Informativo: 712 do STJ – Direito Penal
Resumo: A mera interpretação equivocada da norma tributária não configura o crime de excesso de exação.
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No excesso de exação, pune-se o funcionário público que se excede na cobrança de tributo ou contribuição social, seja porque cobra demandando imperiosamente o que não é devido, seja porque utiliza meio vergonhoso (vexatório) ou que traz ao contribuinte maiores ônus na cobrança do que é devido. No § 1º do art. 316 do CP, diversamente do que ocorre no parágrafo seguinte, o tributo, depois de exigido, é encaminhado aos cofres públicos. Trata-se de norma penal em branco imprópria ou homogênea, pois o complemento (definição de tributo e de contribuição social) emana do próprio legislador, embora em instância diversa.
O crime se caracteriza pelo dolo, que consiste na vontade dirigida à exigência de tributo ou contribuição social indevida, ou ao emprego de meio gravoso ou vexatório na sua cobrança. Considerável parcela da doutrina ensina que o delito, em sua primeira parte, pune também a modalidade culposa, conforme se extrai da expressão “deveria saber indevido”. Tal entendimento, contudo, é contestado pela maioria, para quem o legislador, ao empregar a referida expressão, buscou punir a conduta dolosa, porém do tipo eventual, desconsiderando a forma culposa. Guilherme de Souza Nucci ensina que o elemento subjetivo do tipo “é o dolo, nas modalidades direta (‘que sabe’) e indireta (‘que deveria saber’). Não há elemento subjetivo específico do tipo, nem se pune a forma culposa” (Código Penal comentado, p. 1181).
O mesmo raciocínio é encontrado na lição de Antonio Pagliaro e Paulo José da Costa Jr., para quem “o elemento subjetivo do crime é representado por um dolo genérico reforçado. Utilizando uma técnica legislativa reservada a poucos crimes, o art. 316, § 1º, exige, além dos normais requisitos do dolo com relação aos elementos de fato, o ‘saber’ que a exação é indevida. Logo, o agente deverá ter ciência plena de que se trata de imposto, taxa ou emolumento não devido” (Dos crimes contra a Administração Pública, p. 96).
De acordo com o STJ, se há dúvida interpretativa a respeito da legislação tributária que fundamenta a cobrança, afasta-se o crime, que só se tipifica se o agente tem plena consciência de que atua em excesso:
“O tipo do art. 316, § 1º, do Código Penal, pune o excesso na cobrança pontual de tributos (exação), seja por não ser devido o tributo, ou por valor acima do correto, ou, ainda, por meio vexatório ou gravoso, ou sem autorização legal. Ademais, o elemento subjetivo do crime é o dolo, consistente na vontade do agente de exigir tributo ou contribuição que sabe ou deveria saber indevido, ou, ainda, de empregar meio vexatório ou gravoso na cobrança de tributo ou contribuição devidos.
E, consoante a doutrina, “se a dúvida é escusável diante da complexidade de determinada lei tributária, não se configura o delito”. Outrossim, ressalta-se que “tampouco existe crime quando o agente encontra-se em erro, equivocando-se na interpretação e aplicação das normas tributárias que instituem e regulam a obrigação de pagar”.
Nesse palmilhar, a relevância típica da conduta prevista no art. 316, § 1º, do Código Penal depende da constatação de que o agente atuou com consciência e vontade de exigir tributo acerca do qual tinha ou deveria ter ciência de ser indevido. Deve o titular da ação penal pública, portanto, demonstrar que o sujeito ativo moveu-se para exigir o pagamento do tributo que sabia ou deveria saber indevido. Na dúvida, o dolo não pode ser presumido, pois isso significaria atribuir responsabilidade penal objetiva ao registrador que interprete equivocadamente a legislação tributária.
No caso, os elementos constantes do acórdão recorrido evidenciam que o texto da legislação de regência de custas e emolumentos à época do fatos provocava dificuldade exegética, dando margem a interpretações diversas, tanto nos cartórios do Estado, quanto dentro da própria Corregedoria, composta por especialistas na aplicação da norma em referência. Desse modo, a tese defensiva de que “a obscuridade da lei não permitia precisar a exata forma de cobrança dos emolumentos cartorários no caso especificado pela denúncia” revela-se coerente com a prova dos autos.
Ademais, frisa-se que os elementos probatórios delineados pela Corte de origem evidenciam que, embora o réu possa ter cobrado de forma errônea os emolumentos, o fez por mero erro de interpretação da legislação tributária no tocante ao método de cálculo do tributo, e não como resultado de conduta criminosa. Temerária, portanto, a sua condenação à pena de 4 anos de reclusão e à gravosa perda do cargo público.
Outrossim, oportuno relembrar que, no RHC n. 44.492/SC, interposto nesta Corte, a defesa pretendeu o trancamento desta ação ainda em sua fase inicial. A em. Ministra Laurita Vaz, relatora do feito, abraçou a tese defensiva assentando que “não basta a ocorrência de eventual cobrança indevida de emolumentos, no caso, em valores maiores do que os presumidamente devidos, para a configuração do crime de excesso de exação previsto no § 1.º do art. 316 do Código Penal, o que pode ocorrer, por exemplo, por mera interpretação equivocada da norma de regência ou pela ausência desta, a ensejar diferentes entendimentos ou mesmo sérias dúvidas de como deve ser cobrado tal ou qual serviço cartorial. É mister que haja o vínculo subjetivo (dolo) animando a conduta do agente.”
E arrematou que “a iniciativa de acionar o aparato Estatal para persecução criminal de titular de cartório, para punir suposta má-cobrança de emolumentos, em um contexto em que se constatam fundadas dúvidas, e ainda sem a indicação clara do dolo do agente, se apresenta, concessa venia, absolutamente desproporcional e desarrazoada, infligindo inaceitável constrangimento ilegal ao acusado.” (RHC n. 44.492/SC, relatora Ministra LAURITA VAZ, relator para acórdão Ministro MOURA RIBEIRO, QUINTA TURMA, julgado em 21/8/2014, DJe 19/11/2014).
A em. relatora ficou vencida, decidindo a Turma, por maioria, pelo prosseguimento da ação penal em desfile, desfecho esse que desconsiderou que, em observância ao princípio da intervenção mínima, o Direito Penal deve manter-se subsidiário e fragmentário, e somente deve ser aplicado quando estritamente necessário ao combate a comportamentos indesejados.
Portanto, não havendo previsão para a punição do crime em tela na modalidade culposa e não demonstrado o dolo do agente de exigir tributo que sabia ou deveria saber indevido, é inviável a perfeita subsunção da conduta ao delito previsto no § 1º do art. 316 do Código Penal.” (REsp 1.943.262/SC, j. 05/10/2021).
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