Considera-se juiz natural aquele cuja competência é previamente estabelecida na Constituição Federal ou em lei para o julgamento de todo e qualquer caso. Com isso se evita o chamado tribunal ou juízo de exceção, ou seja, aquele tribunal criado após a ocorrência do ilícito penal para julgamento de um caso específico, que enseja a designação de um juiz de ocasião ou magistrado encomendado e que é vedado pela Constituição (art. 5º, inc. XXXVII). Como se vê, o princípio do juiz natural encerra verdadeira garantia ao cidadão, que tem a certeza de que será julgado por um juiz previamente conhecido, cercado de garantias que lhe assegurem a independência e imparcialidade e não por um juiz especialmente designado para o caso concreto. Como decorrência, tem-se o princípio da investidura, segundo o qual apenas aqueles regularmente investidos na função pública, aprovados em concurso público (os juízes de 1º grau), ou nomeados (tribunais superiores e tribunais de justiça), com a posse, estão habilitados ao exercício da jurisdição.
Diante da estrutura inadequada que caracteriza todo o sistema de execução de penas, tem sido comum a formação de mutirões em que juízes são designados para conferir o devido andamento a processos de execução penal, o que tem levantado questionamentos sobre o descumprimento do princípio do juiz natural.
Provocado a decidir em diversas ocasiões, o STJ tem afastado qualquer ilegalidade. Para o tribunal, a formação de mutirões não fere a garantia constitucional contra a formação de tribunais de exceção porque não se trata de nomear juízes para julgar situações determinadas, mas sim para atuar sobre todos os processos de execução em trâmite em determinadas varas, o que, ao contrário de ofender princípios constitucionais, prestigia vários deles, como a celeridade processual e a efetividade da prestação jurisdicional.
No julgamento do HC 449.361/PR (j. 25/03/2019), o tribunal concluiu que a designação de mutirões durante os quais foram concedidos benefícios a condenados no Estado do Paraná foi legítima porque não se tratou de criar juízos de conveniência para apreciar processos determinados, mas apenas de designar juízes que de fato auxiliaram a conferir o devido andamento a processos que sabidamente não teriam solução no tempo adequado se a iniciativa não houvesse ocorrido. Como destacou o ministro Reynaldo Soares da Fonseca:
“(…) não há que se confundir regras de competência com normas administrativas. A competência pertence a Juízo ou Tribunal e segue parâmetros previamente estabelecidos na Constituição da República, nas leis e regramentos de organização judiciária. De outro lado, o Juiz, agente estatal investido de jurisdição, está sujeito às regras administrativas do Tribunal a que é vinculado. Assim, admite-se que magistrados sejam destacados para eventuais substituições ou mutirões em outras Varas ou Comarcas, como ocorreu na espécie.
O que se modificou foi o juiz, não o Juízo. Ademais, dita alteração não se operou para beneficiar pessoas determinadas, haja vista que os novos juízes responsáveis pelo mutirão tinham o ofício de dar andamento a todas as ações criminais e execuções penais que se enquadrassem na mencionada instrução normativa”.
Os mutirões, ademais, decorrem de recomendação do Conselho Nacional de Justiça e têm fundamento em decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal na ADPF 347, na qual se concluiu pelo estado de coisas inconstitucional do sistema carcerário brasileiro, diante das recorrentes violações de direitos fundamentais:
“CUSTODIADO – INTEGRIDADE FÍSICA E MORAL – SISTEMA PENITENCIÁRIO – ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL – ADEQUAÇÃO. Cabível é a arguição de descumprimento de preceito fundamental considerada a situação degradante das penitenciárias no Brasil. SISTEMA PENITENCIÁRIO NACIONAL – SUPERLOTAÇÃO CARCERÁRIA – CONDIÇÕES DESUMANAS DE CUSTÓDIA – VIOLAÇÃO MASSIVA DE DIREITOS FUNDAMENTAIS – FALHAS ESTRUTURAIS – ESTADO DE COISAS INCONSTITUCIONAL – CONFIGURAÇÃO. Presente quadro de violação massiva e persistente de direitos fundamentais, decorrente de falhas estruturais e falência de políticas públicas e cuja modificação depende de medidas abrangentes de natureza normativa, administrativa e orçamentária, deve o sistema penitenciário nacional ser caraterizado como “estado de coisas inconstitucional”. FUNDO PENITENCIÁRIO NACIONAL – VERBAS – CONTINGENCIAMENTO. Ante a situação precária das penitenciárias, o interesse público direciona à liberação das verbas do Fundo Penitenciário Nacional. AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA – OBSERVÂNCIA OBRIGATÓRIA. Estão obrigados juízes e tribunais, observados os artigos 9.3 do Pacto dos Direitos Civis e Políticos e 7.5 da Convenção Interamericana de Direitos Humanos, a realizarem, em até noventa dias, audiências de custódia, viabilizando o comparecimento do preso perante a autoridade judiciária no prazo máximo de 24 horas, contado do momento da prisão.”
Diante disso, o tribunal concedeu a ordem de habeas corpus para restabelecer as decisões que haviam concedido benefícios durante os mutirões, mas foram anuladas pelo Tribunal de Justiça local.
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Livro: Código de Processo Penal e Lei de Execução Penal Comentados por Artigos