1) O aumento da pena-base em virtude das circunstâncias judiciais desfavoráveis (art. 59 CP) depende de fundamentação concreta e específica que extrapole os elementos inerentes ao tipo penal.
O art. 59 do Código Penal estabelece diversas circunstâncias que o juiz deve analisar na primeira fase de aplicação da pena, oportunidade em que se impõe a pena-base. Partindo dos patamares abstratamente cominados para o crime – em sua forma simples ou qualificada –, o juiz considera fatores importantes para a individualização da pena: culpabilidade, antecedentes, conduta social, personalidade do agente, motivos, circunstâncias e consequências do crime e comportamento da vítima.
Dessa forma, alguém que, por exemplo, abusa da condição vulnerável de uma pessoa para furtar seu cartão bancário e efetuar saques age com acentuada culpabilidade, razão pela qual o juiz pode aumentar a pena-base por esta circunstância. Da mesma forma, quem tem condenações anteriores ou demonstra aversão à convivência em sociedade merece uma pena maior.
Mas sempre que o juiz optar por aumentar a pena se baseando em alguma circunstância do art. 59 é imprescindível que demonstre concretamente o fundamento para a exasperação. Não é suficiente que simplesmente se refira à “maior culpabilidade” ou que somente mencione as consequências do crime, pois estas referências genéricas impedem que se diferenciem as circunstâncias supostamente mais graves daquelas inerentes ao tipo penal e que já são consideradas pelo legislador para a cominação da pena abstrata.
A lei não estabelece parâmetros específicos para o aumento da pena-base pela incidência de alguma circunstância de gravidade, mas, respeitados os limites mínimo e máximo abstratamente cominados ao delito, convencionou-se que o aumento pode consistir em 1/6 (um sexto) para cada circunstância negativa. E, também aqui, para que o juiz imponha aumento maior deve explicar por que as circunstâncias são ainda mais graves:
“O entendimento desta Corte firmou-se no sentido de que, na falta de razão especial para afastar esse parâmetro prudencial, a exasperação da pena-base, pela existência de circunstâncias judiciais negativas, deve obedecer à fração de 1/6, para cada circunstância judicial negativa. O aumento de pena superior a esse quantum, para cada vetorial desfavorecida, deve apresentar fundamentação adequada e específica, a qual indique as razões concretas pelas quais a conduta do agente extrapolaria a gravidade inerente ao teor da circunstância judicial.” (AgRg no HC 460.900/SP, j. 23/10/2018).
2) Não há ilegalidade na análise conjunta das circunstâncias judiciais comuns aos corréus, desde que seja feita de forma fundamentada e com base nas semelhanças existentes.
Um dos princípios que regem a aplicação da pena é o da individualização, segundo o qual a pena deve ser imposta por meio de critérios que privilegiem a análise individual, considerando as características pessoais do agente e as circunstâncias do crime por ele cometido. Por isso, veda-se que a reprimenda seja aplicada de forma genérica, sem que se considerem aspectos concretos que envolvem o criminoso e o crime. Não é por outro motivo que o Supremo Tribunal Federal tende sempre a tachar de inconstitucionais iniciativas parlamentares que impedem o juiz de fazer a análise individual na aplicação ou mesmo na execução da pena (regime integralmente fechado, vedação a penas restritivas de direito no tráfico, etc.).
Também em virtude da obrigação de individualização, o juiz não pode, nos casos de concurso de agentes, aplicar a pena em bloco, isto é, uma só pena para todos os acusados. É preciso individualizar e aplicar as penas adequadas a cada um dos agentes. O STJ, no entanto, firmou a tese de que é possível, diante das circunstâncias e das características pessoais idênticas, fazer referência a elas apenas uma vez sem que isso caracterize ofensa ao princípio da individualização:
“Não se constata qualquer irregularidade ou ausência de fundamentação concreta no fato de a Corte Estadual haver analisado as circunstâncias judiciais de forma conjunta para todos os réus, pois, havendo similitude entre as suas situações jurídicas, exatamente como na espécie, o julgador não é obrigado a realizar uma dosimetria para cada um deles.” (HC 376.674/SP, j. 18/05/2017)
3) A culpabilidade normativa, que engloba a consciência da ilicitude e a exigibilidade de conduta diversa e que constitui elementar do tipo penal, não se confunde com a circunstância judicial da culpabilidade (art. 59 do CP), que diz respeito à demonstração do grau de reprovabilidade ou censurabilidade da conduta praticada.
