8) A ampla liberdade de informação, opinião e crítica jornalística reconhecida constitucionalmente à imprensa não é um direito absoluto, encontrando limitações, tais como a preservação dos direitos da personalidade, nestes incluídos os direitos à honra, à imagem, à privacidade e à intimidade, sendo vedada a veiculação de críticas com a intenção de difamar, injuriar ou caluniar.
Se, como vimos, é possível afastar a imputação de crimes contra a honra sob o argumento de que são admitidos o exercício de críticas e a emissão de opiniões desfavoráveis, por outro lado é preciso ressaltar que há limites, de resto aplicáveis a toda sorte de direitos e garantias individuais. O próprio Código Penal, no já mencionado art. 142, ressalva que a opinião desfavorável da crítica literária, artística ou científica pode ser criminosa quando inequívoca a intenção de injuriar ou difamar.
Não há, evidentemente, uma fórmula fechada segundo a qual determinadas opiniões críticas são atípicas enquanto outras são típicas. É sempre o caso concreto que deve indicar se o autor da opinião manifestada agiu com prudência e proporcionalidade diante do que pretendeu criticar.
Veja-se, a respeito, o seguinte julgado do STJ:
“RECURSOS ESPECIAIS. RESPONSABILIDADE CIVIL. 1. REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS. OBRA LITERÁRIA. FIGURA PÚBLICA. ABUSO DO DIREITO DE EXPRESSÃO E DE INFORMAÇÃO. AFRONTA AOS DIREITOS DE PERSONALIDADE. EXISTÊNCIA. INFORMAÇÃO INVEROSSÍMIL. EXISTÊNCIA DE ANIMUS INJURIANDI VEL DIFFAMANDI. 2. QUANTUM INDENIZATÓRIO. MÉTODO BIFÁSICO. OBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. 3. DIREITO À RETRATAÇÃO. PRINCÍPIO DA REPARAÇÃO INTEGRAL. PUBLICAÇÃO DA DECISÃO CONDENATÓRIA. POSSIBILIDADE. 4. RECURSO ESPECIAL DOS RÉUS DESPROVIDO. RECURSO ESPECIAL DO AUTOR PARCIALMENTE PROVIDO. 1. Liberdade de expressa e de informação em contraponto à proteção aos direitos da personalidade. O Superior Tribunal de Justiça estabeleceu, para situações de conflito entre tais direitos fundamentais, entre outros, os seguintes elementos de ponderação: a) o compromisso ético com a informação verossímil; b) a preservação dos chamados direitos da personalidade, entre os quais incluem-se os direitos à honra, à imagem, à privacidade e à intimidade; e c) a vedação de veiculação de crítica jornalística com intuito de difamar, injuriar ou caluniar a pessoa (animus injuriandi vel diffamandi). 1.1. A princípio, não configura ato ilícito as publicações que narrem fatos verídicos ou verossímeis, embora eivados de opiniões severas, irônicas ou impiedosas, sobretudo quando se trate de figuras públicas que exerçam atividades tipicamente estatais, gerindo interesses da coletividade, e a notícia e a crítica referirem-se a fatos de interesse geral relacionados à atividade pública desenvolvida pela pessoa noticiada. 1.2. Não obstante a liberdade de expressão seja prevalente, atraindo verdadeira excludente anímica, ela não é absoluta, devendo ser balizada pelos demais direitos e princípios constitucionais. Comprovado, na espécie, que o autor do livro ultrapassou a informação de cunho objetivo, deve preponderar os direitos da personalidade. Dano moral configurado. 2. O valor estabelecido pelas instâncias ordinárias a título de danos morais somente deve ser revisto por esta Corte Superior nas hipóteses em que a condenação se revelar irrisória ou excessiva, em desacordo com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. No caso, a tríplice função da indenização por danos morais e o método bifásico de arbitramento foram observados, de acordo com a gravidade e a lesividade do ato ilícito, de modo que é inviável sua redução. 3. O direito à retratação e ao esclarecimento da verdade possui previsão na Constituição da República e na Lei Civil, não tendo sido afastado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADPF 130⁄DF. O princípio da reparação integral (arts. 927 e 944 do CC) possibilita o pagamento da indenização em pecúnia e in natura, a fim de se dar efetividade ao instituto da responsabilidade civil. 3.1. Violada a expectativa legítima, cabe à jurisdição buscar a pacificação social, podendo o Magistrado determinar a publicação da decisão condenatória nas próximas edições do livro. 4. Recurso especial dos réus desprovido. Recurso especial do autor parcialmente provido.” (REsp 1.771.866/DF, j. 12/02/2019)
9) A não recepção pela Constituição Federal de 1988 da Lei de Imprensa (Lei n. 5. 250/1967) não implicou na abolitio criminis dos delitos contra a honra praticados por meio da imprensa, pois tais ilícitos permanecem tipificados na legislação penal comum.
