Nos termos do art. 312 do CPP, a prisão preventiva se justifica como forma de preservação da ordem pública e econômica, por conveniência (necessidade) da instrução criminal e como garantia da futura aplicação da lei penal. Como aponta Antônio Magalhães Gomes Filho, “na técnica processual, as providências cautelares constituem os instrumentos através dos quais se obtém a antecipação dos efeitos de um futuro provimento definitivo, exatamente com o objetivo de assegurar os meios para que esse mesmo provimento definitivo possa ser conseguido e, principalmente, possa ser eficaz” (Presunção de Inocência e prisão cautelar. São Paulo, Saraiva, 1991, p. 53). Tem, portanto, inegável caráter de uma prisão cautelar de natureza processual e, por conta disso, deve preencher os requisitos típicos de toda e qualquer medida cautelar, a saber, o fumus comissi delicti e o periculum libertatis.
O fumus comissi delicti é a comprovação da existência de um crime e de indícios suficientes de autoria. É a fumaça da prática de um fato punível, que deve vir acompanhada do periculum libertatis, referente ao risco que o criminoso em liberdade pode criar para a ordem pública, a ordem econômica, a instrução criminal e para a aplicação da lei penal. Este requisito sempre foi lembrado pela doutrina e pela jurisprudência, pois não era explícito no art. 312. Agora, com as alterações trazidas pela Lei 13.964/19, o perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado encerra o texto do dispositivo legal.
A prisão preventiva não é, obviamente, uma antecipação da culpa, mas tão somente uma forma excepcional de assegurar o curso do processo penal ao mesmo tempo em que a sociedade é protegida das ações de alguém cuja liberdade põe em risco evidente e imediato a paz social. Tanto isto é verdade que nada impede a absolvição do réu preso cautelarmente, nem tampouco é impossível que, em decorrência da condenação, a situação do réu se torne mais favorável em comparação àquela vivida durante a ação penal. Suponhamos que alguém seja denunciado por tráfico de variadas drogas em quantidade acima do normal e, devido ao risco à ordem pública, seja preso preventivamente. Na sentença condenatória, o magistrado julga viável a incidência da causa de diminuição de pena relativa ao tráfico privilegiado, pois a quantidade e a diversidade das drogas, por si, não são fatores impeditivos (STJ: AgRg no HC 542.989/ES, j. 10/03/2020). Em virtude da diminuição da pena, e porque não há elementos que justifiquem um tratamento mais severo, o juiz impõe o regime inicial semiaberto.
A situação descrita não torna ilegal a prisão, imposta segundo as circunstâncias do momento da decretação. Mas é preciso atentar para o fato de que a cautelar tem seus fundamentos profundamente abalados, pois, uma vez confirmada a sentença, o condenado terá sua situação imediatamente amenizada, o que se revela um contrassenso. Há muito o STJ firmou a tese de que, neste caso, a prisão preventiva não pode subsistir:
“A prisão preventiva não é legítima nos casos em que a sanção abstratamente prevista ou imposta na sentença condenatória recorrível não resulte em constrição pessoal, por força do princípio da homogeneidade” (Tese nº 07, edição 32 da Jurisprudência em Teses).
No mesmo sentido decidiu o STF no julgamento do HC 182.567/RJ (j. 18/03/2020). O impetrante havia sido processado por associação para o tráfico majorada pelo emprego de arma de fogo. Preso preventivamente, foi condenado a três anos e seis meses de reclusão em regime inicial semiaberto, mas lhe foi negada a possibilidade de apelar em liberdade. A ministra Cármen Lúcia concedeu a ordem por considerar evidente o constrangimento ilegal:
“Este Supremo Tribunal firmou jurisprudência no sentido da inviabilidade da manutenção da prisão preventiva em sentença condenatória pela qual se fixa o regime semiaberto para início do cumprimento da pena privativa de liberdade, não se admitindo sequer modulação da custódia cautelar para se adequar ao regime inicial menos gravoso. Confiram-se os julgados a seguir:
‘PENAL. HABEAS CORPUS. ROUBO. SENTENÇA CONDENATÓRIA. FIXAÇÃO DE REGIME INICIAL SEMIABERTO. MANUTENÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA. INCOMPATIBILIDADE. PRECEDENTES DA SEGUNDA TURMA. ORDEM CONCEDIDA. I – Nos termos da jurisprudência desta Segunda Turma, a manutenção da prisão provisória é incompatível com a fixação de regime de início de cumprimento de pena menos severo que o fechado. Precedentes. II – Ordem concedida para revogar a prisão preventiva do paciente e determinar a sua imediata soltura, sem prejuízo da fixação, pelo juízo sentenciante, de uma ou mais medidas cautelares previstas no art. 319 do Código de Processo Penal, caso entenda necessário’ (HC n. 138.122, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, Segunda Turma, DJe 22.5.2017).
[…]
Considerando-se que o magistrado de primeira instância fixou o regime semiaberto para início do cumprimento da pena, incabível a manutenção da prisão preventiva do paciente, que permaneceria fechado até a finalização do processo ou outra providência adotada”.
Para se aprofundar, recomendamos:
Livro: Código de Processo Penal e Lei de Execução Penal Comentados por Artigos
Conheça os cursos do Ministério Público da Lesen, coordenados pelo professor Rogério Sanches: