Karine Tomaz Veiga[1]
Mariana Seifert Bazzo[2]
José Maurício Conti[3]
Diogo de Assis Russo[4]
RESUMO: O artigo descreve o atual sistema de financiamento das políticas nacionais antidrogas e analisa a programação e execução orçamentárias do Fundo Nacional Antidrogas e das demais ações de prevenção à dependência química no Brasil. Para tanto, apresenta o contexto do problema, as bases legais e as normativas que direcionam recursos para o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (Lei n° 11.343/2006), além de relacionar órgãos financiadores, estruturas responsáveis, áreas de atuação e fontes de financiamento. O estudo ainda detalha as dotações no orçamento público federal no ano de 2023 e mapeia problemas que ameaçam a continuidade e eficácia das ações de tratamento, acolhimento, recuperação, apoio, mútua ajuda e reinserção social de usuários, dependentes e familiares.
PALAVRAS-CHAVE: Direito Financeiro, Política Nacional sobre Drogas, Fundo Nacional Antidrogas, Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas, Avaliação Orçamentária de Políticas Públicas.
SUMÁRIO:
1. Introdução. 2. Contexto do problema da dependência química no Brasil e no mundo: possíveis alternativas de políticas públicas. 3. Avaliação Orçamentária de Políticas Públicas Antidrogas. 3.1. O contexto do Fundo Nacional Antidrogas e o papel do Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas. 3.2 Dos elementos constitutivos dos Programas e Ações do Sistema de Financiamento das Políticas Nacionais Antidrogas. 4. Riscos e precedentes para o devido custeio das ações de prevenção à dependência química no Brasil. 5. Considerações Finais. 6. Referências.
1. INTRODUÇÃO
O sistema de políticas públicas destinadas a combater o problema da dependência química no Brasil é complexo, multi e intersetorial e, portanto, também haverá essas características em seu financiamento.
O presente estudo tem como objetivo geral descrever o atual sistema de financiamento das políticas nacionais antidrogas e analisar a programação e execução orçamentárias do Fundo Nacional Antidrogas e das demais ações de prevenção à dependência química no Brasil. São objetivos específicos da pesquisa: i. apresentar o contexto do problema da dependência química no Brasil e no mundo e identificar as bases legais e normativas que direcionam recursos para o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (Lei n° 11.343/2006); ii. relacionar os órgãos financiadores, estruturas responsáveis, áreas de atuação e fontes de financiamento das respectivas ações governamentais; iii. qualificar e quantificar as respectivas dotações no orçamento público federal no ano de 2023; e v. mapear os problemas que podem comprometer a continuidade e eficácia das ações de tratamento, acolhimento, recuperação, apoio, mútua ajuda e reinserção social de usuários, dependentes e familiares.
A pesquisa empírica adota como metodologia a análise quantitativa para verificar a programação e execução orçamentárias e a análise qualitativa para identificar gargalos normativos e estruturais.
