O presente artigo se presta a responder uma pergunta corriqueira, mas que não recebe tratamento normativo detalhado pela legislação. Quais os marcos prescricionais da pretensão executória quando a pena consiste em prestação pecuniária isoladamente?
De saída, convém registrar uma distinção: alternativas penais e penas alternativas não são expressões que se equivalem, isto é, não são expressões que guardam sentido idêntico.
Sob a epígrafe “alternativas penais” encontram-se tanto as alternativas à pena privativa de liberdade como igualmente as alternativas à própria judicialização de casos penais. Alternativa penal é expressão que abrange desde as hipóteses de desjudicialização de casos ou evitação de sua formalização em juízo até institutos que afastem a formação da culpa em juízo (sentença condenatória). Abarca, igualmente, possibilidades processuais que previnem ou evitam a imposição de medidas que restrinjam a liberdade. Nesse sentido, institutos como o acordo de não persecução penal, a composição dos danos civis nos crimes de ação penal privada ou pública condicionada a representação, a transação penal, a suspensão condicional do processo são alternativas penais. Igualmente, as medidas cautelares diversas da prisão são alternativas penais justamente porque previnem ou excepcionam o uso da prisão preventiva.
Já a expressão “penas alternativas” se refere às possibilidades de sanção que se apresentem como alternativas à privação de liberdade. Penas restritivas de direitos — que abrangem a prestação pecuniária, a perda de bens e valores, a prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, a interdição temporária de direitos, a limitação de fim de semana — e a pena de multa são penas alternativas.
O art. 45, § 1º., do Código Penal, define a prestação pecuniária: “A prestação pecuniária consiste no pagamento em dinheiro à vítima, a seus dependentes ou a entidade pública ou privada com destinação social, de importância fixada pelo juiz, não inferior a 1 (um) salário mínimo nem superior a 360 (trezentos e sessenta) salários mínimos. O valor pago será deduzido do montante de eventual condenação em ação de reparação civil, se coincidentes os beneficiários”.
Quanto à prescrição, é possível conceituá-la como a perda do poder do Estado de punir ou de executar uma punição já estabelecida em razão de não ter agido nos prazos previstos em lei. No primeiro caso, falamos da prescrição da pretensão punitiva; no segundo caso, falamos da prescrição da pretensão executória. É desta última que tratamos no presente artigo. Qual é o marco inicial da prescrição da pretensão executória quando a pena é de prestação pecuniária? Há marco interruptivo da prescrição executória nesse tipo de pena restritiva de direitos?
Quando menciona a prescrição da pretensão executória, o Código Penal estabelece que ela começa a correr “do dia em que transita em julgado a sentença condenatória, para a acusação” (art. 112, inciso I). No entanto, se a exibigibilidade da sentença condenatória em relação ao acusado que responde ao processo em liberdade só se dá com a definitividade da sentença (trânsito em julgado), o enunciado do Código Penal só admite intelecção que aponte para a definitividade da condenação para ambas as partes (e não apenas para a acusação). Trata-se de uma consequência inafastável da compreensão estabelecida pelo Supremo Tribunal Federal (STF), por seu plenário, no julgamento das ADCs 43, 44 e 53 em 7/11/2019. É dizer: essa (re)leitura do inciso I do art. 112 do CP decorre da compreensão de que o cumprimento da pena só se torna exigível do condenado após o trânsito em julgado da condenação.
Nesse sentido, o plenário do STF já decidiu o seguinte: “A prescrição da pretensão executória, no que pressupõe quadro a revelar a possibilidade de execução da pena, tem como marco inicial o trânsito em julgado, para ambas as partes, da condenação” (STF, AI 794.971 AgR, Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 19/04/2021). Recentemente, por meio de julgamento em ambiente virtual, o STF reiterou tal compreensão para assentar dissensos remanescentes na Corte: ARE 786.009 AgR-ED-EDv, Repercussão Geral Tema 788, Pleno, Rel. Min. Edson Fachin, Julgado em 12/4/2023. O Superior Tribunal de Justiça (STJ), após apresentar entendimento oscilante, encontra-se alinhado ao entendimento do STF: “O termo inicial da contagem do prazo da prescrição da pretensão executória é o trânsito em julgado para ambas as partes” (STJ, AgRg no REsp 1.983.259-PR, 3ª. Seção, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 26/10/2022).
