praticado em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas. Se, por exemplo, um grupo criminoso explodir caixas eletrônicos em agência da Caixa Econômica Federal, a competência será da Justiça Federal. Mas, se o grupo criminoso estiver cometendo o mesmo crime em agências de bancos privados situadas em diversos Estados, embora a Polícia Federal possa atuar sob a justificativa da repressão uniforme, a competência será da Justiça Estadual.
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