I. Introdução
A possibilidade do acesso e compartilhamento de dados resguardados pelo sigilo, notadamente o fiscal e o bancário, com os órgãos da administração pública, independente de prévia autorização judicial, sempre implicou inflamados debates no âmbito da doutrina e da jurisprudência.
Inicialmente, a questão do compartilhamento de dados bancários, ou transferência do sigilo, foi decidida no tocante às Receitas Federal, Estadual e Municipal. No julgamento do Recurso Extraordinário n. 601.314/SP, cuja repercussão geral da matéria foi reconhecida, e das Ações Diretas de Inconstitucionalidade 2.390, 2.386, 2.397 e 2.859, o Supremo Tribunal Federal, dentre outros pontos, reconheceu a constitucionalidade dos artigos 5º e 6º da Lei Complementar n. 105/ 2001[1]. Com isso, a autoridade fazendária, respeitadas os ditames legais, poderia ter acesso aos dados bancários dos contribuintes independentemente de prévia autorização judicial.
A fiscalização tributária divide-se, basicamente, em dois momentos.
No primeiro, há o repasse das informações de contribuintes, contidas no § 1º do artigo 5º da Lei Complementar n. 105/2001, pelas instituições financeiras. As informações transmitidas encontram-se restritas aos limites estabelecidos no § 2º do referido dispositivo legal.
Constatada eventual ilegalidade, passa-se ao segundo momento da fiscalização tributária. A Receita instaurará o procedimento administrativo competente e requisitará as informações necessárias para o esclarecimento dos pontos obscuros ao contribuinte. Caso não haja o fornecimento da documentação necessária, a autoridade fazendária poderá requisitar extratos bancários e outras informações de natureza bancária do contribuinte diretamente às instituições financeiras, observados os pressupostos previstos no artigo 6º da Lei Complementar n. 105/01 e no Decreto n. 3.724/01.
No julgamento do Recurso Extraordinário em questão, foi fixada tese especificamente sobre esse segundo momento da fiscalização fazendária, ponto central das divergências doutrinárias e judiciais, com o seguinte enunciado: “o 6º da Lei Complementar 105/01 não ofende o direito ao sigilo bancário, pois realiza a igualdade em relação aos cidadãos, por meio do princípio da capacidade contributiva, bem como estabelece requisitos objetivos e o translado do dever de sigilo da esfera bancária para a fiscal”.
II. Do compartilhamento de dados pela Autoridade Fazendária com o Ministério Público e a Polícia Judiciária.
Reconhecida a possibilidade do compartilhamento das informações bancárias com a autoridade fazendária, a discussão centralizou-se na possibilidade do compartilhamento desses dados pela Receita Federal, Estadual e Municipal com os órgãos responsáveis pela persecução penal, sem prévia autorização judicial.
Parcela da doutrina e da jurisprudência entendia que esse compartilhamento de dados com os órgãos relacionados à persecução penal dependia de prévia autorização judicial. O argumento principal dessa posição fundava-se no fato de que, uma vez que o Constituinte impôs o sigilo a terceiros no tocante aos dados bancários e fiscais, o afastamento dessa garantia nessa hipótese encontra-se sob a reserva da jurisdição. Esse era o entendimento, por exemplo, adotado pelo Superior Tribunal de Justiça (AgRg no AREsp 976.542/RS, Rel. Ministro Rogério Schietti Cruz, DJe 04/12/2017; REsp 1406055/SP, Rel. Ministro Nefi Cordeiro, DJe 14/11/2017; RHC 75.532/SP, Rel. Ministro Joel Ilan Paciornik, DJe 17/05/2017).
Sucede que, o próprio Supremo Tribunal Federal já possuía entendimento majoritário no sentido contrário. Esse entendimento consistia basicamente no fato de que esses dados bancários obtidos pela Receita Federal no âmbito do procedimento administrativo fiscal poderiam, sim, ser compartilhados para fins penais, independente de autorização judicial[2].
Posteriormente, em 4 de dezembro de 2019, o Supremo Tribunal Federal, pacificando a questão, aprovou a seguinte tese de repercussão geral no RE 1.055.941:
1 – É constitucional o compartilhamento dos relatórios de inteligência financeira da UIF e da íntegra do procedimento fiscalizatório da Receita Federal do Brasil, que define o lançamento do tributo, com os órgãos de persecução penal, para fins criminais, sem a obrigatoriedade de prévia autorização judicial, devendo ser resguardado o sigilo das informações em procedimentos formalmente instaurados e sujeitos a posterior controle jurisdicional.
2 – O compartilhamento pela UIF e pela Receita Federal do Brasil, referente ao item anterior, deve ser feito unicamente por meio de comunicações formais, com garantia de sigilo, certificação do destinatário e estabelecimento de instrumentos efetivos de apuração e correção de eventuais desvios.
Entendeu a Suprema Corte, em síntese, que o compartilhamento em comento não se trata de afastamento temporário de sigilo bancário, mas tal somente extensão/transferência desse sigilo, cabendo às autoridades públicas que receberam esses dados resguardá-los do público em geral. Esse compartilhamento encontra-se albergado pelo nossa ordem constitucional e pelos tratados que é Brasil é signatário, sendo instrumento importante no combate à macrocriminalidade, adotado pelo ordenamento jurídico de diversos países com longa tradição democrática e de respeito aos direitos individuais[3].