A Lei 5.250/67 tipificava nos arts. 20, 21 e 22 os delitos contra a honra praticados por meio da imprensa. No entanto, no julgamento da ADPF 130 o STF considerou que a lei não foi recepcionada pela Constituição Federal de 88, pois a regulamentação que impunha era incompatível com a liberdade de imprensa consagrada na mesma Constituição.
Com a decisão, as infrações contra a honra praticadas pela imprensa não se tornaram atípicas, mas devem se subsumir às normas gerais do Código Penal relativas ao mesmo tema:
“A discussão a respeito da recepção da Lei de Imprensa pela Constituição da República de 1988 foi encerrada com o julgamento, no âmbito do Supremo Tribunal Federal, da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 130, em 30⁄4⁄2009, em que se decidiu pela não recepção do diploma especial pela Carta Magna.
No caso concreto, os fatos narrados – calúnia imputada a Procurador de Justiça – ocorreram em 2005, alguns anos antes do julgamento da Suprema Corte acerca da não recepção da Lei de Imprensa pela Constituição. Assim, os fatos narrados na queixa-crime foram juridicamente subsumidos àquela legislação especial. O acórdão que julgou parcialmente procedente a queixa-crime, por seu turno, foi prolatado após a edição do precedente do Supremo Tribunal Federal.
O julgamento da ADPF n. 130 não gerou abolitio criminis quanto aos delitos então considerados “de imprensa”, tampouco criou propriamente um conflito de normas penais e processuais penais no tempo. Cuida-se, em realidade, da determinação, por meio da Corte Suprema, de que os fatos enquadrados na Lei de Imprensa sejam subsumidos à legislação especial comum, diante da não recepção do diploma especial pela Carta de 1988, independentemente de a providência importar em benefício ou prejuízo aos acusados nas ações penais em curso. Precedentes dos Tribunais Superiores.
Não ocorrendo modificação da narrativa fática, mas tão só seu ajustamento aos termos e comandos da lei penal, é possível que a aplicação do Código Penal se revela ora mais benéfica, ora menos benéfica ao acusado. Não há como aplicar à espécie qualquer regra ínsita à Lei de Imprensa, com alegado fundamento em sua favorabilidade ao réu, porquanto não se cuida de conflito de leis penais e processuais no tempo, mas de estrito cumprimento da determinação de aplicação da legislação penal comum aos fatos decorrentes as relações de imprensa, exarada em sede de controle concentrado de constitucionalidade, do qual exsurgem efeitos erga omnes.
No caso em exame, o alegado constrangimento ilegal consistiria na negativa de aplicação de norma mais favorável prevista na Lei de Imprensa, bem como no reconhecimento de majorante que não constava da redação da lei especial. Seriam argumentos válidos, se a hipótese fosse de conflito intertemporal de leis, o que não ocorre.
Com efeito, a suspensão da pena inferior a três anos, ainda que prevista no art. 72 da Lei de Imprensa, não possui correlação na legislação penal comum, sendo, portanto, inaplicável à espécie.
Por outro lado, malgrado o fato descrito no inciso III do art. 145 do Código Penal – CP não fosse considerado causa de aumento de pena na Lei de Imprensa, incumbe ao Magistrado adequar os fatos descritos na denúncia à legislação penal comum. Extraindo-se claramente da queixa-crime que o suposto delito foi cometido na presença de várias pessoas, ou por meio que facilite a divulgação da ofensa, a subsunção dos fatos, em sentença, à majorante prevista no Código Penal afigura lícita emendatio libelli, em estrita observância do comando expedido pela Suprema Corte.
