1. INTRODUÇÃO
Com a globalização da economia, é cada vez mais frequente a flexibilização ou até mesmo a desregulamentação de direitos sociais. Com isso, noções como a progressividade dos direitos sociais – propagada pelos documentos de direitos humanos, – e vedação do retrocesso social são subjugadas pelos Estados, em prejuízo aos trabalhadores.
No caso do Brasil, esta noção não é diferente. O ano de 2017 foi marcado por inúmeras mudanças em âmbito trabalhista, sendo que, uma delas, diz respeito à possibilidade de terceirização irrestrita, ou seja, se anteriormente à Reforma Trabalhista, apenas era permitida a terceirização da atividade-meio da empresa, o que recebia regulamentação dada pela Súmula nº 331 do TST, com o advento da Lei nº 13.467/2017 foi expandida para a atividade-fim da empresa, o que pode representar um aumento da precarização do trabalho.
Tendo em vista o cenário apontado, o estudo pretende analisar a compatibilidade das alterações trazidas pela Lei nº 13.467/2017 (Reforma Trabalhista) com as Convenções da Organização internacional do Trabalho (OiT).
Para isso, utiliza-se da investigação dogmática, que tem como base de investigação a legislação e a jurisprudência, por meio do estudo bibliográfico – doutrinas, artigos científicos – e dogmático – legislação nacional e internacional e do método dedutivo.
Assim, passa-se do estudo do âmbito normativo internacional para o nacional, com posterior consideração acerca do conflito entre as normas estudadas, em especial aquelas afetadas pela Reforma Trabalhista. Após a análise, propõe-se a aplicação do princípio pro homine para a resolução de antinomias, haja vista o critério se mostrar o mais adequado do ponto de vista dos direitos humanos.
Espera-se, dessa forma, aplicar a noção de progressividade e do princípio da vedação do retrocesso social ao campo do Direito do Trabalho, mais especificamente no que toca à terceirização da mão de obra.
1. DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO E ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO
A noção de Direito internacional do Trabalho é recente. Apesar da ideia ter surgido no século XIX, foi apenas no século XX que referida internacionalização deixou de ser utopia, podendo-se citar, como prova disso, a conclusão do tratado de trabalho e a incorporação das normas constitucionais do trabalho no Tratado de Versalhes, em 26 de junho de 1919, quando foi criada a OiT (SÜSSEKiND, 2000, p. 81-93).
O desenvolvimento do Direito internacional do Trabalho, nesse sentido, possibilitou o surgimento de diretrizes universais sobre direitos trabalhistas, as quais seriam responsáveis por evitar ou diminuir a concorrência desleal entre países. Isso porque, com a globalização e a possibilidade de transferência do capital a locais diversos, além das grandes divergências encontradas nas legislações ao redor de todo o mundo, há uma preocupação em se evitar a sonegação de direitos trabalhistas e consequentes violações de direitos sociais por parte dos Estados.
A OiT, por sua vez, foi instituída pelo Tratado de Versalhes, na Parte Xiii, no ano de 1919, sendo que, no mesmo ano, em Washington, foi realizada a 1ª Conferência internacional do Trabalho, quando foi criada a OiT como órgão da Liga das Nações. Tal Organização pertence ao quadro da ONu, sendo, nos termos do art. 57 da Carta das Nações unidas, um organismo especializado e, portanto, gozando de autonomia.
Nesse sentido, referida organização teria como um de seus objetivos a edição de diretrizes gerais sobre Direito do Trabalho, de forma a conferir direitos mínimos aos trabalhadores que se encontrem em qualquer lugar do globo, as quais serão a seguir estudadas.
1.1. Das diretrizes da Organização Internacional do Trabalho
Dentre as diretrizes da Organização internacional do Trabalho (OiT) que mostram correlação com a ideia de terceirização, assim como com alguns aspectos trazidos pela nova lei brasileira (Lei nº 13.467/2017), podem-se citar:
- Constituição da Organização internacional do Trabalho e seu Anexo (Declaração de Filadélfia), que estabelece, dentre outros, o princípio de que o trabalho não é mercadoria (OiT, 1944).