2. CONTEXTO DO PROBLEMA DA DEPENDÊNCIA QUÍMICA NO BRASIL E NO MUNDO: POSSÍVEIS ALTERNATIVAS DE POLÍTICAS PÚBLICAS.
No final da década de 1980, o maior ponto de uso de drogas a céu aberto da Alemanha ficava em Frankfurt: na região do parque de Taunusanlage, próximo à estação ferroviária central. Ali viviam cerca de 1,5 mil dependentes de heroína, numa espécie de “Cracolândia”[5] alemã. Como tentativa de solução, o Governo alemão implementou a política pública chamada “Caminho de Frankfurt”: uma série de encontros mensais com políticos e policiais, mas também representantes de organizações de ajuda a dependentes químicos e comerciantes locais, no ano de 1988, em busca de uma solução para o problema da heroína na cidade. Trata-se de uma das possíveis políticas que veem a percepção do vício como uma doença, possibilitando a descriminalização do dependente. O exemplo alemão poderia ser um entre raras boas práticas que obtiveram sucesso considerável no atendimento de toda problemática, fenômeno historicamente antigo e com complexas e múltiplas implicações:
O consumo de substâncias psicoativas é um fenômeno histórico-cultural com implicações médicas, políticas, religiosas e econômicas (Minayo e Deslandes, 1998). Do ponto de vista histórico, sabe-se que a relação da humanidade com os psicoativos, para os quais utilizaremos aqui também a denominação genérica drogas, é um fenômeno antigo e persistente: com exceção de populações habitantes de zonas árticas, completamente desprovidas de vegetação, não há um só grupo humano que não tenha se relacionado com substâncias psicoativas (Escohotado, 1998). As motivações existentes para o estabelecimento de uma relação tão prolongada foram diversas: a busca do prazer, o alívio de preocupações e tensões, o controle do humor e a expansão da consciência, com alteração de seus estados ordinários (Filev, 2015). Chama a atenção, contudo, que, apesar de o consumo sistemático de psicoativos ser uma prática constatada desde tempos remotos, tenha sido somente ao longo do século XX que o uso de algumas dessas substâncias consolidou-se como um campo de atenção, debate e preocupação social e de Estado (Fiore, 2008). Foi a partir deste momento que, elevada ao patamar de questão social, a problemática das drogas passou a ser balizada por três formações discursivas fundamentais: a medicalização, a criminalização e a moralização (ibidem).[6]
Em regra, predominam formas específicas de atuação do Estado no que se refere à problemática das drogas por meio da ideia de que devem ser proibidas. Entre marcos internacionais dessa forma de abordagem, em 1961, redigiu-se a Convenção Única sobre Entorpecentes, da Organização das Nações Unidas (ONU). Devidamente ratificada pelo Brasil pelo Decreto n° 54.216/64, extrai-se do preâmbulo do documento:
As Partes, Preocupadas com a saúde física e moral da humanidade, Reconhecendo que o uso médico dos entorpecentes continua indispensável para o alívio da dor e do sofrimento e que medidas adequadas devem ser tomadas para garantir a disponibilidade de entorpecentes para tais fins, Reconhecendo que a toxicomania é um grave mal para o indivíduo e constitui um perigo social e econômico para a humanidade, Conscientes de seu dever de prevenir e combater esse mal. Considerando que as medias contra o uso indébito de entorpecentes, para serem eficazes, exigem uma ação conjunta e universal. Julgando que essa atuação universal exige uma cooperação internacional, orientada por princípios idênticos e objetivos comuns, Reconhecendo a competência das Nações Unidas em matéria de controle de entorpecentes e desejosas de que os órgãos internacionais a ele afetos estejam enquadrados nessa Organização, Desejando concluir uma convenção internacional que tenha aceitação geral e venha substituir os tratados existentes sobre entorpecentes, limitando-se nela o uso dessas substâncias a fins médicos e científicos e estabelecendo uma cooperação e uma fiscalização internacionais permanentes para a consecução de tais finalidades e objetivos.
O grande argumento para que se proíbam as drogas são os males causados à saúde, o que não deveria ser somente uma escolha do indivíduo, tendo em visto a repercussão social da problemática.
O ideário de guerra às drogas, ou seja, o proibicionismo, contudo, é bastante criticado por diversos autores que entendem haver crenças do senso comum acerca das substâncias psicoativas ilícitas, o que impediria uma correta construção das políticas pertinentes:
Contidas no ideário de guerra às drogas e no paradigma proibicionista encontram-se concepções que se relacionam aos resultados esperados das políticas de proibição de determinadas drogas. Faria (2017) destaca, a esse respeito, o ideal de que as drogas ilegais e seu uso podem e devem ser erradicados, bem como o incentivo a modalidades de encarceramento – criminal ou sanitário – como uma solução para a problemática das drogas. Da mesma forma, vigora o entendimento de que a atuação ideal do Estado para combater as drogas é criminalizar tanto a sua circulação quanto o seu consumo (Fiore, 2012). Há, além disso, a concepção de que a proibição das drogas resultaria em uma proteção ao bem jurídico da saúde pública (Taffarello, 2009).[7]
Também Carl HART disserta sobre a insuficiência do proibicionismo a partir da figura do “profissional responsável usuário”:
Escrevi esse livro para apresentar uma imagem mais realista do típico usuário de drogas: um profissional responsável que ocasionalmente usa drogas em sua busca pela felicidade. Além disso, queria lembrar ao público que nenhum governo benevolente deveria proibir adultos autônomos de alterar seus estados de consciência, a menos que com isso violem os direitos de outras pessoas[8].