Ordem denegada.” (HC 287.819/PA, j. 16/08/2018)
10) É concorrente a legitimidade do ofendido, mediante queixa, e do Ministério Público, condicionada à representação do ofendido, para a ação penal por crime contra a honra de servidor público em razão do exercício de suas funções.
A ação penal nos crimes contra a honra é em regra privada, como dispõe o caput do art. 145 do Código Penal. Dentre as exceções, o parágrafo único estabelece que a ação penal é pública condicionada à representação do ofendido no caso de o delito ser cometido contra funcionário público no exercício das suas funções.
A despeito da exceção trazida pelo parágrafo único, veio à tona forte corrente sustentando, em casos tais, a admissibilidade da legitimação alternativa do Ministério Público e do agente público ofendido, nascendo, para este último, um verdadeiro direito de opção. Foi exatamente essa a posição adotada pelo STF ao editar a Súmula 714:
“É concorrente a legitimidade do ofendido, mediante queixa, e do Ministério Público, condicionada à representação do ofendido, para a ação penal por crime contra a honra de servidor público em razão do exercício de suas funções”.
É o mesmo teor da tese firmada pelo STJ:
“Os crimes contra a honra (Capítulo V, Título I, da Parte Especial do Código Penal) são processados mediante ação penal privada, iniciada por queixa-crime, nos termos do art. 145 do Código Penal. Neste caso, porém, houve ofensa à honra de funcionário público no exercício das suas funções, o que consubstancia hipótese de legitimidade concorrente, tanto do ofendido quanto do Ministério Público, sendo que a atuação do Parquet condiciona-se à representação, nos termos do enunciado n. 714 da Súmula do Supremo Tribunal Federal.” (RHC 113.461/CE, j. 25/06/2019)
11) Os deputados federais e os senadores gozam de imunidade parlamentar material, o que afasta a tipicidade de eventuais condutas, em tese, ofensivas à honra praticadas no âmbito de suas atuações político-legislativas (art. 53 da CF/1988), prerrogativa estendida aos deputados estaduais, a teor do disposto no art. 27, § 1º, da CF/1988.
Também chamada de imunidade substancial, material, real, inviolabilidade ou indenidade, a imunidade parlamentar absoluta está prevista no artigo 53, caput, da CF/88, nos seguintes termos: “Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”. Considerando o disposto no art. 27, § 1º, da Constituição, a imunidade se aplica também aos deputados estaduais, pois lhe são estendidas as mesmas regras “sobre sistema eleitoral, inviolabilidade, imunidades, remuneração, perda de mandato, licença, impedimentos e incorporação às Forças Armadas”:
“2. Conforme a dicção do art. 53 da Constituição da República, os deputados federais e senadores gozam de imunidade parlamentar material, o que afasta a tipicidade de eventuais condutas, em tese, ofensivas à honra praticadas no âmbito de sua atuação político-legislativa. Tal imunidade, por certo, é estendida aos deputados estaduais, a teor do disposto no art. 27, § 1º, da CF. 3. No caso, verifica-se que as alegadas ofensas à honra subjetiva descritas na queixa-crime foram dirigidas contra o então chefe do Poder Executivo estadual na tribuna da Assembléia Legislativa, e estão diretamente relacionadas ao exercício do seu mandado de Deputado Estadual pelo paciente, o que evidencia a atipicidade das condutas, corolário da imunidade material dos parlamentares. 4. Extrai-se da própria queixa-crime que as aludidas ofensas, além de realizadas na tribuna da Assembléia Legislativa, foram proferidas enquanto o deputado tecia críticas a uma proposta encaminhada pelo Governo Estadual.” (HC 443.385/GO, j. 06/06/2019)
Note-se apenas que, não obstante se denomine “absoluta”, esta imunidade vem sofrendo certas restrições pelo STF. Com efeito, desde que a manifestação seja proferida no interior do parlamento, a regra é de que a imunidade é absoluta. Se, no entanto, a manifestação ocorrer fora do recinto, deve ser demonstrado vínculo com o exercício do mandato (Pet. 6.156/DF, DJe 28/09/2016). E, se extrapola as dependências do parlamento – ainda que nele proferida –, o tribunal admite o afastamento da imunidade:
“In casu, (i) a entrevista concedida a veículo de imprensa não atrai a imunidade parlamentar, porquanto as manifestações se revelam estranhas ao exercício do mandato legislativo, ao afirmar que “não estupraria” Deputada Federal porque ela “não merece”; (ii) o fato de o parlamentar estar em seu gabinete no momento em que concedeu a entrevista é fato meramente acidental, já que não foi ali que se tornaram públicas as ofensas, mas sim através da imprensa e da internet;
(…)
(i) A imunidade parlamentar incide quando as palavras tenham sido proferidas do recinto da Câmara dos Deputados: “Despiciendo, nesse caso, perquirir sobre a pertinência entre o teor das afirmações supostamente contumeliosas e o exercício do mandato parlamentar” (Inq. 3814, Primeira Turma, Rel. Min. Rosa Weber, unânime, j. 07/10/2014, DJE 21/10/2014). (ii) Os atos praticados em local distinto escapam à proteção da imunidade, quando as manifestações não guardem pertinência, por um nexo de causalidade, com o desempenho das funções do mandato parlamentar.” (Inq. 3.932/DF, DJe 09/09/2016).