Uma das circunstâncias a se considerar para a aplicação da pena é a culpabilidade do agente.
A expressão culpabilidade pode ter duas acepções. Numa delas é considerada o terceiro substrato do crime, é o juízo de reprovação que recai na conduta típica e ilícita que o agente se propõe a realizar. Trata-se de um juízo relativo à necessidade de aplicação da sanção penal. Já na segunda acepção a culpabilidade diz respeito ao maior ou menor grau de reprovabilidade da conduta do agente. É com este sentido que a culpabilidade é empregada no art. 59 do CP.
O juiz analisa se a conduta do agente reclama uma pena maior porque seu grau de reprovabilidade excede aquele inerente ao tipo penal. Assim, por exemplo, não é possível que o juiz exaspere a pena do autor de um estelionato sob o argumento de que sua conduta foi ardilosa, pois o ardil é figura inseparável do estelionato, uma característica elementar deste crime. É possível, no entanto, que o juiz aumente a pena porque, para obter vantagem ilícita, o agente se aproveitou da vulnerabilidade de um enfermo oferecendo-lhe fraudulentamente serviços para agilizar o pedido de aposentadoria no órgão previdenciário. Do mesmo modo, como já decidiu o STJ, o homicida que efetua diversos disparos contra a vítima pratica conduta mais reprovável:
“– A dosimetria da pena insere-se dentro de um juízo de discricionariedade do julgador, atrelado às particularidades fáticas do caso concreto e subjetivas do agente, somente passível de revisão por esta Corte no caso de inobservância dos parâmetros legais ou de flagrante desproporcionalidade.
– Na hipótese, a culpabilidade foi valorada negativamente pelos vários disparos de arma de fogo desferidos contra a vítima, o que imprimiu ao delito maior grau de reprovabilidade. Nos termos da jurisprudência assente nesta Corte, tal fundamento é idôneo, pois remonta às particularidades do caso concreto, isto é, ao modo especialmente grave como agiu o paciente, nada havendo de abstrato ou genérico na mencionada fundamentação. Precedentes.” (HC 429.419/ES, j. 16/10/2018)
4) A premeditação do crime evidencia maior culpabilidade do agente criminoso, autorizando a majoração da pena-base.
Como vimos na tese anterior, a pena-base deve ser aplicada segundo o grau de reprovabilidade da conduta criminosa (culpabilidade). No caso da premeditação, o agente reflete um tanto longamente sobre a prática criminosa, pensa detidamente na forma como atacará o bem jurídico, nos meios de execução de que lançará mão, etc.
Note-se que há na doutrina quem sustente que a premeditação nem sempre evidencia um caráter perverso, que justifique uma pena maior. Segundo Nélson Hungria, “a premeditação, ao contrário do conceito tradicional, não revela, por si mesma, perversidade ou abjeção de caráter, senão resistência à ideia criminosa. É mais perigoso aquele que mata ex improviso, mas por um motivo tipicamente perverso, do que aquele que mata depois de longa reflexão, mas por um motivo de particular valor moral ou social. O indivíduo ponderado, cujo poder de autoinibição oferece resistência aos motivos determinantes de uma conduta antissocial, não é mais temível do que o indivíduo impulsivo, que não sabe sobrestar antes de começa”. (Comentários ao Código Penal. Rio de Janeiro: Forense, vol. V, 1979, p. 27)
Mas, de maneira geral, o STJ aceita o incremento da pena em virtude da premeditação:
“1. Conforme disposto na decisão ora recorrida, quanto à culpabilidade, – conduta do réu extremamente reprovável, porquanto mostrou ter uma conduta premeditada e fria ao abordar a vítima em plena via pública e em horário de grande movimentação – tem-se que o fundamento apresentado é idôneo, pois houve a apresentação de elementos atinentes ao caso em concreto aptos a justificar a negativação de tal circunstância.