Nos últimos anos, estudo do IPEA alerta que:
(…) o quase consenso internacional em torno destas medidas vem se desmanchando e Estados nacionais (como Portugal, Espanha, Uruguai e Canadá) e subnacionais (todos eles constituintes da maior república norte-americana, os Estados Unidos) vêm revendo suas políticas de controle de SPAs, até então proibidas, no sentido de descriminalizá-las e de cuidar de forma mais humanitária daqueles que porventura sofrem de prejuízos decorrentes do seu uso. É fato que cresce, em foros internacionais, a percepção de que a guerra às drogas já teria sido perdida, uma vez que esta não resultou na redução do consumo daquelas substâncias, ao passo que favoreceu a escalada da violência em diversos países. Evidência desta nova tendência foi a realização, em 2016, de sessão especial da Assembleia-Geral das Nações Unidas sobre o Problema Mundial das Drogas (UNGASS), cuja pauta era exatamente a revisão dos sistemas internacionais de controle de drogas. Esses eventos têm repercutido no Brasil, onde diversos e relevantes atores sociais – entre eles profissionais de saúde e agentes do sistema de justiça e segurança pública – declaram, cada vez mais abertamente, suas críticas ao proibicionismo rigoroso referente ao uso, à comercialização e à produção de tais substâncias[9].
Ainda que existentes as referidas críticas, o predomínio do paradigma do punitivismo se verifica na maior parte do mundo.
No Brasil, verifica-se uma ampla evolução legislativa iniciada a partir dos pressupostos da Convenção Internacional do Ópio (Haia, 1912), com o Decreto-Lei
n° 891/1938, que consolidou ações de prevenção, tratamento e repressão de drogas no país. Referida norma foi alterada pela Lei n° 6.368/1976, que dispôs sobre medidas de prevenção e repressão ao tráfico ilícito e uso indevido de substâncias entorpecentes ou que causem dependência física ou psíquica, principalmente no sentido de indicar diversos tipos penais relacionados ao tema.
Em 1980, o Decreto n° 85.110 instituiu o Sistema Nacional de Prevenção, Fiscalização e Repressão de Entorpecentes e normatizou o Conselho Federal de Entorpecentes (CONFEN).
Em 1986, por meio da Lei nº. 7.560, foi criado o Fundo de Prevenção, Recuperação e de Combate às Drogas de Abuso (FUNCAB) e foram estabelecidas regras sobre os bens apreendidos e adquiridos com produtos de tráfico ilícito de drogas ou atividades correlatas. Atualmente esse Fundo se chama Fundo Nacional Antidrogas (FUNAD).
Em 1993, foi criada, no âmbito do Ministério da Justiça, a Secretaria Federal de Entorpecentes, órgão de supervisão técnica das atividades de prevenção, fiscalização e repressão ao uso indevido de produtos e substâncias entorpecentes ou que determinem dependência física ou psíquica, buscando dar estrutura para a organização do Sistema Nacional de Prevenção, Fiscalização e Repressão de Entorpecentes.
Em 1998, o Conselho Federal de Entorpecentes (CONFEN) foi transformado no Conselho Nacional Antidrogas (CONAD) e, na mesma oportunidade, foi criada a Secretaria Nacional Antidrogas (SENAD). Ambos os órgãos deixaram de ser vinculados ao Ministério da Justiça e passaram para a Casa Militar da Presidência da República.
