Informativo: 709 do STJ – Processo Penal
Resumo: Não é cabível a pronúncia fundada exclusivamente em testemunhos indiretos de “ouvir dizer”.
Comentários:
O rito do procedimento do júri é bifásico (ou escalonado), dividindo-se em duas fases: a primeira se inicia com o recebimento da denúncia e se estende até a decisão de pronúncia; a segunda começa na pronúncia e se encerra no julgamento em plenário.
Encerrada a primeira fase, denominada instrução preliminar, o juiz deve pronunciar o réu caso se veja convencido da materialidade do crime e da existência de indícios de autoria (art. 413 do CPP).
A materialidade é comprovada por meio do respectivo exame de corpo de delito, desde que, nos termos do art. 158 do CPP, deixe vestígios a infração penal. Ao se satisfazer, de outro lado, com meros indícios de autoria, quis o legislador deixar claro que a sentença de pronúncia encerra um simples juízo de probabilidade no qual se julga admissível a acusação, apta, portanto, a ser conhecida pelo Júri. Por indícios, na lição de Borges da Rosa, “se consideram os fatos conhecidos que, por sua força e precisão, são capazes de determinar uma só e única conclusão: a de que não foi outro se não o indiciado o autor ou cúmplice do fato criminoso” (Processo penal brasileiro, Porto Alegre: Globo, 1942, vol. II, p. 494-5).
A influência do in dubio pro societate na fase de pronúncia é inconteste. Embora o STF tenha proferido decisões que colocaram em xeque esse princípio (cf. ARE 1.067.392/CE, j. 26/03/2019), o Superior Tribunal de Justiça decide reiteradamente que o juízo a ser feito nessa fase dispensa a prova robusta, reservando-se a resolução de eventuais dúvidas aos jurados:
“1. A decisão de pronúncia encerra simples juízo de admissibilidade da acusação, satisfazendo-se, tão somente, pelo exame da ocorrência do crime e de indícios de sua autoria. A pronúncia não demanda juízo de certeza necessário à sentença condenatória, uma vez que as eventuais dúvidas, nessa fase processual, resolvem-se em favor da sociedade – in dubio pro societate. 2. Além disso, a jurisprudência do STJ é no sentido de que constitui usurpação da competência do Conselho de Sentença a desclassificação do delito operado pelo Juízo togado, na hipótese em que não há provas estreme de dúvidas sobre a ausência de animus necandi. Precedentes.” (AgRg no AREsp 1.276.888/RS, j. 19/03/2019)
“1. É firme o entendimento desta Corte Superior no sentido de que a decisão de pronúncia não exige a existência de prova cabal da autoria do delito, sendo suficiente a mera existência de indícios da autoria, devendo estar comprovada, apenas, a materialidade do crime (AgRg no AREsp 1446019/RJ, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 18/6/2019, DJe 2/8/2019). 2. Na espécie, o Tribunal a quo concluiu pela comprovação da materialidade delitiva e pela presença de indícios de autoria, reformando a sentença, para pronunciar o acusado, considerando não apenas os elementos colhidos na fase inquisitorial, mas outros produzidos durante a instrução, sobretudo os depoimentos testemunhais. 3. A desconstituição das conclusões da Corte de origem quanto à existência de indícios da autoria delitiva, amparadas na análise do conjunto fático-probatório constante dos autos, para abrigar a pretensão defensiva de impronúncia, demandaria necessariamente aprofundado revolvimento do conjunto probatório, providência inviável em sede de recurso especial. Incidência da Súmula n. 7/STJ. 4. Ademais, na hipótese dos autos, além de o acórdão recorrido mencionar depoimentos prestados na fase judicial – o que afasta a alegação da defesa de que a decisão de pronúncia se baseou exclusivamente em indícios colhidos no inquérito policial –, esta Corte de Justiça possui entendimento firmado no sentido de que é possível admitir a pronúncia do acusado com base em indícios derivados do inquérito policial, sem que isso represente afronta ao art. 155 do CPP (HC 435.977/RS, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 15/5/2018, DJe 24/5/2018)” (AgRg no AREsp 1.601.070/SE, j. 05/05/2020).
Os indícios de autoria, no entanto, devem se basear em prova minimamente amparada em elementos concretos. Em decisão recente, o STJ concluiu que o in dubio pro societate não subsiste se a prova produzida na primeira fase se resume a testemunhos indiretos, desacompanhados de elementos que possam corroborar a versão apresentada:
“Discute-se nos autos se, na primeira fase do rito do Júri, em que prevalece o princípio do jus accusationis, consubstanciado no brocardo in dubio pro societate, de forma que a dúvida razoável acerca da autoria delitiva, enseja a submissão do caso controvertido ao Tribunal do Júri, órgão responsável por perquirir, em profundidade, a prova angariada nos autos, seria viável a imputação do crime ao acusado baseada, exclusivamente, em testemunho indireto, ou seja, em relatos de terceiros que ouviram dizer sobre a autoria delitiva.
Entretanto, entende-se que para a pronuncia, não obstante a exigência da comprovação da materialidade e da existência de indícios suficientes de autoria nos crimes submetidos ao rito do Tribunal do Júri, órgão constitucionalmente competente para julgar os crimes dolosos contra a vida, sabe-se que esta Corte Superior não admite a pronúncia fundada, apenas, em depoimento de “ouvir dizer”, sem que haja indicação dos informantes e de outros elementos que corroborem tal versão.
Nesse sentido: “Muito embora a análise aprofundada dos elementos probatórios seja feita somente pelo Tribunal Popular, não se pode admitir, em um Estado Democrático de Direito, a pronúncia baseada, exclusivamente, em testemunho indireto (por ouvir dizer) como prova idônea, de per si, para submeter alguém a julgamento pelo Tribunal Popular”(REsp 1674198/MG, Rel. Ministro Rogério Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 05/12/2017, DJe 12/12/2017).” (HC 673.138/PE, j. 14/09/2021).
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Livro: Código de Processo Penal e Lei de Execução Penal Comentados por Artigos