APRESENTAÇÃO DA OBRA REFERENTE À PESQUISA REALIZADA NA COLUMBIA LAW SCHOOL
Como todos os que acompanham as implicações das mudanças climáticas bem sabem, as nações de todo o Mundo reuniram-se em Paris, em dezembro de 2015, e definiram como meta manter as temperaturas médias globais abaixo de 2 °C acima dos níveis pré-industriais, comprometendo-se em envidar esforços para que o aumento mantenha-se, se possível, no patamar de 1,5 °C acima da referida Era. Já estamos convivendo com temperaturas de 1 °C acima das registradas na era pré-industrial. Para atingir os objetivos do Acordo de Paris, a maioria dos países também se comprometeu, de forma voluntária e não vinculativa, em reduzir, ou pelo menos controlar, suas emissões de gases do efeito estufa. Os países desenvolvidos também se comprometeram em contribuir com grandes quantias em dinheiro – começando com 100 bilhões de dólares em 2020 – para auxiliar os países em desenvolvimento a reduzir suas emissões de gases do efeito estufa e adaptarem-se às mudanças climáticas que estão por vir.
Acredito nas seis proposições seguintes que são inquestionavelmente críticas.
Em primeiro lugar, como demonstrado pelo Relatório recente do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, o Planeta com um aumento limitado em 1,5 °C em sua temperatura (mesmo que esse número possa ser atingido e mantido), ainda não é e nem será um local seguro. Como vimos ao longo do ano de 2017, com recordes em inundações, furacões, tufões, ondas de calor, incêndios florestais e derretimento de gelo em todo o mundo, o nosso Planeta com um aumento de apenas 1 °C demonstra-se já bastante zangado e perigoso.
Em segundo lugar, se todas as promessas feitas em Paris forem cumpridas, ainda assim não ficaremos abaixo de 2 °C. As estimativas variam, mas, ao que parece, caminhamos para um aumento de temperaturas entre 3 e 4 °C até o final do Século, o que seria catastrófico em muitos níveis.
Terceiro, não estamos nem próximos de cumprir com as promessas formuladas em Paris. O novo governo dos Estados Unidos repudiou oficialmente o comprometimento assumido pelo país anteriormente. E como se observa mais recentemente, mesmo os países que não chegaram a isso, já estão muito longe de atingir suas metas individuais de corte de emissões.
Em quarto lugar, o comprometimento de 100 bilhões de dólares por ano, assumido em Copenhague e Paris, quase não é suficiente para atender às necessidades dos países em desenvolvimento em relação a adoção de medidas de redução da emissão de gases de efeito estufa e de medidas de adaptação às alterações climáticas.
Quinto, mesmo antes das eleições dos EUA, de novembro de 2016, já não se sabia ao certo como esses 100 bilhões de dólares seriam fornecidos. Agora que a Administração de Donald Trump indicou que não quer que os Estados Unidos contribuam com nenhum recurso financeiro, as esperanças de se conseguir até mesmo essa mínima quantia em assistência internacional tornaram-se ainda mais distantes.
E sexto, os Poderes Legislativos e Executivos ao redor do mundo nos decepcionaram. Apenas os sistemas políticos de pouquíssimos países colocaram-se em posição altruísta para assumir a tarefa de combater as alterações climáticas.
Uma consequência do estado dessas relações internacionais é que muitas pessoas físicas e jurídicas estão buscando os Tribunais para resolver este problema. Se não podemos confiar em presidentes eleitos e parlamentares, podemos contar com os juízes?
Este livro trata exatamente disso: que papel podem e devem desempenhar os Tribunais em todo o Mundo em abordar a crise climática, e o que temos até agora, como experiência disso, nos Estados Unidos, no Brasil e na Alemanha.