- Constituição da Organização internacional do Trabalho e seu Anexo (Declaração de Filadélfia) que afirma, em seu preâmbulo a urgência de melhoria de condições de trabalho no que tange, por exemplo, à garantia de um salário que assegure condições de existência convenientes, proteção contra moléstias profissionais e à afirmação do princípio “para igual trabalho, mesmo salário” (OIT, 1944).
- Convenção nº 111 da OiT, promulgada pelo Brasil por meio do Decreto nº 62.150/1968, sobre discriminação em matéria de emprego e ocupação, que considera discriminação a distinção, exclusão ou preferência que destrua ou altere a igualdade de tratamento ou oportunidades em matéria de emprego e ocupação (BRASiL, 1968).
- Convenção nº 154 da OiT, promulgada pelo Brasil, pelo Decreto nº 1.256/94, sobre incentivo à negociação coletiva (BRASiL, 1994).
importa destacar que as convenções da OiT, as quais versam sobre direitos sociais, são consideradas normas de direitos humanos, o que lhes confere, segundo entendimento do Supremo Tribunal Federal, status de norma supralegal.
Note-se, nesse sentido, que há, em âmbito internacional, convenções que impõe ao Estado a necessidade de seu cumprimento, haja vista sua ratificação, sendo a Constituição da OiT de cumprimento obrigatório pelos Estados-membros da organização. Ocorre que as novas legislações brasileiras editadas no ano de 2017 descumprem referidos standards mínimos, conforme será a seguir demonstrado.
3. TERCEIRIZAÇÃO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
A terceirização se trata de relação triangular, em que se “dissocia a relação econômica de trabalho da relação justrabalhista que lhe seria correspondente”. Em razão disso, o vínculo de emprego é formado entre o terceirizado e a empresa prestadora de serviços, sendo o serviço prestado na empresa contratante (DELGADO, 2016, p. 487).
Perceba-se, dessa forma, que a terceirização nada mais é do que a transferência de um serviço ou atividade da empresa, que concede, a outra empresa, o serviço em questão, o qual será prestado pelos empregados contratados por esta última.
A terceirização passa a ganhar destaque com a crise do sistema fordista na década de 1970. A emergência do toyotismo permitiu uma maior produtividade, com a contratação de um menor número de empregados, graças ao processo de subcontratação de atividades especializadas. Dessa forma, a terceirização surge como forma de reformulação das estratégias de operação das empresas, voltada à otimização da produtividade e da eficiência no uso de recursos produtivos (POCHMANN, 2011, p. 11).
Seguindo a tendência mundial, de acordo com Araújo e Apolinário (2015, p. 79), a terceirização no Brasil tem maior relevância a partir da década de 1990, em razão da estabilização da moeda, abertura econômica e imposição de flexibilização da economia pelo mercado internacional.
Até o ano de 2017, entretanto, não havia regulamentação legal – de forma ampla – sobre o tema no Brasil, que era tratado, inicialmente, pela Súmula nº 256 do TST, de 1986, que vedava a terceirização, salvo nos casos de trabalho temporário e serviço de vigilância. Este entendimento veio a ser revisto nos anos de 1993 e 2000 pela Súmula nº 331 do TST, que, no ano de 2000, acresceu o inciso iV à referida Súmula, para prever a responsabilidade subsidiária da Administração Pública no tocante às verbas trabalhistas (BiAVASCHi; DROPPA, 2011, p. 130-139).
Antes disso, já havia leis voltadas a atividades específicas que permitiam a terceirização, como, por exemplo, o Decreto nº 200/1967, que autorizava a contratação de serviços executivos no setor público e a Lei nº 7.201/83, que tratava sobre a terceirização nas atividades bancárias (CARLEIAL, 2012, p. 09).
