O artigo 1.014 do CPC/2015 representou um grande avanço em termos de combate ao formalismo processual, permitindo o avanço das ideias de economia e instrumentalidade processuais, bem como da nova concepção de primazia do mérito. Veja-se o texto do dispositivo em questão:
Art. 1.014. As questões de fato não propostas no juízo inferior poderão ser suscitadas na apelação, se a parte provar que deixou de fazê-lo por motivo de força maior.
Assim, matérias fáticas e relativas à instrução probatória que não tenham sido apresentadas durante o primeiro grau de jurisdição poderão ser apresentadas ao Tribunal, desde que não tenham sido levadas ao conhecimento do juízo em virtude de força maior.
A limitação contida no art. 1.014, do CPC, que permite a apresentação, na apelação, apenas de questões de fato, não se aplica às questões de direito, pois estas poderão ser apresentadas a qualquer momento, nos termos do art. 493, do CPC. Já comentamos essa situação em nosso livro Manual dos Recursos Cíveis – Teoria e Prática:
“Esta regra excepciona o sistema de preclusões em que se baseia o processo civil, mas exige, para sua incidência, a prova de que a questão de fato não foi suscitada por motivo de força maior.
Note-se um importante detalhe: o art. 1.014 do CPC não trata da alegação de fatos novos (supervenientes). Estes podem ser veiculados, na apelação ou outro momento, porque o art. 493 do CPC assim autoriza expressamente.
O objeto da norma são os fatos antigos que não foram alegados a seu tempo. Se houver justo motivo, podem ser veiculados de forma inédita na apelação. Atente-se apenas para a necessidade de contraditório.
Por fim, a restrição alcança apenas as questões de fato, mas não as de direito, que podem ser alegadas a qualquer tempo, em razão do princípio processual juria novit cúria. Igualmente, não limita a possibilidade de levantar aquelas questões não alcançadas pela preclusão.”
(DONOSO, Denis; SERAU JR., Marco- Aurélio. Manual dos Recursos Cíveis – Teoria e Prática, 5ª ed., Juspodivm, 2020, p. 185-186)
Esse dispositivo do CPC possui grande relevância prática nas ações previdenciárias, que são consideradas aquelas em que se tem por objeto do pedido um benefício previdenciário ou assistencial, ou uma revisão de benefício, movidas contra o INSS por um segurado ou beneficiário.
Nos cenários que motivam a propositura de ações previdenciárias é comum encontrarmos situações que configuram força maior e, assim, os segurados ou dependentes se vêm privados de determinada documentação que possa interferir no curso do processo. Uma situação posterior, em que a força maior é superada e a parte passa a ter contato com determinados documentos, ensejará a apresentação destes no bojo do recurso de apelação.
Vislumbramos algumas hipóteses bastante frequentes nesse tipo de demanda em que cabe a aplicação do art. 1.014 do CPC: a) apresentação de contratos de trabalho ou de outras informações laborais relativas a relações de trabalho de décadas passadas, prestadas em empresas muitas vezes extintas ou dissolvidas irregularmente; b) requisitar a oitiva de testemunhas das quais não se tinha contato e este foi obtido agora, para tratar de fatos laborais ou relativos à comprovação de união estável, decorridos décadas atrás; c) situações comprovadas em reclamações trabalhistas, também relativos a tempos de trabalho pretéritos; d) obtenção de LTCAT ou PPP, que comprovam atividade especial, referentes a antigas relações de emprego.
Estas situações que apontamos, que não esgotam o tema, permitem um espaço privilegiado de aplicação do art. 1.014 do CPC, a qual permite uma perspectiva muito interessante de primazia do mérito e de amplo acesso à justiça.