12) A imunidade em favor do advogado, no exercício da sua atividade profissional, insculpida no art. 7º, § 2º, do Estatuto da OAB (Lei n. 8.906/1994), não abrange o crime de calúnia, restringindo-se aos delitos de injúria e difamação.
O art. 7º, § 2º, da Lei 8.906/94 é expresso ao dispor que ao advogado é garantida imunidade profissional, não constituindo injúria ou difamação puníveis qualquer manifestação de sua parte no exercício de sua atividade, em juízo ou fora dele. O dispositivo reproduz o disposto no inciso I do art. 142 do Código Penal, segundo o qual não constitui injúria ou difamação a ofensa irrogada em juízo, na discussão da causa, pela parte ou por seu procurador.
O fundamento da denominada “imunidade judiciária” reside na ampla liberdade que deve nortear a defesa na discussão das causas, sendo indispensável a relação entre a ofensa irrogada e o debate travado no processo (contencioso, voluntário ou administrativo).
Mas a garantia abrange tão somente os crimes de injúria e de difamação. Tratando-se de calúnia, que é imputação de fato criminoso, há interesse público em sua elucidação, razão por que não se justifica a criação de obstáculos para tal providência:
“1. De acordo com o entendimento desta Corte Superior, a imunidade prevista no § 2º art. 7º do Estatuto da OAB se aplica apenas aos delitos de difamação e injúria, não havendo falar em trancamento da ação penal com relação ao crime de calúnia. 2. A imunidade profissional ao advogado, preceito constitucional necessário à atuação eficiente e corajosa em defesa de outrem, pode conter limitações casuísticas, especialmente quando imputa crimes a terceiros. 3. O acolhimento das alegações no sentido de que não teria efetivamente havido ânimo difamatório, tampouco de calúnia, demandaria necessário revolvimento do contexto fático-probatório dos autos, o que não se admite na via do habeas corpus.” (RHC 100.494/PE, j. 12/02/2019)
13) A parte não responde por crime contra a honra decorrente de peças caluniosas, difamatórias ou injuriosas apresentadas em juízo por advogado credenciado.
A responsabilidade penal é sempre subjetiva, ou seja, condiciona-se à existência de dolo ou culpa. Uma vez inexistente um ou outro (conforme a natureza do crime), falta um dos elementos do fato típico e, consequentemente, não há crime.
No caso de delitos contra a honra cometidos pelo advogado constituído pela parte, a imputação se restringe a quem de fato praticou a ofensa. Estender a imputação criminal também à parte, que na esmagadora maioria das vezes sequer tem ideia do que se veicula em peças processuais, é responsabilidade penal objetiva:
“1. Eventual excesso praticado pelo advogado em juízo não pode ser atribuído à pessoa que o constituiu para a sua representação, sob pena de se operar a vedada responsabilização penal objetiva. Precedentes.” (RHC 51.297/BA, j. 18/12/2014)
Para se aprofundar, recomendamos:
Livro: Manual de Direito Penal (parte especial)
Livro: Código de Processo Penal e Lei de Execução Penal Comentados por Artigos