Desse modo, a terceirização surge com objetivo de minimizar o desemprego, fortalecendo a flexibilização das relações de trabalho. Apesar disso, houve o crescimento de ações judiciais, assim como de acidentes envolvendo trabalhador terceirizado (ARAúJO; APOLiNáRiO, 2015, p. 80).
Assim, apontando a visão do patronato, Araújo e Apolinário (2015,
- 83-84) destacam a necessidade de divisão do trabalho e especialização, assim como a relevância de se aumentar a eficiência da empresa, sendo importante para a sustentabilidade desta. Nesse sentido, não seria plausível a divisão entre atividade-meio e atividade-fim. Krein (2017,
- 154) citado por Marcelino (2007, p. 65) afirma que os custos da empresa contratante se reduzem consideravelmente com a terceirização, chegando a uma economia de 60%, caso se considerarem as contribuições sociais e encargos trabalhista.
Quanto à visão da academia, Araújo e Apolinário (2015, p. 84-85) apontam a terceirização como forma de exploração dentro do capitalismo e flexibilização do mercado de trabalho, que traz como consequências o aprofundamento das diferenças sociais e precarização do trabalho, com elevada rotatividade, baixa remuneração e longa jornada de trabalho.
Além disso, apontam-se a ausência de vinculação ao sindicato da contratante, o que acaba por pulverizar a organização dos trabalhadores e a discriminação entre terceirizado e o empregado da contratante (ARAúJO; APOLiNáRiO, 2015, p. 89-90).
Nesse sentido, pode-se afirmar que as opiniões quanto ao tema “terceirização” divergem quanto ao formulador da teoria: quando se trata do patronato, a terceirização tende a ser vista como meio de otimização da produção. Por sua vez, do ponto de vista da academia, a terceirização é vista como forma de precarização do trabalho.
Apesar do dissenso apontado, o que se nota é que o trabalhador deixa de figurar como parte da relação contratual, passando a ser objeto de negociação comercial – entre empresa contratante e prestadora de serviços, assim como fonte de lucro da empresa prestadora de serviços:
O que se percebe, então, é a inclusão do trabalhador como mercadoria na cadeia produtiva da sociedade do trabalho. O lucro da empresa “prestadora de serviços” não estará na fabricação de um bem, no fornecimento de um serviço especializado ou na elaboração de trabalho intelectual qualificado. A empresa lucrará com a força de trabalho “alugada” a um tomador, o que implica concluir: o homem perde a perspectiva da centralidade do trabalho (PAiXãO, 2006, p. 08).
Se já era possível chegar à conclusão citada no ano de 2006, com as mudanças promovidas na Lei nº 6.019/74, torna-se mais incisiva, conforme será a seguir exposto.
3.1. Lei nº 6.019/74 e alterações no ano de 2017: Lei nº 13.429/2017 e Reforma Trabalhista
Conforme já dito, o ano de 2017 foi um marco na alteração de diversos pontos da legislação trabalhista brasileira como um todo. Antes de 2017, o tema era regulamentado pela Súmula nº 331 do TST, que trazia os requisitos para a terceirização: i) atividades-meio ou atividade secundária da empresa e ii) ausência de pessoalidade e subordinação entre trabalhador e tomadora.
Em 31/03/2017 foi promulgada a Lei nº 13.429/2017, que não restringiu os serviços passíveis de terceirização à atividade-meio da empresa, como fazia a Súmula nº 331 do TST. Nesse sentido, com a abertura dada pela lei em questão, a Reforma Trabalhista (Lei nº 13.467/2017), passou a prever, de forma expressa, a transferência da execução de quaisquer atividades, inclusive a atividade principal da empresa, pondo fim à discussão envolvendo o que seria atividade-meio da empresa e da omissão da anterior Lei nº 13.429/2017:
Art. 4º-A da Lei nº 6.019/74 (redação dada pela Lei nº 13.467/2017): Considera-se prestação de serviços a terceiros a transferência feita pela contratante da execução de quaisquer de suas atividades, inclusive sua atividade principal, à pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviços que possua capacidade econômica compatível com a sua execução (BRASiL, 1974).
