No ano de 2019, estima-se que mais de cinco trilhões de reais eram discutidos no âmbito do contencioso tributário brasileiro, correspondendo a 75% do Produto Interno Bruto (PIB). Trata-se de um número assustador, até porque, o índice de recuperabilidade dos créditos tributários corresponde a 1% (um por cento), gerando um custo ao Judiciário de cerca de 85 (oitenta e cinco) bilhões de reais.
Além da ineficiência do Fisco quanto à arrecadação tributária, conforme é constatado por meio dos números acima, a insegurança jurídica, além da delonga das decisões jurídicas, muitas vezes confusas, acabam por gerar incertezas e a afastar investimentos no Brasil.
Em um momento que muito se preocupa com uma possível “Reforma Tributária”, em um ambiente de crise econômica, faz-se necessário que uma discussão acerca da adoção de novas formas de resolução de conflitos, as quais sejam implementadas no Brasil, principalmente a arbitragem tributária, assim como ocorreu em Portugal após o país europeu ter mergulhado em uma profunda crise em 2008.
No ambiente internacional, a arbitragem tributária ganhou espaço a partir da Convenção Modelo da OCDE, ainda que esse instrumento preveja o instituto arbitral de forma tímida, no parágrafo 5º do art. 25.
Anterior a arbitragem é o procedimento amigável, também previsto no mesmo dispositivo em destaque, da Convenção Modelo da OCDE, técnica empregada para solução de conflitos envolvendo a dupla tributação, algo muito comum quando a referência é um conflito entre o Brasil, atuando no papel de Estado da fonte do rendimento, e o Estado do domicílio do prestador do serviço.
Muitos já foram os embates quanto à aplicação do art. 7º ou do art. 21, da Convenção Modelo da OCDE, e a qualificação dos serviços técnicos que não envolvam a transferência de tecnologia. Enquanto as autoridades brasileiras interpretam pela aplicação do art. 21, isto é, no caso em tela, os rendimentos são tributáveis no país da fonte do rendimento, para os demais Estados, incluindo a doutrina mais especializada[1], a tributação deveria ocorrer no Estado de domicílio do prestador.
A situação relatada ganhou relevância quando a Alemanha denunciou o acordo firmado com o Brasil, em 2005, além do conflito gerado com a Espanha, levando o impasse a uma resolução por meio do Ato Declaratório Interpretativo SRF n. 4, de 17 de março de 2006, após tratativas entre os dois países.
Embora previsto na Convenção Modelo da OCDE, assim como nos acordos de dupla tributação firmados pelo Brasil, essa técnica não é totalmente aceita pelas autoridades brasileiras, cujos fundamentos pela rejeição também são aplicáveis ao instituto da arbitragem tributária internacional.
O procedimento amigável, previsto na Convenção Modelo da OCDE, possui como objetivo a resolução de conflitos ocasionados pela má interpretação ou mau cumprimento de acordo contra a dupla tributação, consistindo em uma negociação entre os Estados Contratantes, não havendo necessidade do esgotamento dos procedimentos administrativos ou judiciais internos, até porque, também pode ser instaurando antes mesmo do surgimento de um conflito. Embora possa ser instaurado a partir da provocação do contribuinte ao Estado em que é residente ou nacional, não é admissível a sua participação, devendo aguardar o desfecho.
No caso de já vislumbrada a situação ensejadora da dupla tributação, o procedimento deve ser proposto em até três anos a partir de sua notificação, não havendo uma obrigação das partes de chegarem a um consenso.
Diante das tentativas, muitas vezes frustradas, de resolução de conflito de dupla tributação por meio do procedimento amigável, no ano de 2008, o então parágrafo 5º foi inserido ao art. 25, da Convenção Modelo da OCDE, prevendo, portanto, a arbitragem tributária, funcionando de forma subsidiária ao primeiro mecanismo de solução de conflitos.
A arbitragem poderá ser acionada após decorridos dois anos da apresentação ao caso à autoridade competente do outro Estado contratante, cabendo ao contribuinte, frustrado com o desfecho do procedimento amigável, recorrer ao seu Estado de residência ou nacionalidade. Logo, igualmente ao que ocorre no procedimento amigável, o contribuinte lesado não possui legitimidade subjetiva, uma vez que a instauração do procedimento arbitral caberá ao Estado que receber sua reclamação. Apesar a semelhança com o procedimento amigável, na arbitragem, além do contribuinte poder apresentar por escrito a sua posição, também poderá apresentar sustentação oral, desde que essa condição fosse concedida pelos árbitros.
Poucos são os acordos de dupla tributação que adotam o instituto da arbitragem tributária. O mais emblemático é o firmado entre a Alemanha e os Estados Unidos, em 2006. No âmbito europeu, destaca-se a Convenção de Arbitragem da União Europeia, prevendo, obrigatoriamente, a instauração do instituto arbitral quando os Estados membros não chegarem a um consenso quanto à dupla tributação em um lapso temporal de dois anos.
