O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 635659, definiu que a posse de maconha para consumo próprio não constitui crime. Contudo, a mesma conduta ainda é considerada ilícito administrativo, não havendo que se falar em legalização ou liberação da maconha para uso.
A tese fixada trouxe como parâmetro a quantidade de 40 gramas ou 6 plantas fêmeas. Até 40 gramas, há uma presunção relativa de que se está diante de uma situação de posse para consumo, atraindo a incidência de sanções de natureza administrativa. Acima de 40 gramas, tem-se uma presunção relativa de situação de traficância. As peculiaridades do caso concreto determinarão a classificação do fato como crime ou não.
Dessa forma, temos um parâmetro definido pelo STF, relacionado ao que se designou como “gramatura” (definição de peso em gramas), aliado aos demais parâmetros que já definidos pelo art. 28, § 2º da Lei de Drogas, a saber: a quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente.
Nessa esteira, o STF fez questão de exemplificar no item 5 da Tese fixada, circunstâncias que devem ser analisadas no momento da abordagem do suspeito ou apreensão da droga para a definição sobre a situação de porte para uso ou para o tráfico: “5. A presunção do item anterior é relativa, não estando a autoridade policial e seus agentes impedidos de realizar a prisão em flagrante por tráfico de drogas, mesmo para quantidades inferiores ao limite acima estabelecido, quando presentes elementos que indiquem intuito de mercancia, como a forma de acondicionamento da droga, as circunstâncias da apreensão, a variedade de substâncias apreendidas, a apreensão simultânea de instrumentos como balança, registros de operações comerciais e aparelho celular contendo contatos de usuários ou traficantes;
Se antes da referida decisão havia três correntes a respeito da natureza jurídica do art. 28 da Lei de Drogas (crime, infração administrativa e infração penal sui generis), hoje não temos dúvidas de que há uma inovação jurídica – quem sabe sem precedentes – com a criação de um novo tipo legal.
Por tipo legal, leia-se uma estrutura jurídica definidora de uma conduta considerada ilícita, com previsão da respectiva sanção, o que atende ao Princípio da Legalidade. Esse tipo legal pode definir uma conduta proibida nos âmbitos administrativo, civil, penal, ou político-administrativo.
Após a decisão do STF, o art. 28 tornou-se uma nova espécie de tipo legal, pois a depender do objeto material da conduta (até 40g de maconha ou outra droga definida pela ANVISA), poderemos estar diante ou de um tipo legal administrativo ou de um tipo legal penal. Estamos, portanto, diante de um tipo legal híbrido ou tipo legal mutante, que ora se comporta como tipo sancionador de natureza administrativa, ora se manifesta como tipo sancionador de natureza criminal. Portanto, hoje, parece inadequado tratar o art. 28 como um “tipo penal”, dada a possibilidade de que estejamos a tratar, necessariamente, de uma conduta relevante para o Direito Penal.
Ainda é possível dizer que o art. 28 da Lei de Drogas trata-se de um tipo legal condicionado, pois a depender da condição (até 40 gramas de maconha ou de outro entorpecente), haverá uma mudança na sua natureza jurídica, refletindo nas suas sanções e em outros efeitos jurídicos.
É que o Supremo Tribunal realizou a descriminalização do porte para uso apenas da maconha, e não de outras drogas proscritas. Se a pessoa conduzida possuir 39 gramas de cocaína ou crack, não será aplicada a presunção relativa de que se trata de usuário. Ao contrário, tais drogas, considerados o seu volume e densidade, podem representar uma quantidade incompatível com a condição de mero usuário, incidindo o tipo penal do art. 33 da Lei de Drogas, sempre observados os critérios do art. 28, § 2º da Lei 11.343/2006.
Por isso, temos que o Supremo Tribunal Superior, a partir do julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 635659, tornou o art. 28 da Lei de Drogas um tipo legal híbrido ou mutante, havendo que se atentar para o fato de que não estamos mais diante de um tipo penal puro.