O Sabin Center for Climate Change Law tem um site que tenta rastrear todos os litígios relacionados ao clima ao redor do Mundo. Descobrimos que há muito mais litígios climáticos nos EUA do que no restante do Planeta. Na verdade, pela nossa contagem, dos 1.187 casos no Mundo, 907, ou seja, 76% são nos EUA. A Austrália vem em um segundo lugar distante com 97 casos, a maioria dos quais são sobre a avaliação de impacto ambiental. Já bem atrás estão o Reino Unido e o Tribunal de Justiça da União Europeia (que tem julgado casos sobre a aplicação do sistema europeu de comércio de emissões) com 46 e 41 casos, respectivamente. Os únicos outros países a atingir os dois dígitos são a Nova Zelândia, Canadá e Espanha, e os Tribunais da Convenção das Nações Unidas sobre alterações climáticas. Há apenas alguns casos na Ásia, na África e na América do Sul.
A maior categoria de casos nos EUA envolve a integração da preocupação com as alterações climáticas e a avaliação ambiental e licenciamento, seguido bem de perto pelos casos ajuizados principalmente pela indústria e pelos Estados que estão lutando contra as regulamentações climáticas. Em um número menor de casos foram defendidas nos Tribunais: as políticas da administração Obama; a exigência de maior transparência e rigor científico na administração Trump; adoção de medidas de proteção climática adicionais.
A grande maioria dos casos que tem como objetivo uma maior e nova regulamentação, ou que defendem os regulamentos existentes, ou buscam maior divulgação de dados e informações referentes as questões climáticas e dos seus impactos foram ajuizados por organizações não governamentais e por governos de Estados que apoiam a regulação climática. A maioria dos casos que se opõem à regulação e à divulgação de informações que envolvem o problema do aquecimento global foi, previsivelmente, ajuizada pela indústria e pelos Estados que resistem à regulação climática.
Os casos majoritariamente nos Estados Unidos estão embasados em leis ou regulamentos. Somente uma porcentagem muito pequena dos casos é fundamentada em teorias constitucionais,de direitos humanos ou de responsabilidade civil e, ainda, não tiveram grande sucesso até agora, embora recebam grande atenção
dos operadores do direito, como resta demonstrado pelos recentes desenvolvimentos doutrinários sobre os mesmos. Muitas pessoas têm depositado grandes esperanças na possibilidade dos Tribunais poderem ajudar a resolver o problema que até agora os Poderes Executivo e Legislativo não foram capazes de solucionar.
Como mais casos de mudanças climáticas são ajuizados em outros países, será muito interessante ver se eles seguem os padrões semelhantes aos dos EUA. Cada país deve enfrentar os difíceis questionamentos que emanam da separação dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, e se as doutrinas tradicionais que emanam desta separação devem permanecer em face de uma crise global, como as mudanças climáticas.
Este livro, Litígios Climáticos no Direito Brasileiro, Norte-Americano e Alemão, surge em um momento extremamente oportuno. Advogados, juízes e juristas de todo o Mundo – não só nesses três países – estão trabalhando para compreender as potencialidades e os limites dos litígios no enfrentamento das mudanças climáticas. O Juiz Federal Gabriel Wedy dá uma contribuição extremamente relevante na análise dos litígios climáticos em três países muito importantes, cada um com diferentes sistemas políticos e jurídicos. O livro será de grande valor para qualquer pessoa que pretenda compreender o tema e talvez até influenciar no curso da prestação
jurisdicional em matéria de mudanças climáticas.
Nova Iorque, 4 de novembro de 2018.
Prof. Dr. Michael B. Gerrard
Professor na Universidade de Columbia.
Diretor do Centro Sabin de Direito das Mudanças Climáticas.
APRESENTAÇÃO DA OBRA REFERENTE À PESQUISA REALIZADA NA RUPRECHT-KARLS-UNIVERSITÄT HEIDELBERG
A. Proteção climática como um desafio para a governança
global
Atualmente, é comumente aceito – menos por um presidente dos EUA chamado Trump e por algumas outras pessoas com uma visão limitada de mundo – e confirmada pelo Quinto Relatório de Avaliação do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, que as mudanças climáticas estão acontecendo e são causadas por fatores antropogênicos. A luta contra as mudanças climáticas constitui um desafio global que só pode ser cumprido se for adotada uma abordagem política e jurídica que seja multilateral, cooperativa e baseada em uma governança de multinível. Vários agentes precisam trabalhar juntos para que se alcance o desenvolvimento sustentável e, especialmente, em temas como a redução das emissões de gases de efeito estufa, a expansão das energias renováveis, a melhoria da eficiência energética e a adaptação às mudanças climáticas que ocorrerão inevitavelmente.