Após o entendimento fixado pelo Supremo Tribunal Federal, o Superior Tribunal de Justiça, por intermédio de sua 3ª Seção, no julgamento do RHC 82.233-MG, decidiu que é ilegal a requisição, sem autorização judicial, de dados fiscais pelo Ministério Público. Embora o processo seja sigilo, consta do informativo de jurisprudência n. 724, publicado em 14 de fevereiro de 2022, os seguintes pontos:
Da leitura desatenta da ementa do julgado, poder-se-ia chegar à conclusão de que o entendimento consolidado autorizaria a requisição direta de dados pelo Ministério Público à Receita Federal, para fins criminais. No entanto, a análise acurada do acórdão demonstra que tal conclusão não foi compreendida no julgado, que trata da Representação Fiscal para fins penais, instituto legal que autoriza o compartilhamento, de ofício, pela Receita Federal, de dados relacionados a supostos ilícitos tributários ou previdenciários após devido procedimento administrativo fiscal.
Assim, a requisição ou o requerimento, de forma direta, pelo órgão da acusação à Receita Federal, com o fim de coletar indícios para subsidiar investigação ou instrução criminal, além de não ter sido satisfatoriamente enfrentada no julgamento do Recurso Extraordinário n. 1.055.941/SP, não se encontra abarcada pela tese firmada no âmbito da repercussão geral em questão. Ainda, as poucas referências que o acórdão faz ao acesso direto pelo Ministério Público aos dados, sem intervenção judicial, é no sentido de sua ilegalidade.
(…).
Uma coisa é órgão de fiscalização financeira, dentro de suas atribuições, identificar indícios de crime e comunicar suas suspeitas aos órgãos de investigação para que, dentro da legalidade e de suas atribuições, investiguem a procedência de tais suspeitas. Outra, é o órgão de investigação, a polícia ou o Ministério Público, sem qualquer tipo de controle, alegando a possibilidade de ocorrência de algum crime, solicitar ao COAF ou à Receita Federal informações financeiras sigilosas detalhadas sobre determinada pessoa, física ou jurídica, sem a prévia autorização judicial.
Da leitura desses pontos, surgem os seguintes questionamentos: quais os dados podem ser compartilhados pela Receita – Federal, Estadual e Municipal – com o Ministério Público e a Polícia Judiciária? É possível o requerimento de dados bancários e fiscais, independente de prévia autorização judicial, pelos órgãos responsáveis pela persecução penal à Receita? Em caso afirmativo, quais os requisitos que devem ser observados para esse compartilhamento?
A resposta a essas perguntas será feita principalmente com base nos votos dos Ministros da Suprema Corte no julgamento do Recurso Extraordinário 1.055.941/SP, considerando que, conforme destacado, foi reconhecida a repercussão geral na demanda e, portanto, devem ser observadas suas conclusões, por força do disposto no artigo 927 do Código de Processo Civil.
Em primeiro lugar, entenderam os Ministros, com exceção dos Ministros Celso de Mello e Marco Aurélio, que é constitucional o compartilhamento com os órgãos responsáveis pela persecução penal – Ministério Público e Polícia Judiciária – de dados bancários e fiscais, obtidos pela autoridade fazendária com base no artigo 6º da Lei Complementar n. 105/2001, não havendo ofensa à inviolabilidade da intimidade e da vida privada.
A respeito do âmbito de proteção dos direitos e garantias fundamentais, ensina DUGUIT, citado pelo Ministro Alexandre de Moraes: “a norma de direito, por um lado, impõe a todos o respeito aos direitos de cada um, e em contrapartida, determina uma limitação sobre os direitos individuais, para assegurar a proteção aos direitos gerais” (Fundamentos do direito. São Paulo: Ícone Editora, 1996, p. 11 e ss.).
Deveras, a inviolabilidade dos direitos fundamentais é a regra constitucional. Entretanto, não se permite a utilização desses direitos fundamentais, dessas inviolabilidades como proteção para atividades ilícitas, hipóteses nas quais configura abuso de direito ou desvio de sua finalidade. Sendo assim, não há dúvidas de que existe a possibilidade de relativização dessas inviolabilidades, desde que haja situações excepcionais, razoáveis e proporcionais.
Especificamente com relação ao sigilo financeiro, observa-se da leitura do texto constitucional que sua relativação não se encontra sob a reserva de jurisdição em todas as hipóteses, ao contrário do sigilo telefônico, cuja afastamento temporário somente pode ser autorizado por decisão judicial fundamentada, por força do inciso XII do artigo 5º da Constituição Federal. Esse argumento relacionado aos dados bancários encontra repercussão na legislação infraconstitucional, especificamente no art. 198, § 3º, inciso I, do Código Tribunal Nacional, com redação dada pela Lei Complementar n. 104/01.
Nesse contexto, entendeu a maioria dos Ministros da Suprema Corte que o compartilhamento desses dados pelo Fisco é constitucional, na medida em que não representa propriamente o afastamento dos sigilos bancário e fiscal do indivíduo, mas tão somente a transferência desse sigilo ao Ministério Público e à Polícia Judiciária, os quais, por sua vez, devem preservar esse sigilo perante terceiros, sob pena de responsabilização nos âmbitos criminal, cível e administrativo.