Art. 5º-A da Lei nº 6.019/74 (redação dada pela Lei nº 13.467/2017): Contratante é a pessoa física ou jurídica que celebra contrato com empresa de prestação de serviços relacionados a quaisquer de suas atividades, inclusive sua atividade principal.
Com isso, os requisitos para a configuração da terceirização lícita, antes regidos pela Lei nº 13.467/2017, foram alterados com a nova legislação.
3.1.1. Requisitos para a terceirização lícita
Anteriormente das modificações trazidas pela Reforma Trabalhista, os requisitos para a configuração da terceirização lícita eram: (i) serviços prestados pelos terceiros deveriam estar relacionados à atividade meio da empresa; (ii) ausência de subordinação entre contratante e trabalhador. O primeiro requisito citado deixa de existir com o advento da Lei nº 13.467/2017, que inclui a exigência de que a empresa prestadora tenha capacidade econômica compatível com a execução da atividade, sendo o inadimplemento contratual suficiente para comprovação da ausência da capacidade econômica.
A inexistência deste requisito, qual seja, a capacidade econômica da empresa prestadora, com o consequente inadimplemento contratual, faz gerar um vínculo direto com a empresa contratante, configurando, por consequência, a terceirização ilícita.
Ainda, diante da subordinação entre contratante e trabalhador e da ausência de capacidade econômica, ficará presente a fraude na terceirização, com aplicação do art. 9º da CLT, e da responsabilidade solidária entre as empresas, no sentido do Enunciado nº 8 da Comissão nº 6 da ANAMATRA (ANAMATRA, 2017).
3.1.2. Quarteirização
Cabe destacar, ainda, a possibilidade, antes inexistente, de subcontratação da pela empresa prestadora de serviços, o que configuraria a “terceirização em cascata” ou “quarteirização”, que nada mais é do que a transferência de serviços da empresa terceirizada para outra empresa:
Art. 4º-A, § 1º da Lei nº 6.019/1974 (Acrescentado pela Lei nº 13.429/2017): A empresa prestadora de serviços contrata, remunera e dirige o trabalho realizado por seus trabalhadores, ou subcontrata outras empresas para realização desses serviços.
Sobre este tema, Marcelino (2007, p. 64) aponta que, se o objetivo da terceirização é reduzir os custos, isso ocorre ainda mais com a quarteirização, trazendo consequências na precarização de suas condições de utilização e remuneração, em prejuízo aos trabalhadores.
3.1.3. Condições de trabalho do terceirizado
Outro ponto de destaque das alterações ocorridas, diz respeito à inclusão do art. 4º-C à Lei nº 6.019/74, pela Lei nº 13.467/2017 e do art. 5º-A, §3ª da Lei nº 6.019/74, pela Lei nº 13.429/17, que elencam as condições asseguradas aos trabalhadores terceirizados, que devem, obrigatoriamente, ser concedidas pela contratante, além de estabelecer a faculdade de contratante e prestadora estabelecerem igualdade salarial e outros direitos que não foram elencados na Lei nº 6.019/74, de forma a contrariar o princípio da isonomia salarial e a Orientação Jurisprudencial nº 383, da Subseção i de Dissídios individuais do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que, provavelmente, passará por alterações:
Art. 4º-C da Lei nº 6.019/1974 (acrescentado pela Lei nº 13.467/2017): São asseguradas aos empregados da empresa prestadora de serviços a que se refere o art. 4º-A desta Lei, quando e enquanto os serviços, que podem ser de qualquer uma das atividades da contratante, forem executados nas dependências da tomadora, as mesmas condições:
I relativas a:
- alimentação garantida aos empregados da contratante, quando oferecida em refeitórios;
- direito de utilizar os serviços de transporte;
- atendimento médico ou ambulatorial existente nas dependências da contratante ou local por ela designado;
- treinamento adequado, fornecido pela contratada, quando a atividade o
II sanitárias, de medidas de proteção à saúde e de segurança no trabalho e de instalações adequadas à prestação do serviço.
