A responsabilidade civil do Estado é tema central do direito contemporâneo. Convém lembrar que a matéria, no Brasil, sempre esteve em boas mãos doutrinárias. No começo do século passado tivemos a obra de Amaro Cavalcanti, publicada em 1904. Depois, em 1944, tivemos o clássico de Aguiar Dias. Há cerca de trinta anos, o livro de Yussef Said Cahali. Mais recentemente temos as reflexões, sofisticadas e consistentes, de Juarez Freitas e dos autores que de certo modo dialogam com suas pesquisas. Além, é claro, das contribuições valiosas de autores variados, brasileiros ou não, que com suas pesquisas fazem o conhecimento acerca da responsabilidade civil do Estado ascender nesse ou naquele ponto.
Não temos no Brasil uma lei que trate do tema com generalidade. A responsabilidade civil do Estado navega, através dos séculos, mais nas águas da jurisprudência (e da doutrina) do que propriamente da lei.. Nesse contexto, Barbosa Moreira lembra que há temas, como a responsabilidade civil do Estado e o abuso de direito, em que os avanços não vieram da lei nem da doutrina, mas da jurisprudência. Talvez não seja exagero afirmar que uma nova responsabilidade civil está sendo criada, talvez seja o momento de sistematizar as diretrizes atuais da matéria, à luz da jurisprudência formada nos últimos anos.
Os problemas (e as soluções) que a responsabilidade civil do Estado enfrenta, hoje, são diferentes daqueles dos séculos anteriores. A velocidade da informação, as novas tecnologias, o perfil plural da sociedade atual, o crescimento da violência urbana, são apenas algumas das novas questões que chegam, diariamente, aos tribunais, e redefinem o contorno do direito dos danos, sobretudo no que diz respeito aos deveres que cabem ao Estado. Cabe lembrar que o tema da responsabilidade civil do Estado se situa atualmente no campo de discussão teórica sobre a tutela dos direitos fundamentais. A teoria dos direitos fundamentais, a força normativa dos princípios (e sua aplicação direta às relações privadas), a funcionalização social dos conceitos e categorias, a priorização das situações existenciais em relação às patrimoniais, a repulsa ao abuso de direito, tudo isso ajuda a construir a teoria da responsabilidade civil do Estado no século XXI.
A responsabilidade civil do Estado é, neste início de século, um tema sedutor e fascinante. Há vastas polêmicas, na doutrina e na jurisprudência, e mesmo o que parece pacífico não é (sem esquecer a advertência de Perelman de que muitas vezes a clareza da norma significa apenas falta de imaginação do intérprete). Chamamos atenção para as ondulações, teóricas e jurisprudenciais, acerca do tema, com exemplos. Há, também, como dissemos, aspectos teóricos relevantes. A quarta fase ou geração na responsabilidade civil do Estado apresenta, segundo cremos, repercussões hermenêuticas consideráveis. O princípio da proteção impõe ao Estado um dever de agir qualificado e proporcional.
Vivemos tempos menos autoritários, na relação entre Estado e cidadãos. Crescem os deveres de fundamentação por parte do Estado. Diminuem os espaços de arbítrio, de abuso de poder. Podemos observar duas características que assinalam a evolução recente da responsabilidade civil do Estado: a) a progressiva ampliação dos danos indenizáveis pelo Estado; b) a progressiva redução dos espaços de omissão estatal legítima.
Em relação ao item a, é fácil perceber que caminhamos no sentido da progressiva ampliação das hipóteses de danos indenizáveis. Não só em relação ao Estado, é uma tendência que se observa em toda a responsabilidade civil. Mais intensa, porém, em relação ao Estado. O que ontem não causava responsabilidade civil do Estado, hoje pode causar. É possível que o futuro contemple, entre as ações ou omissões que responsabilizam o Estado, fatos que atualmente nós não nos atreveríamos a colocar como fatores de responsabilização estatal. Basta comparar a jurisprudência brasileira, na linha do tempo, e se verificará a verdade deste enunciado.
Em relação ao item b – obviamente, os fenômenos a e b estão intimamente relacionados, a separação é apenas didática –, cabe dizer que as sociedades contemporâneas, plurais e complexas, exigem uma redefinição das funções do Estado. Uma nova compreensão acerca dos seus deveres. Essa nova compreensão dos seus deveres leva, inevitavelmente, a uma redução dos espaços em que seria aceitável uma omissão estatal. Ao Estado de hoje não se permitem omissões que no passado talvez se permitissem. Em outras palavras: exige-se cada vez mais do Estado que aja. Não qualquer agir, mas um agir cauteloso, eficaz, proporcional.
É lugar comum dizer que o mundo se transformou imensamente, nos últimos anos. Mas essas mudanças nem sempre se refletem nos livros jurídicos, que continuam (às vezes) a trabalhar com exemplos e modelos de pensamento dos séculos passados. Na responsabilidade civil do Estado, os desafios são novos, os problemas inéditos, e as soluções exigem razoabilidade e contextualização. Os dias em que vivemos – cuja única permanência é a mudança – exigem um intérprete que não se dê por satisfeito com o que aprendeu no passado, que perceba que a realidade de hoje não é aquela de ontem. Aquele senso – dizia Pontes de Miranda – para que o jurista não se apegue, demasiado, às convicções que tem, nem se deixe levar facilmente pela sedução do novo.
O novo não é necessariamente sinônimo de qualidade. O autenticamente novo dialoga com a tradição. Nesse momento histórico em que a sociedade se reinventa, o que se espera de nós é que sejamos capazes de construir, através da interpretação, um direito que incorpore o passado e acompanhe o novo.
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