Reforçando essa conclusão, consta do voto do Ministro Alexandre de Moraes;
A compatibilidade das inviolabilidades de dados e do sigilo financeiro (regra) com a efetiva, concreta e racional atuação de um sistema de inteligência financeira é constitucional e permite o compartilhamento de informações com os órgãos de persecução penal, nas hipóteses excepcionais, razoáveis e proporcionais devidamente estabelecidas em lei; sendo essencial para garantir o combate ao terrorismo, à criminalidade organizada e à corrupção.
No mesmo sentido, votou o Ministro Edson Fachin:
(…) a autoridade fiscal, ao receber informações que a própria instituição financeira já deveria ter comunicado às autoridades com atribuição de persecução penal, deverá providenciar o encaminhamento respectivo, sem que isso configure, a meu ver, vulneração a garantias de índole constitucional.
(…).
Cumpre assinalar ainda que eventuais informações acobertadas por sigilo conservam essa situação jurídica, que deve ser observada pela autoridade destinatária dos elementos encaminhados pela autoridade fiscal.
E, ainda, tem-se o voto da Ministra Rosa Weber destacando a possibilidade desse compartilhamento pelas autoridades fazendárias, que representa na verdade um dever do agente público diante dos indícios de infração penal que lhe são apresentados:
É próprio de um Estado de Direito a exigência de que a condutas potencialmente criminosas, por parte de agentes públicos – fazendários ou não -, reverbere no âmbito da Administração, com o acionamento de seus órgãos de investigação para a apuração dos possíveis delitos. Trata-se, na minha visão, de dever que recai sobre o agente público responsável pela fiscalização tributária, por observância aos princípios que regem a Administração Pública.
A própria norma protetiva do direito fundamental estabelece não constituir violação do dever de sigilo: “a comunicação, às autoridades competentes, da prática de ilícitos penais ou administrativos, abrangendo o fornecimento de informações sobre operações que envolvam recursos provenientes de qualquer prática criminosa” (art. 1º, § 3º, IV, da LC 105/2001).
Além disso, conforme apontado pelo Ministro Fux, a intermediação do Poder Judiciário de uma representação criminal apresentada pela Receita Federal ao Ministério Público ofenderia o princípio acusatório e a titularidade exclusiva da ação penal pública pelo Ministério Público, estampado no artigo 129, I, da Constituição Federal.
Não se discute, portanto, a prescindibilidade de autorização judicial para esse compartilhamento de dados bancário e fiscal.
III. Da extensão material desse compartilhamento.
Uma vez autorizado o compartilhamento de dados obtidos pela autoridade fazendária independentemente de autorização judicial, imperioso compreender a extensão material do compartilhamento. Em resumo, o que de fato pode ser compartilhamento pelo Fisco com o Ministério Público e a Polícia Judiciária, sem que seja necessária a intervenção judicial prévia.
Inicialmente, o Ministro Dias Toffoli entendeu ser possível o compartilhamento de dados bancários e fiscais com o Ministério Público e a Polícia Judiciária, por intermédio da Representação Fiscal para Fins Penais, elaborada ao cabo do procedimento administrativo fiscal, nos termos do artigo 83 da Lei n. 9.340/96. Entretanto, caberia à autoridade fazendária pinçar, expressão utilizada pelo Ministro, os dados bancários e fiscais que seriam encaminhados, com base na pertinência dos fatos tributários-penais comunicados. Não haveria, segundo o Dias Toffoli, base legal para o encaminhamento de todos os extratos bancários e dados fiscais obtidos pelo Fisco por força do artigo 6º da Lei Complementar n. 105/2001, mesmo que constantes do procedimento administrativo fiscal. Sua posição restou clara quando da apresentação de suas teses para discussão no âmbito do julgamento:
I – É constitucional o compartilhamento, pela Receita Federal, quando do encaminhamento da representação fiscal para fins penais para os órgãos de persecução penal, de informações sobre operações que envolvam recursos provenientes de crimes contra a ordem tributária e a Previdência Social, de descaminho, contrabando e lavagem de dinheiro.
II – É vedada a transferência do conteúdo integral de documentos protegidos por sigilo fiscal e bancário – como a declaração de imposto de renda e os extratos bancários – sem a prévia autorização judicial.
Sucede que, a maioria dos Ministros, após divergência inaugurada pelo Ministro Alexandre de Moraes, entendeu de forma diversa.
Preliminarmente, convém destacar que o início da persecução penal relacionada aos crimes materiais contra a ordem tributária e contra previdência social somente é possível após a constituição definitiva do crédito tributário, por força do entendimento do Supremo Tribunal Federal expresso no Enunciado n. 24 de sua Súmula Vinculante. De nada vale a existência de inúmeras evidências relacionadas à prática de crime por parte do Ministério Público se o crédito tributário não estiver constituído definitivamente no âmbito administrativo, segundo esse entendimento sumulado.
Dito isso, verifica-se que a materialidade desses crimes é demonstrada necessariamente, mas não unicamente, com base nos elementos colhidos ao longo do procedimento administrativo fiscal. Não se mostra suficiente a mera informação de que o crédito tributário se encontra definitivamente constituído. Os demais dados constantes do procedimento administrativo fiscal são imprescindíveis à persecução penal justamente porque constituem evidências que demonstram as práticas dos demais elementos dos tipos penais tributários[4]. Servem para demonstrar se a conduta que resultou na sonegação de tributos é penalmente típica e ilícita.