- 1º Contratante e contratada poderão estabelecer, se assim entenderem, que os empregados da contratada farão jus a salário equivalente ao pago aos empregados da contratante, além de outros direitos não previstos neste artigo.
- 2º Nos contratos que impliquem mobilização de empregados da contratada em número igual ou superior a 20% (vinte por cento) dos empregados da contratante, esta poderá disponibilizar aos empregados da contratada os serviços de alimentação e atendimento ambulatorial em outros locais apropriados e com igual padrão de atendimento, com vistas a manter o pleno funcionamento dos serviços existentes.
Art. 5º-A, § 3º da Lei nº 6.019/1974 (Acrescentado pela Lei nº 13.429/2017): É responsabilidade da contratante garantir as condições de segurança, higiene e salubridade dos trabalhadores, quando o trabalho for realizado em suas dependências ou local previamente convencionado em contrato (BRASiL, 2017).
importa destacar que quanto ao trabalhador temporário, é assegurada a percepção de remuneração equivalente à percebida pelos empregados de mesma categoria da tomadora, o que não sofreu alterações com a Lei nº 13.429/2017 nem com a Lei nº 13.467/2017.
Apesar da discriminação quanto ao salário, tanto a Lei nº 13.429/17 como a Lei nº 13.467/17 representam um avanço ao proporcionar igualdade de condições de saúde, segurança e higiene, assim como alimentação, atendimento médico ambulatorial e direito de utilizar transportes, quando o serviço for executado na sede da tomadora.
Ressalta-se que o art. 4º-C, §§1º e 2º da Lei nº 6.019/74 foram objeto do Enunciado nº 7 da Comissão nº 6 ANAMATRA, que destaca que o artigo em questão viola o princípio da igualdade e dignidade da pessoa humana, ao conferir tratamento não isonômico aos terceirizados (ANAMATRA, 2017).
3.1.4. Período de quarentena
Como tentativa de se evitarem fraudes trabalhistas, estipulou-se, outrossim, um período de quarentena para que o empregado figure como sócio ou titular da empresa contratada. Assim, caso o empregado ou trabalhador autônomo seja dispensado pela empresa contratante, só poderá figurar como sócio ou titular após decorridos 18 meses do fim da prestação de serviços, à exceção do aposentado, o qual foi ressalvado do período em questão:
Art. 5º-C da CLT (com redação dada pela Reforma Trabalhista): Não pode figurar como contratada, nos termos do art. 4º-A desta Lei, a pessoa jurídica cujos titulares ou sócios tenham, nos últimos dezoito meses, prestado serviços à contratante na qualidade de empregado ou trabalhador sem vínculo empregatício, exceto se os referidos titulares ou sócios forem aposentados (BRASiL, 2017).
Além disso, houve expressa previsão no sentido de que o empregado dispensado não poderá figurar como terceirizado durante o prazo de 18 meses, período que não foi estendido ao trabalhador autônomo:
Art. 5º-D da Lei nº 6.019/74 (com redação dada pela Reforma Trabalhista): O empregado que for demitido não poderá prestar serviços para esta mesma empresa na qualidade de empregado de empresa prestadora de serviços antes do decurso de prazo de dezoito meses, contados a partir da demissão do empregado (BRASiL, 2017).
Perceba-se que o art. 5º-D acima citado se utiliza, de forma não técnica, da expressão “demitido”, devendo-se compreender o termo em seu sentido lato, para compreender todo tipo de rescisão contratual.
Ante o exposto, passa-se a analisar as diretrizes internacionais apontadas em conjunto com as modificações trazidas pela Reforma Trabalhista.