Em 2001, sobreveio a Lei nº 10.216 que, alterando a lógica do cuidado psiquiátrico, objetivou a desinstitucionalização das pessoas com transtornos mentais (incluindo-se àquelas em situação de abuso de substâncias entorpecentes). O ato normativo procurou superar o paradigma dos hospitais psiquiátricos que, como instituições totais por natureza, funcionavam na lógica de privação de liberdade, como foi o caso do Hospital Colônia de Barbacena, retratado pela jornalista Daniela Arbex em seu livro “Holocausto brasileiro”:
Desde o início do século XX, a falta de critério médico para as internações era rotina no lugar onde se padronizava tudo, inclusive os diagnósticos. Maria de Jesus, brasileira de apenas vinte e três anos, teve o Colônia como destino, em 1911, porque apresentava tristeza como sintoma. Assim como ela, a estimativa é que 70% dos atendidos não sofressem de doença mental. Apenas eram diferentes ou ameaçavam a ordem pública. Por isso, o Colônia tornou-se destina de desafetos, homossexuais, militantes políticos, mães solteiras, alcoolistas, mendigos, negros, pobres, pessoas sem documentos e todos os tipos de indesejados, inclusive os chamados insanos. A teoria eugenista, que sustentava a ideia de limpeza social, fortalecia o hospital e justificava seus abusos. Livrar a sociedade da escória, desfazendo-se dela, de preferência em local que a vista não pudesse alcançar[10]
Em 2002, foi instituído, pela primeira vez, um documento com a síntese da política de drogas, denominado de Política Nacional Antidrogas (PNAD), por meio do Decreto
nº 4.345/2002. Também é desse ano a Lei n° 10.409/2002, que fez uma série de modificações na antiga Lei n° 6.368/1976.
Em 2006, foi aprovada a Lei n° 11.343/2006 que instituiu o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (SISNAD) e prescreveu medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas, em consonância com a política sobre drogas vigente. No mesmo ano, o Decreto n° 5.912/2006 regulamentou as competências dos Órgãos do Poder Executivo no que se refere à temática.
Em 2008, foi editada a Lei n° 11.754 por meio da qual o Conselho Nacional Antidrogas passou a se chamar Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas (CONAD). A nova Lei também alterou o nome da Secretaria Nacional Antidrogas para Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (SENAD).
Em janeiro de 2011, a SENAD retornou do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República para o Ministério da Justiça, a fim de potencializar a articulação das ações da redução de demanda da oferta de drogas, que priorizam o enfrentamento ao tráfico de ilícitos.
Mais recentemente, a Portaria Interministerial n° 2, de 21 de dezembro de 2017 criou o Comitê Gestor Interministerial com o objetivo de coordenar ações de prevenção, pesquisa, cuidados, formação e reinserção social no âmbito do governo federal, sendo composto, originalmente, pelos Ministérios da Justiça, Trabalho, Saúde e Desenvolvimento Social e Agrário.
A grande transformação legislativa, contudo, em sede de prevenção da dependência em drogas ilícitas no Brasil foi em 2019, quando editado o Decreto n° 9.761/2019, que regulamenta a Política Nacional sobre Drogas. Após colocado em consulta para a população, o Plano Nacional de Políticas sobre Drogas (PLANAD) evidencia transversalidade e complexidade da política específica, a partir de diversos serviços públicos de maneira integrada, como os de saúde, assistência social, segurança pública, justiça, educação, trabalho, dentre outros[11]. Ademais, trata-se de ação dividida entre todos os entes federados: União, Estados, Distrito Federal e Municípios.
Como obrigação da União prevista na Lei nº 11.343/2006 (art. 8º-A, inciso II), por força do Decreto nº 9.926/2019, o Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas é o responsável pela aprovação do PLANAD, pelo acompanhamento de sua execução e pela sua reformulação. A Resolução nº 02/2020 do Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas estabeleceu a metodologia de planejamento, monitoramento e avaliação do PLANAD e aprovou seu Guia Metodológico, o qual é baseado em documentos de boas práticas governamentais:
O Planad tem como foco a solução dos problemas centrais da política sobre drogas e das suas causas, organizando sua intervenção sobre cinco eixos: i) prevenção; ii) tratamento, cuidado e reinserção social; iii) redução da oferta; iv) gestão, governança e integração; e v) pesquisa e avaliação. Deste modo, um de seus objetivos é promover a interdisciplinaridade e a integração dos programas, ações, atividades e projetos dos órgãos e entidades públicas e privadas nas áreas de saúde, educação, trabalho, assistência social, previdência social, habitação, cultura, desporto e lazer, visando à prevenção do uso de álcool, tabaco e outras drogas, atenção e reinserção social dos usuários ou dependentes de drogas.[12]
Sobre a celeuma antes descrita, entre tendências acerca de maior ou menor rigor na punição de uso/tráfico de drogas ilícitas, necessário expor o que, invariavelmente, ou seja, independentemente do plano a ser estabelecido, são consideradas, atualmente, diretrizes de atendimento a pessoas em tal situação de vulnerabilidade.