A informação da constituição definitiva do crédito tributário consiste somente no resultado da ação, em tese, penalmente ilícita. Restringir à persecução penal a esse fato seria como, grosso modo, a persecução penal contentar-se com a evidência de que a pessoa faleceu para a demonstração do crime de homicídio. Esse fato, obviamente, não é suficiente para a demonstração do crime mencionado. Necessárias outras evidências para a conclusão da hipótese delitiva.
De igual forma nos crimes contra a ordem tributária e contra a Previdência Social. Os demais dados constantes do procedimento administrativo fiscal são imprescindíveis à persecução penal justamente porque constituem evidências que demonstram as práticas dos demais elementos objetivos, subjetivos e normativos dos tipos penais tributários.
De mais a mais, importante consignar que a ação penal relativa a esses crimes é pública incondicionada. Compete, portanto, exclusivamente ao Ministério Público a opinio delicti, analisar as evidências relacionadas à autoria e à materialidade delitiva e realizar o juízo a respeito de sua suficiência ou não para a propositura da ação penal.
Nesse contexto, a limitação de acesso do Ministério Público às evidências colhidas pelo Fisco para a conclusão do procedimento administrativo fiscal ofende, mais uma vez, o princípio do acusatório e da titularidade exclusiva da ação penal pública pelo Ministério Público.
Ademais, o fornecimento da documentação produzida ao longo do procedimento administrativo fiscal, que possua implicação penal, aos órgãos responsáveis pela persecução penal não implica ofensa à inviolabilidade da privacidade e da vida privada do investigado, considerando as garantias entabuladas pela Lei Complementar n. 105/01 e pelo Decreto n. 3724/01, que regem a matéria.
Dentre essas garantias, destaca-se as instituídos no art. 5º, § 2º, que impõe a Receita Federal o dever de entregar ao sujeito passivo, destruir ou inutilizar as informações não relacionadas ao objeto da apuração. Garante-se, dessa forma, a vinculação das informações constantes do procedimento administrativo fiscal à infração tributária que possivelmente detém repercussão na seara pena.
Essa observação foi apresentada pela Ministra Rosa Weber em seu voto:
(…) a disciplina normativa reza que a requisição de informações sobre movimentação financeira “presume indispensabilidade das informações requisitadas” (art. 4º, § 8º, Decreto 3.724/2001), estatuindo, ainda, que aquelas não relacionadas com o objeto da apuração deverão ser “entregues ao sujeito passivo, destruídas ou inutilizadas” (art. 5º § 2º, do mesmo Decreto). Garante, ademais, o prévio contraditório do contribuinte (art. 4º, § 5º, Decreto 3.724/2001) e a preservação do sigilo dos informes obtidos, sob pena de infração administrativa e penal da autoridade competente (art. 10 da LC 105/2001 e arts. 8º a 10 do Decreto 3.724/2001), em ritualística compatível com os direitos e garantias fundamentais talhados na Constituição Federal.
Ainda, sob o ponto de vista prático, a possibilidade do Ministério Público socorrer-se do Poder Judiciário para a obtenção dos elementos faltantes também não se mostra suficiente. Isto porque o Ministério Público, como terceiro alheio ao fato típico, não tem conhecimento de todo o contexto fático. Esse conhecimento é adquirido justamente com base nas evidências apresentadas ao órgão. Dito isso, não raro, a ausência de determinada evidência implica uma deficiência desse conhecimento, que não levará o representante do Ministério Público a perceber a necessidade de novas provas e, consequentemente, de solicitá-las ao Poder Judiciário.
Além disso, a questão do compartilhamento é compreendida como semelhante à sistemática adotada à prova emprestada. Considerando que as provas produzidas no âmbito do procedimento administrativo fiscal são quase que exclusivamente de natureza documental, uma vez sendo lícita a sua produção da prova nesses procedimentos, não há ilegalidade em seu translado e emprego em outros procedimentos.
Convém destacar, somente, que, neste procedimento no qual as evidências serão utilizadas, caberá ao Magistrado analisar a licitude da evidência no procedimento originário e respeitar o contraditório, garantindo às partes a realização dos questionamentos pertinentes no procedimento no qual elas foram empregadas.
Sobre os princípios que devem ser observados quando se trata de prova emprestada de natureza documental, discorre BECHARA[5]:
No que se refere à prova emprestada de natureza documental, a garantia do contraditório, pela própria natureza da prova documental, manifesta-se de forma diferida ou prorrogada. De modo que somente a partir da sua juntada, é que as partes terão a oportunidade de se pronunciar. Já no que se refere ao princípio da imediação não há grandes questionamentos, na medida em que a prova não se forma perante o juiz, mas sim extrajudicialmente.