4. DIRETRIZES DA OIT E REFORMA TRABALHISTA
Ante o apontado nos itens 1.1 e 2.1, pode-se notar que há divergência entre as diretrizes da OIT e os dispositivos inseridos pela Reforma Trabalhista, pela Lei nº 13.467/2017.
Segundo entendimento adotado no artigo, não seria cabível a ampliação irrestrita da terceirização, de forma a se aplicar às atividades principais da empresa, haja vista estabelecer a mercantilização de mão de obra, em afronta ao que estabelece a Declaração de Filadélfia no sentido de que o trabalho não é mercadoria.
Além disso, se a terceirização da atividade-meio, por si só, é encarada como hipótese de precarização do trabalho, já que tem como uma de suas principais características, a redução do salário, assim como o aumento de acidentes de trabalho, a quarteirização e a possibilidade de terceirização da atividade principal da empresa não se conformam com a previsão da Constituição da OIT no sentido de que os países devem buscar melhores condições de trabalho, com garantia de um salário que assegure condições de existência e proteção contra moléstias profissionais, inobstante, nesse último caso, a previsão legal no sentido de que a contratante deve promover medidas de proteção à saúde e segurança no trabalho a estes trabalhadores (art. 4º-C, ii da Lei nº 6.019/74).
Por sua vez, a previsão do art. 4º-C da Lei nº 6.019/74, no sentido de que algumas condições de trabalho devam ser garantidas aos terceirizados vai contra o que dispõe a Convenção nº 111 da OiT, no sentido da impossibilidade de discriminação no emprego e ocupação. Apesar disso, a disposição contida no art. 5º-A, §3º da Lei nº 6.019/74, assegura ao trabalhador as condições de saúde, segurança e higiene, o que vai ao encontro do estabelecido na Convenção em questão.
Ainda, a previsão no sentido de que contratada e contratante poderão estabelecer a igualdade de salário entre terceirizado e empregados da contratante, assim como outros direitos não previstos no art. 4º-C da Lei nº 6.019/74, opõe-se à Convenção nº 111 da OiT, sobre discriminação no emprego e ocupação, além de contrastar com o exposto na Constituição da OIT, no sentido de se garantir mesmo salário para igual trabalho.
Apontada como uma das consequências da terceirização, a pulverização da organização dos trabalhadores contraria a Convenção nº 154 da OiT, que prevê o estímulo das negociações coletivas.
Deve-se destacar, outrossim, que as alterações trazidas pela Reforma Trabalhista, aqui estudadas, vão de encontro com a noção de trabalho decente adotada pela OiT, sendo este aqui compreendido como “trabalho produtivo e adequadamente remunerado, exercido em condições de liberdade, equidade, e segurança, sem quaisquer formas de discriminação, e capaz de garantir uma vida digna a todas as pessoas que vivem de seu trabalho” (DRuCK, 2011, p. 46).
Por fim, haja vista as incompatibilidades apontadas, deve-se primar pela aplicação da norma que seja mais favorável ao trabalhador, conforme será visto a seguir.
4.1. Solução de antinomias e aplicação do princípio pro homine
Diante da existência de inúmeros instrumentos normativos em vigor no país, sejam eles de âmbito nacional ou internacional, podem surgir conflitos normativos, que deverão ser resolvidos por critérios interpretativos específicos, já que é consenso entre os operadores do direito “que as antinomias são indesejáveis e impedem a efetiva realização da justiça”. (MAZZuOLi, 2010, p. 36).
Para que ocorram antinomias, nas palavras de Mazzuoli (2010, p. 59), deve haver contradição entre duas normas no mesmo âmbito normativo – ou seja, as normas são jurídicas, não devendo ser emanadas de ordens jurídicas idênticas – e o intérprete não sabe, diante delas, qual aplicar ao caso concreto.