Com o trânsito em julgado da condenação, então, a sentença se torna exigível. Mas e a prestação pecuniária? Também ela se torna exigível a partir da data do trânsito em julgado da condenação? A resposta é afirmativa.
Assim, se o trânsito em julgado da condenação para ambas as partes é o termo inicial da prescrição da pretensão executória, qual seria, então, o marco interruptivo da pena de prestação pecuniária, ou seja, quando se dá o início do cumprimento da pena (art. 117, inciso V, do CP)?
É importante fixar uma premissa que orientará a construção da resposta a essa pergunta. Não há enunciado normativo na nossa legislação que trate exatamente sobre o modo de execução da pena restritiva de direitos consistente na prestação pecuniária ou sobre eventual marco interruptivo da prescrição da pretensão executória. A explicação para essa aparente omissão reside na sucessão de leis no tempo que promoveram modificações tanto no Código Penal quanto na Lei de Execução Penal.
A disciplina legal da prescrição no Código Penal decorre da reforma de 1984 promovida na parte geral do Código. O CP estabelece, igualmente, que a prescrição é interrompida pelo início ou continuação do cumprimento da pena (art. 117, inciso V). Não há como exigir do condenado o cumprimento da prestação pecuniária sem que ele tenha conhecimento do modo de implementação da prestação pecuniária. Por modo da prestação pecuniária entende-se a indicação detalhada da entidade a ser beneficiada pela prestação ou o conhecimento dos dados da vítima que se beneficiará da prestação determinada.
A Lei de Execução Penal (LEP) estabelece, para a pena alternativa de prestação de serviços, que a execução da pena se inicia a partir da data do primeiro comparecimento (art. 149, § 2º.). Mas não há enunciado similar para a prestação pecuniária. A Lei, em verdade, não diz quando se inicia o cumprimento da pena de prestação pecuniária. Vale o registro: não havia a previsão de prestação pecuniária ao tempo de edição da LEP. E o legislador, quando da previsão da prestação pecuniária no ano de 1998, por meio da Lei 9.714, não teve o cuidado ou a atenção de detalhar como se daria o início do cumprimento desse tipo de pena alternativa.
Há decisões do STJ que, diante do questionamento quanto aos marcos de prescrição da prestação pecuniária, buscam utilizar os enunciados dirigidos à prestação de serviços. A título exemplificativo: STJ, AgRg no AREsp 966.139/PR, Quinta Turma, rel. Min. Felix Fischer, julg. 20 fev. 2018; HC 141.164/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Arnaldo Esteves, julg. 9 fev. 2010. Essa compreensão, com a mais respeitosa vênia, se mostra errada. Os institutos não se equivalem quanto ao modo de execução. Aliás, a partir do reconhecimento da (aparente) lacuna normativa é que se consegue obter a resposta correta ao questionamento.
Apenas a título ilustrativo, vale lembrar que o Código Civil, quando trata da prescrição, menciona que ela não correrá enquanto não vencido o prazo (art. 199, inciso II). A lição é relevante porque, afinal, a modelagem normativa estabelecida pelo Código Civil para os atos e fatos jurídicos nada mais é que a conformação normativa dos institutos presentes na Teoria Geral do Direito.
Ademais, importante também, desde logo, diferenciar os conceitos de exigibilidade e exequibilidade. A primeira se refere ao direito de exigir o cumprimento de uma obrigação, ou seja, é o que torna a sanção exigível. A exequibilidade, por sua vez, diz respeito à capacidade de se executar uma decisão judicial, e relaciona-se ao título hábil a ser executado, uma vez liquidado e com todas as informações necessárias ao adimplemento da obrigação.
Nesse sentido, não há como o condenado adimplir a prestação pecuniária enquanto não delimitada, nos termos do § 1º do art. 45 do CP, o quantum a ser prestado e o beneficiário da prestação (inclusive com as indicações de como proceder ao pagamento ou prestação).