A respeito do tema, segue trecho do voto do Ministro Alexandre de Moraes:
A prova obtida pela Receita Federal no procedimento administrativo fiscal é lícita. Quem permitiu que a Receita Federal pudesse constituir essa prova foi a LC 105 e o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. É uma prova lícita. Tanto é lícita que permite o lançamento definitivo do tributo. Se a prova é lícita, foi obtida mediante procedimento regular, garantido o contraditório, com o contribuinte que será o réu da ação, é a típica prova emprestada, lícita. Trata-se, pois de uma prova emprestada e lícita. O compartilhamento dessa prova nada mais é do que a utilização de uma prova emprestada e lícita.
No mesmo sentido, foi o voto do Ministro Edson Fachin, realçando que o sistema de compartilhamento segue a lógica da prova emprestada, não sendo possível a imposição de vedação ao compartilhamento de determinadas evidências produzidas ao longo do procedimento administrativo fiscal, quando não houver disposição legal nesse sentido.
Comungo ainda da percepção do eminente Min. Alexandre de Moraes no sentido de que o compartilhamento também pode ser acolhido a partir da admissão de prova emprestada, conforme bem exposto no substancioso voto de Sua Excelência.
Em síntese, se é lícita a coleta de informações pelo Fisco e se essas mesmas informações indicam a prática de infração penal pelo contribuinte, não é compatível com o sistema jurídico a tese por meio da qual se almeja que ao agente público seja vedado encaminhar a integralidade desses elementos a específica autoridade pública competente para deliberar acerca da deflagração de persecução penal.
A conclusão de que o regime jurídico é o mesmo da prova emprestada foi adotada também pela Ministra Rosa Weber em seu voto:
No que diz com a extensão material do compartilhamento, assento não identificar razões que justifiquem a imposição de restrição aos elementos de prova obtidos pela Receita Federal, a partir da estreita observância de rito procedimental previsto em lei, no qual respeitadas as garantias fundamentais do contribuinte.
Observa-se que para o Ministro Fachin estaria autorizado, inclusive, o compartilhamento dos dados bancários encaminhados pelas instituições financeiras à Receita Federal regularmente, por força do artigo 5º da Lei Complementar n. 105/01, quando desses dados for possível identificar, a princípio, a prática de infrações penais.
Entretanto, a maioria dos Ministros da Suprema Corte entendeu que os dados que podem ser compartilhados são somente aqueles tratados no contexto do artigo 6º da Lei Complementar n. 105/01, com a instauração de procedimento administrativo fiscal, no qual são respeitadas todas as garantias e direitos dos indivíduos, presentes no Decreto n. 3.724/01.
Destaca-se, por fim, que o Ministro Gilmar Mendes buscou limitar o compartilhamento desses dados às evidências relacionadas à prática de crimes contra a ordem tributária.
Assim, nesse ponto, divirjo da proposta apresentada pelo eminente Relator, para não estabelecer ex ante a impossibilidade de compartilhamento, no âmbito restrito da Representação Fiscal para Fins Penais, de documentos como declarações de imposto de renda ou extrato bancários. Ressalvo, no entanto, que tais documentos só poderão ser objeto de compartilhamento na medida em que forem estritamente necessários para compor indícios de materialidade das infrações apuradas.
A questão, porém, foi afastada pela maioria dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, sob o argumento de que cabe ao Ministério Público, como titular exclusivo da ação penal pública incondicional, por força de expressa disposição constitucional, formular a opinio delicit. Caberá ao órgão responsável pela acusação a análise de todas as evidências e indicar quais delas possuem pertinência com o ilícito típico e não a Receita Federal.
Dessa forma, com relação à extensão material do compartilhamento de dados por parte da autoridade fazendária com o Ministério Público e a Polícia Judiciária, o Supremo Tribunal Federal consolidou o entendimento da seguinte forma:
1. É constitucional o compartilhamento dos relatórios de inteligência financeira da UIF e da íntegra do procedimento fiscalizatório da Receita Federal do Brasil, que define o lançamento do tributo, com os órgãos de persecução penal para fins criminais, sem a obrigatoriedade de prévia autorização judicial, devendo ser resguardado o sigilo das informações em procedimentos formalmente instaurados e sujeitos a posterior controle jurisdicional.
Denota-se, portanto, que somente podem ser compartilhados os dados que a Receita Federal dispõe com o Ministério Público e a Polícia Judiciária quando constantes de procedimento administrativo fiscal concluído, relativo à constituição de tributo. Esse compartilhamento independe de prévia autorização judicial, devendo ser preservado o sigilo dos dados constantes desse procedimento e garantido o controle jurisdicional posterior. Não há condicionantes relacionadas ao conteúdo do procedimento administrativo, salvo aquelas estabelecidas na Lei Complementar n. 105/01 e no Decreto n. 3.724/01.
IV. Da forma desse compartilhamento.
Analisada a questão relacionada à extensão material do compartilhamento, importante detalhar a forma como esses dados podem ser compartilhados entre a Receita Federal e os órgãos relacionados à persecução penal, à luz do entendimento entabulado pelo Supremo Tribunal Federal.
A conjugação do final da tese 1 e a tesa 2, fixadas pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do Recurso Extraordinário em questão, define, salvo melhor juízo, a forma como deve ser concretizado esse compartilhamento.
1. (…) devendo ser resguardado o sigilo das informações em procedimentos formalmente instaurados e sujeitos a posterior controle jurisdicional.
