Segundo dispõe o art. 15, inciso III, da Constituição Federal, é vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos.
Trata-se de um efeito da condenação, uma consequência de toda e qualquer condenação criminal transitada em julgado, mesmo que não declarada expressamente na sentença, pois decorre da letra expressa da Constituição Federal. Independe também da natureza do crime, da qualidade e do quantum da pena efetivamente imposta. Nem mesmo o fato de ter sido o agente, eventualmente, beneficiado pela suspensão condicional da pena impede a suspensão dos direitos políticos.
Não obstante, apesar de se reconhecer a autoaplicabilidade do dispositivo constitucional, há quem defenda uma incidência da suspensão dos direitos políticos restrita às situações em que o cumprimento da pena torne inviável o exercício de tais direitos, ou em que haja limitações que impliquem horários de recolhimento ao cárcere, não se aplicando, por exemplo, às hipóteses de sursis.
Um dos questionamentos sobre a limitação da suspensão dos direitos políticos é relativo à condenação na qual a pena privativa de liberdade é substituída por restritiva de direitos, que, sabemos, não implica recolhimento ao cárcere e constitui medida alternativa aplicada, no geral, em decorrência de crimes de menor gravidade (culposos; se dolosos, sem violência ou grave ameaça a pessoa e com penas relativamente baixas – até quatro anos).
Esta situação envolvendo as penas restritivas de direitos foi analisada na data de ontem (08/05/2019) pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do Recurso Extraordinário 601.182/MG.
Em 2011, o tribunal havia reconhecido a repercussão geral do tema, pois cumpria “definir, de forma linear, em todo o território nacional, mediante a voz abalizada do Supremo, o alcance do inciso III do art. 15 da Lei Fundamental, que preceitua a suspensão dos direitos políticos em virtude de condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem os respectivos efeitos. Em síntese, o guardião-maior da Carta Federal há de assentar se a suspensão prevista constitucionalmente abrange pronunciamento judicial a encerrar a substituição da pena restritiva de liberdade pela restritiva de direitos. A conclusão extrapolaria os limites subjetivos do processo, irradiando-se para um incontável número de casos”.
No caso julgado, um indivíduo havia sido condenado por uso de documento falso e teve a pena privativa substituída pela restritiva de direitos. Ao julgar a apelação, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais acolheu parcialmente os argumentos do réu e afastou a suspensão dos direitos políticos diante da natureza da pena imposta:
“No que respeita ao cancelamento da suspensão de seus direitos políticos, razão está com a nobre defesa.
Primeiramente, urge colacionar que é inquestionável a auto-aplicabilidade, em função da dispensa de regulamentação por lei infraconstitucional, do preceito contido no art. 15, III, da Carta Magna, dada a clareza do conteúdo e definição precisa de seu fato gerador, qual seja, a condenação criminal com trânsito em julgado.
Contudo, a regra comporta exceção.
Tendo em vista que, com fulcro no art. 44 do CP, foi concedida ao increpado a substituição da sanção corporal pelas restritivas de direitos, não se vislumbra qualquer incompatibilidade em relação ao pleno exercício dos seus direitos políticos, cuja relevante importância só permite o tolhimento em situações que materialmente os inviabilizem.
(…)
Conforme friso em votos semelhantes, não se pode olvidar que a atual Constituição foi promulgada há mais de quinze anos. Vivia-se um momento em que a experiência de penas alternativas no direito brasileiro ainda se manifestava de forma relutante, incipiente e isolada. Por isso, não é de se conceber que o réu seja alijado de sua condição de cidadão por insistência na interpretação puramente literal do dispositivo em referência, e no substrato ético que a fundamenta, depois de árdua e corajosa modernização das políticas criminais e aprimoramento do sistema substitutivo das censuras carcerárias.
Tal pensamento, induvidoso, pode implicar outra pena que traz conseqüências talvez mais severas que o próprio castigo cominado ao delito previsto no ordenamento jurídico-penal. Arreda-se da vida pública, indiscriminadamente, tanto aquele para quem se fez necessário o afastamento do convívio em sociedade, via segregação, quanto o que vem a ser beneficiado, ainda que condicionalmente, pela isenção do encarceramento após rigorosa avaliação, dentre outras circunstâncias, da natureza e da gravidade da infração penal que cometeu, de seus atributos pessoais e da pena que lhe é infligida.
Postulados dos mais caros ao Estado Democrático de Direito – os princípios da isonomia, da dignidade da pessoa e, principalmente, da individualização da pena, insculpido no art. 5º, XLVI, da Constituição Federal – são extirpados desse raciocínio que subtrai ao aplicador da lei o poder de decidir, ao cabo da análise singular de cada caso, sobre a incidência ou não do instituto que prevê a sustação das prerrogativas políticas.
Diante disso, ficam mantidos, pois, os direitos políticos do apenado.”
O Ministério Público recorreu extraordinariamente apontando a violação do art. 15, inciso III, da CF/88, e o Supremo Tribunal Federal, por maioria, deu-lhe razão.
Após o voto do ministro Marco Aurélio, que seguiu a mesma linha da decisão proferida na apelação afirmando que a suspensão dos direitos políticos contraria os princípios constitucionais da individualização da pena e da proporcionalidade, o ministro Alexandre de Moraes abriu a divergência para impor a suspensão independentemente da qualidade da pena fixada na sentença condenatória. O que importa, segundo a Constituição Federal, é a condenação transitada em julgado pela prática de uma conduta criminosa.
A divergência foi seguida pela maioria, sendo que o ministro Luiz Fux propôs, em seu voto, a restrição da suspensão dos direitos políticos aos crimes previstos na Lei da Ficha Limpa, tendo em vista ser desproporcional que consequência tão severa seja aplicada a infrações de menor gravidade. A tese firmada em repercussão geral, no entanto, foi assim redigida:
“A suspensão de direitos políticos prevista no artigo 15, inciso III, da Constituição Federal, aplica-se no caso de substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos”.
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