I. Política Internacional de Mudanças Climáticas
A política internacional sobre as mudanças climáticas está estabelecida pelo Acordo de Paris, no qual 195 países concordaram em limitar as futuras emissões de gases de efeito estufa para que o aumento da temperatura global não seja maior do que 2 °C, se possível não maior do que 1,5 °C acima do nível pré-industrial. Ainda que o aumento das temperaturas seja de apenas de 1,5°C, o que vai provavelmente ocorrer entre 2030 e 2052, se as temperaturas continuarem a aumentar no atual ritmo, haverá um pesado impacto sobre o nosso Planeta, como demonstra o “Relatório Especial sobre os Impactos do Aquecimento Global de 1,5°C” acima dos níveis pré-industriais (IPCC, de Outubro de 2018). Este relatório também deixa claro que os atuais objetivos de mitigação não são suficientes para limitar o aquecimento global em 1,5 °C, ainda se eles forem apoiados e implementados com crescente entusiasmo e ambição para reduzir as emissões após 2030. O futuro revelará se a comunidade internacional de Estados levará este relatório especial a sério e se essa está disposta a intensificar os atuais esforços.
II. Política de Mudanças Climáticas Europeia
O art. 3 do Tratado da União Europeia (TUE) estabelece “um alto nível de proteção e melhoria da qualidade do meio ambiente” como um dos principais objetivos legais e políticos do Art. 191, (1) do Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE) que complementa o Art. 3º do (TUE) com específicos objetivos ambientais como ”preservar, proteger e melhorar a qualidade do meio ambiente, proteger a saúde humana, a prudente e racional utilização dos recursos naturais e a promoção de medidas em nível internacional para enfrentar os problemas ambientais, regional e mundial e, em particular, combater as mudanças climáticas”. A competência da União Europeia para a adoção de medidas de mitigação das mudanças climáticas tem como base o Art. 192, (1) do (TFUE).
Dentro deste cenário jurídico, o Conselho Europeu declarou que a temperatura global deve aumentar no máximo 2°C e comprometeu a União Europeia a reduzir as suas emissões de gases de efeito estufa em pelo menos 20% abaixo dos níveis de 1990 até 2020 (CE, 2007). A fim de cumprir com esta obrigação, a UE aprovou o pacote de proteção climática (2009), que incluiu os objetivos vinculativos para se atingir uma quota geral de consumo de 20% proveniente das energias renováveis – no consumo energético total – e uma melhoria da eficiência energética também de 20% até 2020. Até o momento, a UE se encontra em excelente posição de ultrapassar, por longa margem, objetivo de 20% de redução das emissões de gases de efeito estufa, uma vez que, em 2015, as emissões na UE já foram 22% inferiores ao nível de 1990. Em 2014, o Conselho Europeu apresentou um novo quadro de política climática e energética, obrigando a UE a reduzir as suas emissões de gases de efeito estufa em pelo menos 40% abaixo do nível de 1990 até 2030 e atingir uma quota em 27% na produção de energias renováveis e uma melhoria da eficiência energética igualmente de 27%. Essas metas serão alcançadas pelas contribuições dos Estados-Membros que serão discutidas e negociadas informalmente e bilateralmente entre os referidos Estados e a Comissão da UE.