Dessa maneira, levando em consideração o fato de que os tratados da OiT são considerados tratados de direitos humanos7 conflito entre o direito interno e o Direito Internacional dos Direitos Humanos é solucionado de forma distinta da que ocorre com os tratados internacionais que não versem sobre direitos humanos, segundo, por exemplo, ensinamentos de Mazzuoli (2010), Trindade (1998) e Piovesan (2010) (ZAPOLLA, 2017, p. 136).
A solução de antinomias, de acordo com Mazzuoli (2010, p. 28), dar-se-ia por “novos métodos de solução de antinomias”, aplicando-se, para tanto, o princípio pro homine.
Referido princípio, além de reconhecido pela doutrina, tem sua operacionalidade reafirmada em diversas diretrizes internacionais, as quais contêm vasos comunicantes ou cláusulas de comunicação em seu texto. Tais cláusulas de comunicação, de acordo com Mazzuoli (2010,
- 116) consubstanciam em “cláusulas de diálogo”, as quais “interligam os tratados entre si e com as normas internas de proteção dos direitos fundamentais”.
Como exemplos, podem-se citar o art. 31, §1º da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, de 1969, segundo o qual um tratado “deve ser interpretado de boa-fé segundo o sentido comum atribuível aos termos do tratado em seu contexto e à luz de seu objetivo e finalidade” (BRASiL, 2009). O art. nº 29, “b” da Convenção Americana de Direitos Humanos, que dispõe sobre normas de interpretação, também estabelece que nenhuma disposição nela elencada poderá “limitar o gozo e exercício de qualquer direito ou liberdade que possam ser reconhecidos de acordo com as leis de qualquer dos Estados Partes ou de acordo com outra convenção em que seja parte um dos referidos Estados” (BRASiL, 1992).
O princípio pro homine, nesse sentido, consistiria em se aplicar, ao caso concreto, a norma que melhor tutelasse o ser humano. Sobre referido princípio, vale destacar os ensinamentos de Mazzuoli (2010, p. 107):
O princípio pro homine, em outras palavras, garante ao ser humano a aplicação da norma que, no caso concreto, melhor o proteja, levando em conta a força expansiva dos direitos humanos, o respeito do conteúdo essencial desses direitos e a ponderação de bens, valores e interesses. Nessa ordem de ideias, faz-se necessário interpretar as normas domésticas de proteção com aquelas previstas em tratados e declarações internacionais de direitos humanos, bem assim com a jurisprudência dos organismos supraestatais de proteção desses direitos, em especial (no caso do Brasil e dos demais países do continente) a da Corte interamericana de Direitos Humanos.
Nesse sentido, em caso de conflito entre a lei brasileira e as convenções da OiT citadas, deve ser aplicada aquela que seja mais favorável àquele que teve um direito violado, no caso, o trabalhador. isso é inegável, ademais, em razão do status supralegal das diretrizes da OIT, as quais, conforme já salientado, são consideradas como normas de direitos humanos.
Some-se a isso a existência de outros princípios a serem aplicados aos direitos de ordem social, dentre os quais os princípios da progressividade e da vedação ao retrocesso social. Com a utilização desses princípios, não se quer evitar a ocorrência de mudanças legislativas, mas sim que estas mudanças se deem de forma a preservarem parâmetros mínimos de proteção ao trabalhador.
O princípio da progressividade, por exemplo, vem exposto no: (i) art. 2º, 1 do Pacto internacional de Direitos Sociais, Econômicos e Sociais, ratificado pelo Brasil, que é claro ao dispor acerca da progressividade dos direitos sociais; (ii) art. 26 do Pacto São José da Costa Rica, que prevê que os Estados devem adotar providências para, de forma progressiva, dar plena efetividade aos direitos que decorram de normas sociais.
No mesmo sentido, a vedação ao retrocesso social – que se relaciona, diretamente, com a progressividade dos direitos sociais – indica que o Estado deve se abster de atentar contra um direito, o que não significa, por sua vez, a sua imutabilidade, mas sim que as mudanças devem estar atreladas à manutenção de um mínimo essencial (CENCi; TESTA, 2015, p. 172-175).