2. O compartilhamento pela UIF e pela RFB, referente ao item anterior, deve ser feito unicamente por meio de comunicações formais, com garantia de sigilo, certificação do destinatário e estabelecimento de instrumentos efetivos de apuração e correção de eventuais desvios.
Efetivamente, o compartilhamento desses dados tendo como origem a Receita Federal é concretizado por intermédio da representação fiscal para fins penais, prevista no artigo 83 da Lei n. 9.430/96[6].
Sucede que, a decisão, com a devida vênia o entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça no julgado em questão, menciona expressamente que esse compartilhamento deve ser realizada por meio de “comunicações oficiais”. O pressuposto para o compartilhamento lícito é a observância da forma “comunicação oficial”, que não se resume, segundo entendemos à luz da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, à representação fiscal para fins penais.
E essa menção a comunicações oficiais não se deu unicamente para englobar as comunicações realizadas pela Unidade de Inteligência Financeira. Tem como finalidade precípua, nos termos do item 2 da tese fixada, garantir o sigilo dos dados compartilhados, certificar o destinatário e estabelecer instrumentos efetivos de apuração e correção de eventuais desvios.
Ainda, da decisão não consta nenhuma determinação de que o compartilhamento é realizado somente em uma única direção: Receita para os órgãos responsáveis pela persecução penal. A competência não é exclusiva da autoridade fazendária para decidir a respeito da possibilidade ou não do compartilhamento desses dados.
Conforme o comando constitucional contido no artigo 129, I, da Constituição Federal, a formação da “opinio delicti” nos crimes cuja ação penal é pública incondicionada compete exclusivamente ao Ministério Público. Para tanto, imprescindível a análise de todas as evidências relacionadas ao fato objeto da apuração.
Soma-se a isso o entendimento consolidado no âmbito do Supremo Tribunal Federal, e já mencionado, de que nos crimes materiais contra a ordem tributária e contra a Previdência Social a materialidade é extraída das evidências produzidas, não unicamente, mas necessariamente do procedimento administrativo instaurado e concluído no âmbito da Receita. Sem a constituição definitiva do crédito tributário não cabe o início da persecução penal.
Desse contexto é possível concluir que podem os órgãos relacionados à persecução penal solicitarem o compartilhamento dos dados que dispõe a Receita Federal. Mas quais dados? Justamente aqueles abordados no tópico relacionado à extensão material do compartilhamento: constantes de procedimento administrativo fiscal concluído, relativo à constituição de tributo
Inferir que a Receita Federal detém exclusivamente a competência para realizar o juízo sobre quais dados evidenciam um ilícito penal e devem ser compartilhados com os órgãos responsáveis pela persecução penal implica subtração de uma das precípuas funções do Ministério Público, a titularidade exclusiva da ação penal pública incondicionada, e, consequentemente, ofensa ao comando constitucional. Caberia, segundo essa lógica, à Receita selecionar as evidências relacionadas à infração penal que deveriam ser encaminhadas aos órgãos responsáveis pela persecução penal.
Não foi esse o entendimento adotado pelo Supremo Tribunal Federal. Os Ministros Dias Toffoli e Gilmar Mendes tentaram limitar o compartilhamento dos dados constantes do procedimento administrativo fiscal, incumbindo a Receita Federal de pinçar, nas palavras do primeiro[7], os elementos que seriam encaminhados.
Entrementes, conforme já destacado, essa restrição foi rechaçada pela maioria dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, com base justamente no disposto no artigo 129, I, da Constituição Federal. Conforme destacado pelo Ministro Alexandre de Moraes em seu voto:
(…) como se sabe, não cabe à autoridade fiscal a formulação de opinio delicti positiva ou negativa, cenário a impor o encaminhamento de informações ao Ministério Público que, a teor do art. 129, CRFB, é o titular da ação penal pública.
Reforçando essa conclusão, observa-se que um dos principais fundamentos para autorizar esse compartilhamento sem prévia autorização judicial decorre do disposto no artigo 198, § 3º, inciso I, do Código Tributário Nacional, com redação conferida pela Lei Complementar n. 104/01, que não veda o compartilhamento de informações mediante representação fiscal para fins penais. Se não há o sigilo para o compartilhamento nessa via, partindo da Receita Federal para os órgãos vinculados à persecução penal, a conclusão lógica é de que não há sigilo na via inversa, quando o Ministério Público e a Polícia Judiciária vislumbrarem a necessidade da obtenção desses dados.
O Supremo Tribunal Federal, inclusive, em decisão referente ao antigo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), atual Unidade de Inteligência Financeira, decidiu que esse compartilhamento se trata justamente de uma via de mão dupla, podendo partir tanto do COAF como do Ministério Público.
A mera solicitação de providências investigativas é atividade compatível com as atribuições constitucionais do Ministério Público. Se a legislação de regência impositivamente determina que o COAF ‘comunicará às autoridades competentes para a instauração dos procedimentos cabíveis, quando concluir pela existência de crimes previstos nesta Lei, de fundados indícios de sua prática, ou de qualquer outro ilícito’ (art. 15 da Lei 9.613/1998), seria contraditório impedir o Ministério Público de solicitar ao COAF informações por esses mesmos motivos“[8].
Observa-se que a lógica do compartilhamento de informações pela Unidade de Inteligência Financeira assemelha-se àquela relacionada ao compartilhamento formalizado pela Receita Federal, razão pela qual o objeto do Recurso Extraordinário 1.055.941/SP foi ampliado para contemplá-la.