III. Política de Mudanças Climáticas na Alemanha
As ambiciosas políticas internacionais e europeias de proteção climática somente serão bem-sucedidas se os governos nacionais apoiarem seriamente as metas de redução acordadas em nível internacional e Europeu e assegurarem a sua implantação. O objetivo da Alemanha, no longo prazo, é a redução das emissões de gases de efeito estufa em 80-95% (com relação ao nível de 1990) até 2050. A fim de atingir esta ambiciosa meta de redução, o “Plano de Ação Climática 2050” prevê diferentes objetivos, estratégias e medidas para os setores de energia, construção, tráfego, indústria, agricultura e silvicultura. O objetivo político para 2020 é a redução das emissões de gases de efeito estufa em 40%. Quanto ao “Relatório de Proteção Climática 2017” do Governo Federal Alemão a redução esperada das emissões de gases de efeito estufa será no máximo de 35%, de modo que o objetivo de 40% provavelmente não será atingido. No entanto, como apontado no acordo de coligação (2018), o Governo Federal Alemão está comprometido com o cumprimento das metas climáticas previstas no âmbito nacional, europeu e internacional (acordo de Paris) para 2020, 2030 e 2050.
B. Litígios climáticos
Além disso, na UE e na Alemanha, o papel dos Tribunais em relação à luta efetiva contra as alterações climáticas torna-se cada vez mais importante, mesmo que a discussão aqui, em comparação com os EUA, ainda esteja no início. Entretanto, já houve algumas ações judiciais de sucesso em alguns estados membros da UE, por exemplo, a ação da associação ambiental “Urgenda” contra o Estado holandês, alegando que o referido Estado viola o seu dever constitucional de cuidado, limitando as emissões de gases de efeito estufa (apenas) em 17%, abaixo dos níveis de 1990. O Tribunal Distrital de Haia julgou procedente a ação e ordenou que o Estado holandês limitasse as emissões de gases de efeito estufa em 25%. Semelhante a este caso, mas no que se refere à própria UE temos a ação judicial de 8 famílias europeias e 2 não europeias contra o Conselho Europeu e o Parlamento. As metas climáticas da União Europeia são, segundo os autores, insuficientes para evitar os perigos das mudanças climáticas. Neste caso, o objetivo dos autores é obrigar a UE a atingir metas de redução de emissões mais rigorosas até 2030.
Até agora, não houve nenhuma ação na Alemanha com o objetivo de obrigar o governo federal no cumprimento de metas de redução de emissões mais rigorosas ou para a adoção de medidas mais eficazes de proteção climática, embora, como visto acima, a Alemanha provavelmente não conseguirá atingir os objetivos com os quais se comprometeu em nível internacional e europeu. Parece que o tema “Litígios Climáticos” não adquiriu importância na Alemanha até o momento. Pelo menos o tema não chegou aos Tribunais alemães até agora e não há sequer uma discussão pública sobre isso.
Na Alemanha, só houve uma ação judicial de proteção climática até agora que é a demanda de um agricultor peruano contra a RWE (maior produtora de eletricidade do país). O autor da ação alega que a RWE é parcialmente responsável pelo derretimento de uma geleira perto de sua cidade natal e o consequente aumento do nível de um lago, que provavelmente inundará a área de sua propriedade da qual ele necessita para sua subsistência econômica.
No entanto, o Tribunal Distrital de Essen decidiu, em primeira instância, que a RWE não é legalmente obrigada a pagar por medidas que o autor já tenha tomado para proteger a sua propriedade e residência contra esse risco. Em consonância com a jurisprudência, o Tribunal salientou que não é possível atribuir danos individuais e prejuízos a emissores únicos, quando há uma multiplicidade de tais emissores. Portanto, nenhum nexo causal conectou as emissões da RWE aos perigos sofridos pelo demandante e aos custos arcados por este decorrentes do derretimento da geleira. O autor apelou ao Tribunal Regional Superior de Hamm. A decisão está sendo aguardada ansiosamente por vários juristas e advogados, pois, caso o agricultor peruano tenha sucesso, esta será uma decisão histórica para o sistema da responsabilidade civil alemão. Este último – sistema de responsabilização civil – encontra-se até agora limitado aos bens jurídicos individuais tais como a vida e a saúde (não engloba o meio ambiente e o clima como bens coletivos ou comuns) e existem grandes e rigorosas exigências para a demonstração do nexo de causalidade nos casos em concreto.