Nesses termos, a vedação ao retrocesso, princípio implícito na Constituição Federal brasileira, pode ser entendida como a possibilidade de se invalidar a revogação de normas que não venham acompanhadas de uma política substitutiva equivalente (BÜHRiNG, 2015, P. 61). Seu conteúdo impeditivo busca brecar planos políticos que enfraqueçam os direitos fundamentais, servindo como forma de mensuração para o controle de constitucionalidade em abstrato (ALMEiDA, 2006 apud BÜHRiNG, 2015, p. 64).
No caso das alterações promovidas na legislação trabalhista, no âmbito da terceirização, segundo Martins Filho (2012, p. 9), “o critério da distinção por atividade-fim ou atividade-meio continua sendo adequado”, de forma que sua ampliação pode levar a uma maior precarização do trabalho, com menores salários e pulverização de sindicatos, o que vai contra o princípio da progressividade e da vedação ao retrocesso social.
Por fim, entende-se que em casos de conflito entre norma interna e internacional, não caberia a aplicação da teoria do conglobamento, sendo mais adequado optar-se pela teoria da acumulação – que, no caso, vai ao encontro do que propõe o princípio pro homine -, tendo em vista se tratar de comparação entre diplomas de origens diversas, não havendo risco de se fracionar o ordenamento jurídico nacional (MOuRA, 2018,
- 191). Além disso, a norma internacional traz diretrizes gerais sobre o tema, as quais devem ser observadas pelo no momento de elaboração e aplicação da norma, sob pena de perder sua razão de ser.
5. CONCLUSÃO
Ante o exposto, pode-se notar que o Direito Internacional do Trabalho, assim como a Organização internacional do Trabalho são criações recentes, sendo este organismo um dos responsáveis pela edição de diretrizes para a garantia de standards mínimos de proteção aos trabalhadores.
Como exemplo dessas diretrizes, foram estudadas aquelas que se relacionam, de alguma forma, com as novas disposições legais trazidas pela Reforma Trabalhista brasileira (Lei nº 13.467/2017), quais sejam: Constituição da OiT e Declaração de Filadélfia e Convenções nº 111 e 154 da OIT.
Após isto, foi estudada a terceirização no ordenamento jurídico brasileiro, passando-se à análise das inovações legais trazidas pela Reforma Trabalhista à Lei nº 6.019/2017, as quais, de forma geral, foram consideradas prejudiciais aos trabalhadores.
Passou-se, então para uma análise entre as diretrizes internacionais e os dispositivos inseridos à Lei nº 6.019/74, o que permitiu concluir pela incompatibilidade entre dispositivos que foram inseridos pela Reforma Trabalhista, como é o caso da faculdade de contratante e contratada estabelecerem igualdade de salário em relação a terceirizado e empregado da contratada. Apesar disso, foram destacados alguns avanços trazidos pela Lei nº 13.467/2017, como é o caso da obrigatoriedade em se garantirem medidas de proteção à saúde e segurança no trabalho do terceirizado.
Diante da existência de vários dispositivos legais e internacionais e se levando em conta o fato de que as diretrizes da OIT são consideradas normas de direitos humanos, entendeu-se que a solução de antinomias deve se dar pela aplicação do princípio pro homine, com aplicação da norma que seja mais benéfica àquele que teve seu direito violado.
Por fim, destacou-se a existência de outros princípios que devem ser aplicados quando da interpretação dos direitos sociais, quais sejam:
princípio da vedação ao retrocesso social e da progressividade, os quais não foram observados pelo legislador na elaboração da Reforma Trabalhista.
Em suma, diante da incompatibilidade entre as diretrizes internacionais e o ordenamento jurídico brasileiro, cumprirá aos seus aplicadores e intérpretes a utilização de ferramentas que tutelem o trabalhador, de forma que seus direitos sejam de fato assegurados, de forma progressiva.
6. BIBLIOGRAFIA
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