Tal detalhamento só se dá quando da intimação do condenado com as devidas informações para a prestação. Dito de outra forma, a pena consistente em prestação pecuniária só se torna exequível com a intimação do apenado. O paralelo exato com a prestação de serviços não se mostra adequado porque não há propriamente comparecimento, como previsto no §2º do art. 149 da LEP. Tornada exequível a prestação pecuniária, dá-se início ao cumprimento e o consequente pagamento do valor determinado pelo juízo.
A hipótese demanda a análise de quando a sanção se torna exequível pelo condenado, o que marcará o início do cumprimento da pena e consequentemente o marco interruptivo da prescrição executória.
Na prestação pecuniária, diferentemente da limitação de final de semana e da prestação de serviços, não há comparecimento. Por isso, imprestáveis as previsões do parágrafo único do art. 151 e do § 2º do art. 149 da LEP para fixar o marco interruptivo da prescrição da prestação pecuniária.
O apenado só tem como exequir a prestação depois de intimado quanto ao beneficiário e como será efetuado o pagamento (em geral, via transferência bancária, depósito ou mesmo quitação de boleto).
Aliás, incide aqui a mesma compreensão reconhecida pelo STF quando estabeleceu a leitura adequada do art. 112, inciso I, do CP: o sentido jurídico da actio nata, segundo a qual a interrupção do curso da prescrição só se torna possível com o início do cumprimento da pena, o qual só se torna exequível quando cientificado o apenado quanto ao modo de efetuar a prestação.
Assim, se a pretensão executória surge quando da definitividade da condenação, a se autorizar o início da execução pena, somente a intimação do apenado com o detalhamento para efetuar a prestação pecuniária pode materializar marco interruptivo dessa prescrição. Mostra-se imprestável, então, qualquer paralelo ou simetria com o início do cumprimento da pena de prestação de serviços à comunidade, dado que a prestação não se torna adimplível com comparecimento do apenado, mas, sim, com a comunicação ao apenado sobre como implementar a prestação imposta na condenação.
Vale anotar que constitui dever legal do apenado manter o endereço atualizado e seus dados contactáveis. Nesse sentido, veja-se que o regime legal da fiança abrange, inclusive, o cumprimento da obrigação de atender a todos os chamados processuais – inclusive aquele oriundo do cumprimento da condenação imposta. É o que estabelece o art. 344 do Código de Processo Penal (CPP): “Entender-se-á perdido, na totalidade, o valor da fiança, se, condenado, o acusado não se apresentar para o início do cumprimento da pena definitivamente imposta”. Trata-se de nota relevante porque, afinal, se já formada a culpa do acusado, com maior razão se fixa a ele o dever legal de manter seu endereço e dados para contato atualizados.
Não há espécie de pena sem marco interruptivo da prescrição executória. A razão é simples: o início do curso da prescrição executória se dá quando surge para o Estado a possibilidade de exigir o cumprimento da pena. O marco interruptivo da prescrição executória se dá justamente quando presente a exequibilidade da pena, a qual viabiliza a sua efetivação, por ação do apenado (voluntária ou coercitiva, como ocorre no caso de necessidade de expedição de mandado de prisão para início do cumprimento da pena). É a diferença entre o momento de exigibilidade e o momento da exequibilidade da reprimenda, seguida da efetivação, que justifica a existência dos marcos interruptivos da pretensão executória.
Desse modo, tem-se que a prestação pecuniária passa a ser exigível do sentenciado quando a condenação se torna definitiva, isto é, quando ocorre o trânsito em julgado da sentença condenatória (art. 112, inciso I, do CP). Nesse momento, inclusive, tem início o curso da prescrição executória. E o marco interruptivo da prescrição da pretensão executória, na pena de prestação pecuniária, ocorre quando o apenado é intimado e, enfim, toma conhecimento das informações necessárias ao implemento da prestação, isto é, quando cientificado do modo de implemento da pena alternativa que lhe foi imposta.