C. O livro de Gabriel Wedy: uma valiosa contribuição paraa pesquisa internacional sobre mudanças climáticas
Contra os antecedentes factuais e jurídicos acima mencionados e a esmagadora necessidade da adoção de “medidas climáticas” urgentes (Objetivo 13 da Agenda de 2030 da ONU para o Desenvolvimento Sustentável) é preciso acolher calorosamente o inspirador livro de Gabriel Wedy que aborda “Litígios climáticos no Brasil, nos Estados Unidos e na Alemanha”. A cooperação internacional de pesquisadores de sustentabilidade em todo o mundo está se tornando cada vez mais importante para enfrentar o enorme desafio de limitar o aquecimento global e para a adoção de medidas de adaptação às mudanças climáticas (na medida em que essas são inevitáveis). Neste contexto, a relevância prática dos litígios climáticos tem crescido de forma constante nos últimos anos – um desenvolvimento que ainda não chegou ao seu fim e que deve ser analisado não apenas do ponto de vista de um Estado e de uma ordem jurídica. Portanto, é especialmente a perspectiva comparada deste novo livro de Gabriel Wedy, que tem um valioso significado e é um passo à frente para todos os esforços de se desenvolver uma doutrina de direito internacional das mudanças climáticas. Desejo que este livro tenha a ampla difusão que tanto merece, bem como ávidos leitores.
Heidelberg, 27 de outubro de 2018.
Prof. Dr. Wolfgang Kahl
Professor na Universidade de Heidelberg.
Diretor do Centro de Pesquisa de Direito e Sustentabilidade.
PREFÁCIO
Se há tema atual, relevante e emergencial, a ponto de assumir uma dimensão existencial para toda a natureza, humana e não humana, é o desafio do habitar e viver no nosso Planeta de modo sustentável e não de modo a contribuir para a possível inviabilização da vida em escala global.
Nesse contexto, as mudanças climáticas, que não configuram, por elementar, um fenômeno recente, existindo e impactando desde que existe a Terra, passaram a se tornar um problema de natureza também moral e jurídica, sem prejuízo das suas demais dimensões. Isso pelo fato de que o ser humano, dotado de razão e consciência (o que nem sempre parece ser o caso…) tem cobrado da natureza muito mais do que o necessário para a sua (do ser humano, mas não de todos os humanos da mesma forma) sobrevivência e seu desenvolvimento, sendo também o único ser vivo com condições de repensar a sua trajetória e agir, de modo racional e razoável, para mitigar o impacto de suas
ações e omissões.
No caso das mudanças climáticas, embora todas as medidas já adotadas, as resistências ainda são muitas e movidas
por poderosos atores e interesses, mas também pela dificuldade que, em maior ou menor medida, o ser humano tem em fazer a sua parte quando se trata de renunciar a algo no presente em detrimento de uma vantagem futura em relação a qual não tem por vezes maior conhecimento, mas que, ademais disso, não lhe oferece uma ameaça iminente e mais concreta.
Contudo, o preço da omissão ou da ação insuficiente já está sendo cobrado e a fatura tende a ser alta demais, senão mesmo impagável. Os sinais já são mais do que evidentes, mas por ora ainda atingem, como costuma ser, os mais vulneráveis. Por outro lado, ademais da resistência no que diz com a submissão a medidas efetivas para enfrentar o problema, apenas factível em escala mundial, mediante esquemas cooperativos sólidos e acompanhados de investimentos massivos em diversos níveis, também se verificam inúmeras situações de descumprimento de medidas já estabelecidas, seja em nível internacional, seja no plano doméstico.