A Lei n° 11.343/2006, a partir das modificações da Lei n° 13.840/2019, trouxe dispositivos muito mais focados na recuperação do indivíduo, com foco no apenamento de condutas criminosas e, inclusive, evitando a internação de dependentes químicos.
Nesse cenário, e à luz do sistema de direitos e garantias da Lei Antimanicomial
(Lei nº 10.216/2001), observam-se ainda os equipamentos conhecidos como comunidades terapêuticas. Elas são instituições de interesse da saúde, que prestam serviços de atenção a pessoas com transtornos decorrentes do uso, abuso ou dependência de substâncias psicoativas (SPA), em regime de residência, com permanência voluntária e que utilizam como principal instrumento terapêutico a convivência entre os pares, nelas não podendo ser administrados medicamentos psicotrópicos em sua terapêutica. A Lei de Drogas ainda traça características para o acolhimento de usuários nesse tipo de equipamento no art. 26-A.
Feito o resgate histórico e dadas as ênfases acima, estabelecem-se as seguintes normativas[13]resumidas como orientadoras da análise orçamentária exposta no presente trabalho:
Período | Instrumento | Possíveis impactos |
2006 | Lei n° 11.343, de 23 de agosto. Institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (Sisnad). | Prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas e define crimes. Proíbe ainda, em todo o território nacional, as drogas, bem como o plantio, a cultura, a colheita e a exploração de vegetais e substratos dos quais possam ser extraídas ou produzidas drogas, ressalvada a hipótese de autorização legal ou regulamentar. |
2019 | Decreto n° 9.761, de 11 de abril. Aprova a Política Nacional sobre Drogas (Pnad). | Orienta acerca dos pressupostos, dos objetivos da Política nacional sobre Drogas. Esclarece que a execução da Pnad, no campo da prevenção, deve ser realizada nos níveis federal, estadual, distrital e municipal, com o apoio dos conselhos nacional, estaduais, distrital e municipais de políticas públicas sobre drogas e da sociedade civil organizada, em respeito às peculiaridades locais e com a priorização das comunidades mais vulneráveis, identificadas por diagnósticos. Estabelece ainda as diretrizes para a prevenção e para o tratamento, o acolhimento, a recuperação, o apoio, a mútua ajuda e a reinserção social, apoiada técnica e financeiramente pelos órgãos da administração pública. |
3. AVALIAÇÃO ORÇAMENTÁRIA DE POLÍTICAS PÚBLICAS ANTIDROGA
Na sequência, com o objetivo de identificar os órgãos financiadores, as estruturas responsáveis, as áreas de atuação e as fontes de financiamento dos programas e ações governamentais das políticas nacionais antidrogas autorizadas para o exercício de 2023 no orçamento federal, todos os elementos constitutivos serão apresentados, a partir da extração e análise dos dados oficiais do Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento (SIOP).
3.1 O contexto do Fundo Nacional Antidrogas e o papel do Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas
O Fundo Nacional Antidrogas foi criado em 1986, por meio da Lei n° 7.560, de 19 de dezembro. Originariamente denominado Fundo de Prevenção, Recuperação e de Combate às Drogas de Abuso foi depois atualizado por meio da Lei n° 13.886/2019. Atualmente, encontra-se vinculado ao órgão Ministério da Justiça e Segurança Pública e é gerido pela Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas.
Com base na legislação, são recursos do Fundo:
Art. 2º Constituem recursos do FUNAD:
I – dotações específicas estabelecidas no orçamento da União;
II – doações de organismos ou entidades nacionais, internacionais ou estrangeiras, bem como de pessoas físicas ou jurídicas nacionais ou estrangeiras;
III – recursos provenientes da alienação dos bens de que trata o art. 4º desta lei;
IV – recursos provenientes de emolumentos e multas, arrecadados no controle e fiscalização de drogas e medicamentos controlados, bem como de produtos químicos utilizados no fabrico e transformação de drogas de abuso;
V – recursos de outras origens, inclusive os provenientes de financiamentos externos e internos;
VI – recursos oriundos do perdimento em favor da União dos bens, direitos e valores objeto do crime de tráfico ilícito de substâncias entorpecentes ou drogas afins, previsto no inciso I do art. 1o da Lei no 9.613, de 3 de março de 1998.