2. Para fins de individualização da pena, a culpabilidade deve ser compreendida como juízo de reprovabilidade da conduta, ou seja, a maior ou menor censura do comportamento do réu, não se tratando de verificação da ocorrência dos elementos da culpabilidade para que se possa concluir pela prática ou não de delito. No caso dos autos, a premeditação do crime permite, a toda evidência, a majoração da pena-base a título de culpabilidade, pois demonstra o dolo intenso e o maior grau de censura a ensejar resposta penal superior (HC n. 413.618/AP, Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, DJe 3/9/2018).
3. A culpabilidade foi corretamente avaliada como desfavorável, isso porque a jurisprudência desta Corte é pacífica em afirmar que “a premeditação e o preparo do crime são fundamentos válidos a exasperar a pena-base, especialmente no que diz respeito à circunstância da culpabilidade (HC n. 413.372/MS, Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, DJe 15/2/2018) – (AgRg no AREsp n. 1.279.221/SC, Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe 15/8/2018).” (AgRg no REsp 1.753.304/PA, j. 16/10/2018)
5) O prazo de cinco anos do art. 64, I, do Código Penal, afasta os efeitos da reincidência, mas não impede o reconhecimento de maus antecedentes.
Segundo dispõe o art. 64, inc. I, do CP, “não prevalece a condenação anterior, se entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver decorrido período de tempo superior a 5 (cinco) anos”. É o que se denomina quinquênio depurador.
Caso o condenado pela prática de um crime cometa novo crime ou contravenção em até cinco anos após o cumprimento ou a extinção da pena anterior, na aplicação da nova reprimenda o juiz deve fazer incidir a circunstância agravante da reincidência (art. 61, inc. I, do CP). Se, no entanto, a nova infração penal é cometida depois dos cinco anos, resta ao juiz considerar a condenação anterior na primeira fase de aplicação da pena, especificamente na análise dos antecedentes:
“O período depurador previsto no art. 64, inciso I, do Código Penal afasta a configuração da agravante da reincidência, mas não constitui óbice à avaliação negativa da circunstância judicial dos antecedentes. Precedentes.” (5ª Turma – AgRg no AREsp 1.356.824/DF, j. 23/10/2018).
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“I – O Tribunal de origem corretamente agravou a pena imposta ao agravante, em razão da existência de maus antecedentes, o que se encontra em consonância com o entendimento deste Superior Tribunal de Justiça.
II – “O conceito de maus antecedentes, por ser mais amplo, abrange não apenas as condenações definitivas por fatos anteriores cujo trânsito em julgado ocorreu antes da prática do delito em apuração, mas também aquelas transitadas em julgado no curso da respectiva ação penal, além das condenações transitadas em julgado há mais de cinco anos, as quais também não induzem reincidência, mas servem como maus antecedentes. Precedentes.” HC n. 337.068/SP, Sexta Turma, Rel. Min. Nefi Cordeiro, DJe de 28/6/2016. Ainda, menciono: HC n. 413.693/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, DJe de 16/10/2017.” (6ª Turma – AgRg no HC 455.563/MS, j. 18/10/2018)
Note-se, no entanto, que esta matéria tem sido objeto de certa controvérsia, especialmente no âmbito do Supremo Tribunal Federal, que tem decisões impedindo o aumento da pena com base nos antecedentes nos casos em que ultrapassado o quinquênio depurador:
“Nos termos da jurisprudência desta Segunda Turma, condenações pretéritas não podem ser valoradas como maus antecedentes quando o paciente, nos termos do art. 64, I, do Código Penal, não puder mais ser considerado reincidente. Precedentes. II – Parâmetro temporal que decorre da aplicação do art. 5°, XLVI e XLVII, b, da Constituição Federal de 1988. III – Ordem concedida para determinar ao Juízo da origem que afaste o aumento da pena decorrente de condenação pretérita alcançada pelo período depurador de 5 anos.” (HC 142.371/SC, j. 30/05/2017).
Na 1ª Turma, todavia, há decisões admitindo o aumento:
“Condenações anteriores transitadas em julgado, alcançadas pelo decurso do prazo de 5 anos previsto no art. 64, I, do Código Penal, embora afastem os efeitos da reincidência, não impedem a configuração de maus antecedentes” (ARE 925136 AgR/DF, j. 02/09/2016).
Em virtude da relevância do tema e da controvérsia que o cerca, o STF reconheceu a repercussão geral, ainda pendente de julgamento (RE 593.818 RG/SC).