Nessa senda, o papel da assim chamada litigância climática, como estratégia de combate para fazer cumprir as leis e os tratados e demais esquemas regulatórios em vigor, bem como impulsionar outras, tem ganhado uma dimensão que, não faz tanto tempo, não era sequer imaginada. Não só o assim chamado direito das mudanças climáticas e seus domínios correlatos, como o direito das catástrofes e dos desastres ambientais, que se somaram aos ramos já clássicos do direito ambiental, mas também a criação de estruturas organizacionais e técnicas processuais adequadas para a efetividade da proteção do ambiente têm sido cada vez mais objeto de atenção. A judicialização das mudanças climáticas e a formação de um corpo diversificado de agentes capacitados e comprometidos têm igualmente angariado cada vez mais adeptos nos mais diversos domínios, em especial na área do Direito.
Já particularmente desenvolvida nos Estados Unidos da América, curiosamente um dos três países que mais contribui para o desgaste ambiental e para o aumento dos níveis de aquecimento global, a assim chamada litigância ambiental tem sido objeto de implantação e estudo em um número cada vez maior de países, com níveis muito diferenciados de desenvolvimento e eficácia. Já por tal razão, é motivo de alegria e de orgulho poder lançar essas sumárias considerações à guisa de prefácio da nova obra do Professor Doutor e Magistrado Federal Gabriel Wedy,
estimado amigo e colega, que tem dedicado parte substancial de sua trajetória acadêmica à causa da proteção do ambiente, área temática sobre a qual se debruçou tanto durante o Mestrado quanto no Doutorado e agora Pós-Doutorado em Direito. Tendo em conta os temas das suas obras que correspondem ao texto de sua Dissertação de Mestrado e Tese de Doutorado, voltadas aos princípios e deveres da precaução e da sustentabilidade, nada mais bem-vindo que um trabalho dedicado ao tema da litigância climática, que precisamente envolve, dentre outros aspectos, o bom combate pela efetividade dos princípios e deveres referidos.
A obra que agora é submetida ao público não poderia ter sido concebida e escrita em ambiente mais favorável e estimulante. Depois de uma proveitosa e elogiada, ademais de produtiva estada, na condição de visiting scholar, na Universidade de Columbia, Nova Iorque, durante o seu Doutorado, sob a supervisão magistral de um dos maiores (senão o maior) teóricos e práticos do direito das mudanças climáticas e da litigância climática em escala mundial, designadamente, o Prof. Dr. Michael Gerrard, o nosso ilustre prefaciado, agora em nível de pós-doutoramento, voltou para Nova Iorque para novamente se abeberar e empoderar junto ao Professor Gerrard e as fantásticas fontes e conhecimento do Instituto pelo mesmo presidido (Sabin Center for Climate Change Law).
Não bastasse isso, o nosso prefaciado realizou pesquisas na prestigiada Universidade de Heidelberg, orientado pelo Prof. Dr. Wolfgang Kahl. Sempre inquieto e ávido por conhecimentos, Gabriel não deixou de aproveitar a ocasião para trocar ideias e obter preciosas indicações bibliográficas com outro prestigiado docente daquela que é a mais antiga Universidade na Alemanha (embora não a mais antiga Universidade de língua alemã), designadamente, o Prof. Dr. Marc-Philippe Weller, bem como com o Prof. Dr. Rüdiger Wolfrum, do Instituto Max-Planck de Direito Público Internacional e Comparado, também situado na cidade de Heidelberg.
O resultado não poderia ser outro. Uma obra atual, comprometida, bem construída do ponto de vista científico e vocacionada para servir de fonte e referência para todos os que já se dedicam ao tema da litigância climática e, quiçá, de estímulo para que outros vejam, nas mudanças climáticas e no enfrentamento e equacionamento dos problemas a elas relacionados, uma razão para viver.
Portanto, não sendo o caso de aqui consumir papel e tinta para apresentar aquilo que o leitor poderá acessar desde logo e sem intermediários, o que me resta é parabenizar tanto a obra como seu autor, desejando que ambos encontrem ampla receptividade e obtenham máxima ressonância.
Porto Alegre, 27 de outubro de 2018.
Prof. Dr. Ingo Wolfgang Sarlet
Professor Titular e Coordenador do Programa de Pós-Graduação em
Direito da Escola de Direito da PUC-RS. Desembargador do TJRS.
Doutor e Pós-Doutor em Direito pela Universidade de Munique