Em relação ao Brasil, conforme já mencionado, o instituto da arbitragem tributária encontra resistência entre as autoridades competentes, assim como o procedimento amigável. O que se alega é que tais mecanismos de resolução de conflitos não teriam respaldo na legislação brasileira, em decorrência do princípio da legalidade tributária.
Pela interpretação dada ao princípio previsto no art. 150, I, da Constituição Federal de 1988, a autoridade tributária brasileira não poderia renunciar à competência tributária, por meio de um procedimento amigável com outro Estado ou da arbitragem, ainda que devido à má interpretação do acordo firmado entre as partes. Em decorrência dessa lógica, há a questão quanto a irrenunciabilidade do crédito tributário, previsto no art. 3º, do Código Tributário Nacional (CTN)[2], dispositivo que prevê que o tributo consiste em uma prestação pecuniária compulsória, instituída por lei e cobrada mediante uma atividade administrativa vinculada e obrigatória, não havendo discricionariedade quanto à cobrança senão a prevista em lei, sob pena de responsabilidade funcional, não podendo a autoridade competente abrir mão desse direito. Desta feita, o argumento preponderante é quanto à indisponibilidade do crédito tributário.
Ocorre que a indisponibilidade do crédito tributário não é absoluta. Segundo ensina o Professor Luís Eduardo Schoueri[3], havendo lei permissiva quanto à arbitragem, esta norma será válida. Até porque, o próprio Código Tributário Nacional (CTN) dispõe sobre situações que levarão à disponibilidade do crédito tributário, como no caso, a remissão e a transação tributária.
Ora, se o próprio CTN prevê a possibilidade de disponibilidade do crédito tributário, por que não seria possível a adoção de meios alternativos de solução de controvérsias tributárias, como a arbitragem? E, não há qualquer vedação, por parte da Constituição Federal de 1988, da instauração da arbitragem em matéria tributária. Nos ensinamentos do Professor Heleno Taveira Torres[4], as atividades descritas no art. 3º, do CTN, quanto à arrecadação, fiscalização e lançamento do crédito tributário, essas sim são indisponíveis, cabendo à Administração Pública, em decorrência da competência tributária, algo que não é vislumbrado quanto ao crédito tributário.
Ademais, a adoção da arbitragem tributária, desde que respeitados os princípios vigentes na Administração Pública, atende ao interesse público primário, uma vez que, assim como a transação, pressupõe uma maior performance quanto à recuperabilidade de créditos tributários.
Também, interessante destacar que a Administração Pública será o sujeito que continuará a exigir o crédito tributário, não renunciando à jurisdição estatal, mas apenas, opta por um meio alternativo que seja mais capaz de solucionar um conflito e de forma mais sadia e mais técnica. Isso significa que, ao adotar a arbitragem como meio de resolução do conflito, a Administração Pública não estará dispensando a arrecadação de receita pública, como ocorre quando da viabilização do REFIS.
Outro ponto envolvendo o tema é quanto à reserva do Judiciário, digno de discussão, quanto a adoção da cláusula arbitral. Em relação ao compromisso arbitral não há grandes críticas, uma vez que pressupõe uma renúncia após a instauração do litígio, isto é, são as partes que afastam o caso concreto da apreciação do Poder Judiciário, por expressa vontade, não a lei. Diferentemente da cláusula arbitral, a qual implica na renúncia antes mesmo do litígio ser instaurado.
Ainda sobre a inafastabilidade do Poder Judiciário, conforme previsto no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal de 1988, entende-se que se trata de uma garantia do indivíduo e não do Estado. Acaso o contribuinte, por sua vontade, abre mão da decisão no Judiciário, seu direito fundamental não foi ferido, pois este pressupõe o direito de ir ou de não ir, conforme estampado no dispositivo constitucional. Seu livre arbítrio não é ilegal, uma vez que decorre da sua própria vontade. O que a Constituição Federal de 1988 veda é o impedimento por meio de lei. Quanto à Administração Pública, não há o que se falar, pois não se trata de um direito do Estado, mas sim, uma garantia do cidadão.
E, mesmo que instaurada a arbitragem, esta não estará afastada o controle de legalidade, até porque, caberá ao legislador descrever as situações que estarão sujeitas à arbitragem, assim como o procedimento e demais detalhes para seu eficaz sucesso.
[1] Xavier, Alberto. Direito Tributário Internacional do Brasil. 6ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 692.
[2] Interessante a leitura do art. 3º, do CTN, em conjunto com o art. 142, também do CTN.
[3] SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito Tributário. São Paulo: Editora Saraiva, 2011. p. 579
[4] TORRES, Heleno Taveira. “Transação, arbitragem e conciliação judicial como medidas alternativas para a solução de conflitos entre a administração e contribuintes – simplificação e eficiência administrativa”. Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo: Malheiros, nº86, 2002. p. 56.