A decisão do Supremo Tribunal Federal teve como objeto autorizar o compartilhamento dos dados que dispõe a Receita Federal e que estejam inseridos em procedimento administrativo fiscal finalizado com a constituição do tributo. Consiste somente na transferência do sigilo. Esse compartilhamento deve observar as seguintes balizas: (i) comunicação formal; (ii) garantia de sigilo; (iii) certificação do destinatário; (iv) estabelecimento de instrumentos efetivos de apuração e correção de eventuais desvios.
Repita-se, a comunicação formal não se resume à representação fiscal para fins penais. A solicitação desses dados formalizada pelo Ministério Público e pela Polícia Judiciária (órgãos estatais) no âmbito de procedimento investigatório cumpre, sem dúvida, o pressuposto da comunicação oficial.
O objeto da demanda judicial foi justamente a possibilidade de compartilhamento de dados sigilosos pela Receita Federal com os órgãos responsáveis pela persecução penal. Uma vez que o Supremo Tribunal Federal entendeu que esse compartilhamento é possível sem autorização judicial, considerando que na verdade há uma verdadeira transferência do dever de sigilo, não se justifica restringir essa transferência somente a partir da Receita Federal. A transferência do sigilo é constitucional.
Não há nessas hipóteses, violação à vida privada ou à intimidade do indivíduo. Isto porque, conforme destacado no trecho mencionado da Ministra Rosa Weber, o procedimento contido na Lei Complementar n. 105/01 e no Decreto n. 3.724/01, que devem ser respeitados no curso do procedimento administrativo fiscal, garantem justamente a observância desses direitos de índole constitucional.
Ainda, independentemente do meio pelo qual os órgãos responsáveis pela persecução penal recebem esses dados, seja por intermédio de representação fiscal para fins penais seja requerendo o encaminhamento do procedimento administrativo fiscal, eles possuem o dever de observância do sigilo desses dados perante terceiros, sob pena de responsabilização nas esferas criminais, administrativa e cível.
Importante destacar que a observância da “comunicação oficial”, quando do requerimento de cópia do procedimento administrativo fiscal para a Receita Federal parte do Ministério Público ou da Polícia Judiciária, pressupõe a existência de procedimento formalmente instaurado, seja inquérito policial seja procedimento investigatório criminal.
Com isso, afasta-se a preocupação externada pelo Superior Tribunal de Justiça de que esse compartilhamento não estaria sujeito a nenhum tipo de controle. Havendo a necessidade de prévio procedimento instaurado para que o pedido (comunicação) seja “oficial”, necessariamente haverá o posterior controle judicial, por força do Código de Processo Penal e outras normas que regulamentam os procedimentos investigatórios e impõe essa obrigação aos seus responsáveis, sob pena de responsabilização, inclusive criminal.
De mais a mais, essa sistemática encontra-se em consonância com o regime adotado para as provas emprestadas, cuja similaridade com o caso foi destacado no voto de diversos Ministros da Suprema Corte. Havendo licitude na prova produzida no âmbito do procedimento administrativo fiscal, será lícito seu emprego também na persecução penal, cabendo somente o respeito ao contraditório por se tratar de prova documental.
Já destacamos que a formalidade constitui um pressuposto para a validade da prova no contexto do processo penal. Ela deve ser compartilhada por intermédio de comunicação oficial, com a identificação de seus destinatário e a preservação dos dados cujo sigilo foi outorgado pelo constituinte.
O Supremo Tribunal Federal decidiu que o conteúdo (evidências) pode ser compartilhado com os órgãos responsáveis pela persecução penal. E possível o respeito às balizas fixadas na referida decisão.
De toda a forma, esse compartilhamento, concretizado no âmbito de procedimento investigatório, estará sempre sujeito a controle judicial posterior, garantindo o respeito aos direitos e garantias fundamentais do investigado.
V. Conclusão
Diante de tudo o que foi exposto, podemos adotar as seguintes conclusões.
Em primeiro lugar, somente podem ser compartilhados os dados disponíveis à Receita Federal com os órgãos relacionados à persecução penal, quando constantes do procedimento administrativo fiscal relativo à constituição do crédito tributário e após sua conclusão. Inclusive, quando do recente julgamento da ADI n. 4980, o Supremo Tribunal Federal, ao reconhecer a constitucionalidade do artigo 83 da Lei n. 9.430/96, fixou o entendimento de que, mesmo nas hipóteses em que o crime contra a ordem tributária e a Previdência Social for de natureza formal, a Receita Federal somente poderá encaminhar ao Ministério Público e à Polícia Judiciária a representação fiscal para fins penais após a conclusão do procedimento administrativo fiscal.
Logo, dados bancários, obtidos pela Receita Federal por força do artigo 5º da Lei Complementar n. 105/2021, e dados fiscais, como, por exemplo, declaração de ajuste anual de imposto de renda, não poderão ser compartilhados quando não constantes de procedimento administrativo fiscal.
