Introdução
Há, no Direito Processual Penal brasileiro, talvez pelo anacronismo do Código de Processo Penal (CPP), pouco rigor quanto aos termos ação, demanda, pretensão e processo, confusão essa há muito esclarecida pelo Direito Processual Civil, o qual, especificamente neste ponto, tem algo a ensinar aos processualistas penais. Para os fins do presente artigo, considera-se ação o poder (direito potestativo) abstrato de, mediante simples provocação ao Poder Judiciário, dar existência a processo (inicialmente imperfeito), poder esse diretamente decorrente do art. 5º, XXXV, da Constituição da República, e gerador da exigibilidade de que o Estado-Juiz dê alguma prestação jurisdicional a quem o provocou. À manifestação concreta de tal poder, com a especificação de partes, pedido e causa de pedir, chama-se, aqui, de demanda (denominando-se pretensão processual a combinação entre pedido e causa de pedir, e pretensão material a justa exigibilidade decorrente de um direito ou poder). Uma vez concretamente exercido o direito-poder de ação penal, ou seja, uma vez ajuizada uma (concreta e específica) demanda penal, tem-se processo penal. Sob tais premissas conceituais, seria tecnicamente inadequada a prática dos juízos e tribunais brasileiros de chamar de ações penais os processos penais que lá tramitam. A fonte provável de tal engano talvez seja a – prosaica e nada científica – autuação: com ela, a secretaria do juízo ou tribunal diz, pela correspondente etiqueta: “eis a autuação da petição inicial veiculadora de ação penal” (rectius, demanda penal), dando-lhe número de registro; a partir daí, passa-se a chamar o ser materializado por tais autos, acriticamente, de “ação penal número tal”, quando, rigorosamente, se trata de processo penal. Chega-se a cogitar do “trancamento de ação penal”, quando, mais precisamente, o que se tranca é o processo penal. Enfim: rigorosamente, quando se diz que determinado crime é de “ação penal pública” (ou “privada”), está-se fazendo referência não ao poder de provocação ao Judiciário (que todos abstratamente possuem, ainda que sem direito ao julgamento do mérito da causa), mas, sim, à legi- timidade para a propositura daquela concreta demanda – tal legitimidade pertence a uma instituição pública (Ministério Público), nos chamados crimes de ação penal pública, e a pessoas privadas, nos chamados crimes de ação penal privada.
Se o direito-poder (abstrato) de ação se manifesta concretamente (com partes, pedido e causa de pedir determinadas) no ajuizamento de cada demanda, pode-se também dizer que a demanda, no processo penal de conhecimento iniciado por acusação, é materializada graficamente, em linguagem escrita, pela entrega formal ao Poder Judiciário da petição inicial acusatória (denúncia ou queixa). A ação se concretiza na demanda, que, no processo penal cognitivo–acusatório, se materializa na petição inicial acusatória (denúncia ou queixa).
Tem-se, então, o pressuposto conceitual deste artigo: a petição inicial acusatória (denúncia ou queixa) é a materialização gráfica, em linguagem escrita, da demanda, no processo penal cognitivo-acusatório; denomina-se denúncia a petição inicial acusatória correspondente a demandas cuja legitimidade pertence a uma instituição pública (Ministério Público), compatíveis com os chamados “crimes de ação penal pública”; e se denomina queixa (ou queixa-crime) a petição inicial acusatória correspondente a demandas cuja legitimidade pertence a pessoas privadas, compatíveis com os chamados “crimes de ação penal privada”.
Uma vez convencido de que houve fato típico, ilícito, culpável e punível, o Ministério Público (por dever inafastável) e o particular legitimado (se o achar conveniente) detêm titularidade jurídica para apresentar texto escrito (denúncia ou queixa) ao Poder Judiciário, texto esse que, para bem atingir o fim de iniciar e condicionar o processo penal cognitivo-condenatório, precisa preencher requisitos técnico-jurídicos e atender a recomendações redacionais.
O presente artigo, pois, se volta para tais requisitos técnico-jurídicos e recomendações redacionais referentes à denúncia e à queixa-crime, com especial preocupação e enfoque práticos.
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