Por outro lado, conquanto esses dados se encontrem em poder da Receita Federal, o compartilhamento não necessariamente tem que partir por iniciativa desse órgão. O Ministério Público e a Polícia Judiciária podem, no âmbito de procedimento investigatório criminal instaurado[9], requerer o compartilhamento da integralidade do procedimento administrativo fiscal concluído, considerando que respeitados os direitos e garantias fundamentais do investigados, a manutenção do sigilo desses dados, assim como sujeito a controle judicial posterior. E, por fim, a representação fiscal para fins penais constitui forma de comunicação oficial somente quando o compartilhamento tem origem na Receita Federal, por força do disposto no artigo 83 da Lei n. 9.340/96.
[1] Art. 5o O Poder Executivo disciplinará, inclusive quanto à periodicidade e aos limites de valor, os critérios segundo os quais as instituições financeiras informarão à administração tributária da União, as operações financeiras efetuadas pelos usuários de seus serviços.
(….).
§ 2o As informações transferidas na forma do caput deste artigo restringir-se-ão a informes relacionados com a identificação dos titulares das operações e os montantes globais mensalmente movimentados, vedada a inserção de qualquer elemento que permita identificar a sua origem ou a natureza dos gastos a partir deles efetuados.
§ 3o Não se incluem entre as informações de que trata este artigo as operações financeiras efetuadas pelas administrações direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
§ 4o Recebidas as informações de que trata este artigo, se detectados indícios de falhas, incorreções ou omissões, ou de cometimento de ilícito fiscal, a autoridade interessada poderá requisitar as informações e os documentos de que necessitar, bem como realizar fiscalização ou auditoria para a adequada apuração dos fatos.
§ 5o As informações a que refere este artigo serão conservadas sob sigilo fiscal, na forma da legislação em vigor.
Art. 6o As autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios somente poderão examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente. (Regulamento)
Parágrafo único. O resultado dos exames, as informações e os documentos a que se refere este artigo serão conservados em sigilo, observada a legislação tributária.
[2] DIREITO PENAL. AGRAVO INTERNO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ART. 6º DA LEI COMPLEMENTAR Nº 105/2001. CONSTITUCIONALIDADE. UTILIZAÇÃO DE DADOS OBTIDOS PELA RECEITA FEDERAL PARA INSTRUÇÃO PENAL. POSSIBILIDADE. 1.O Supremo Tribunal Federal, ao apreciar o RE 601.314, Rel. Min. Edson Fachin, após reconhecer a repercussão geral da matéria, assentou a constitucionalidade do art. 6º da Lei Complementar nº 105/2001, que autoriza o fornecimento de informações sobre movimentações financeiras diretamente ao Fisco, sem autorização judicial. 2. O acórdão recorrido entendeu que os dados obtidos pela Receita Federal mediante requisição direta às instituições bancárias não poderiam ser utilizados no processo penal. Entendimento que contraria a orientação majoritária da Corte, no sentido de que é possível a utilização das informações obtidas pelo fisco, por meio de regular procedimento administrativo fiscal, para fins de instrução processual penal. Precedentes. 3.Agravo interno a que se nega provimento. (AgRg no RE n. 1.057.667-SE, STJ, 1ª Turma, unânime, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 12.12.2017, publicado no DJ em 23.2.2018 – grifo nossos).
[3] O presente trabalho não tem por escopo debater os argumentos empregados pela Suprema Corte como razão de decidir. Para a obtenção desses argumentos, recomendo a leitura, ao menos, do voto do Ministro Alexandre de Moraes, que resultou na tese mencionada.
[4] Por exemplo, com relação ao crime previsto no art. 1º, I, da Lei n. 8.137/90, as evidências produzidas no curso do procedimento administrativos fiscal concederão suporte à hipótese de que houve “omissão” ou “prestação de informação falsa” às autoridades fazendárias.
[5] BECHARA, Fábio Ramazzini. Prova emprestada e a preclusão do contraditório. Ciências Penais | vol. 14/2011 | p. 315 – 342 | Jan – Jun / 2011.
[6] Art. 83. A representação fiscal para fins penais relativa aos crimes contra a ordem tributária previstos nos arts. 1o e 2o da Lei no 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e aos crimes contra a Previdência Social, previstos nos arts. 168-A e 337-A do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), será encaminhada ao Ministério Público depois de proferida a decisão final, na esfera administrativa, sobre a exigência fiscal do crédito tributário correspondente. (Redação dada pela Lei nº 12.350, de 2010)
[7] Segue trecho do voto do Ministro Dias Toffoli: “Dessa perspectiva, é importante frisar que da representação fiscal para fins penais (RFFP) podem constar informações detalhadas (acobertadas, a priori, pelo sigilo fiscal ou bancário),desde que conectadas com a descrição do fato suspeito ou configurador, em tese, do delito objeto de comunicação. E essas informações, é bom anotar, podem, inclusive, ser pinçadas (isto é, extraídas, de modo preciso) de documentos obtidos pelo Fisco por força de expedição de RMF, como extratos bancários”.
[8] AgRg no RE 1.058.429/SP, Rel. Ministro ALEXANDRE DE MORAES, Primeira Turma, julgado em 20/02/2018, DJe 6/03/2018 – grifo nosso.
[9] Relembrando que a instauração do procedimento deverá estar em consonância com o Enunciado n. 24 da Súmula Vinculante do Supremo Tribunal Federal e suas implicações, segundo esse próprio Tribunal.