VII – rendimentos de qualquer natureza decorrentes de aplicação do patrimônio do FUNAD, incluídos os auferidos como remuneração.
Parágrafo único. Os saldos verificados no final de cada exercício são automaticamente transferidos para o exercício seguinte, a crédito do FUNAD. […]
Art. 4º Qualquer bem de valor econômico, apreendido ou sequestrado em decorrência do tráfico de drogas de abuso, ou de qualquer forma utilizado em atividades ilícitas de produção ou comercialização de drogas abusivas, ou, ainda, que haja sido adquirido com recursos provenientes do referido tráfico, e perdido em favor da União, constitui recurso do FUNAD, ressalvados os direitos do lesado ou de terceiro de boa-fé.
De acordo com o Art. 3º, as doações em favor do FUNAD, quando efetuadas por pessoas físicas ou jurídicas declarantes do Imposto de Renda nos termos da legislação em vigor, poderão ser dedutíveis da base de cálculo de incidência, desde que comprovado o recebimento pelo Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas.
Assim, são políticas passíveis de serem custeadas com recursos do FUNAD:
Art. 5° Os recursos do FUNAD serão destinados
I – aos programas de formação profissional sobre educação, prevenção, tratamento, recuperação, repressão, controle e fiscalização do uso e tráfico de drogas;
II – aos programas de educação técnico-científica preventiva sobre o uso de drogas;
III – aos programas de esclarecimento ao público, incluídas campanhas educativas e de ação comunitária;
IV – às organizações que desenvolvem atividades específicas de tratamento e recuperação de usuários;
V – ao reaparelhamento e custeio das atividades de fiscalização, controle e repressão ao uso e tráfico ilícitos de drogas e produtos controlados;
VI – ao pagamento das cotas de participação a que o Brasil esteja obrigado como membro de organismos internacionais ou regionais que se dediquem às questões de drogas;
VII – aos custos de sua própria gestão e para o custeio de despesas decorrentes do cumprimento de atribuições da SENAD;
VIII – ao pagamento do resgate dos certificados de emissão do Tesouro Nacional que caucionaram recursos transferidos para a conta do FUNAD;
IX – ao custeio das despesas relativas ao cumprimento das atribuições e às ações do Conselho de Controle de Atividades Financeiras – COAF, no combate aos crimes de “lavagem” ou ocultação de bens, direitos e valores, previstos na Lei no 9.613, de 1998, até o limite da disponibilidade da receita decorrente do inciso VI do art. 2o.
X – às entidades governamentais e não governamentais integrantes do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase).
§ 1º Deverá ser disponibilizado para as polícias estaduais e distrital, responsáveis pela apreensão do bem móvel ou pelo evento que der origem a sequestro de bem imóvel a que se refere o art. 4º desta Lei, percentual de 20% (vinte por cento) a 40% (quarenta por cento) dos recursos provenientes da alienação dos respectivos bens, a título de transferência voluntária, desde que os referidos órgãos:
I – demonstrem a existência de estruturas orgânicas destinadas à gestão de ativos apreendidos nas unidades federativas, capazes de auxiliar no controle e na alienação de bens apreendidos e na efetivação de suas destinações; e
II – estejam regulares com o fornecimento dos dados estatísticos previstos no art. 17 da Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006
§ 2º Os critérios e as condições que deverão ser observados na aplicação dos recursos prevista no § 1º deste artigo, o instrumento específico de adesão para viabilizar a transferência voluntária e os instrumentos de fiscalização deverão ser estabelecidos em regulamento específico do Ministério da Justiça e Segurança Pública.
§ 3º Deverá ser disponibilizado para a Polícia Federal e a Polícia Rodoviária Federal, do Ministério da Justiça e Segurança Pública, responsáveis pela apreensão do bem móvel ou pelo evento que der origem a sequestro de bem imóvel a que se refere o art. 4º desta Lei, percentual de até 40% (quarenta por cento) dos recursos provenientes da alienação dos respectivos bens.
§ 4º O percentual a que se refere o § 3º deste artigo será definido em regulamento específico do Ministério da Justiça e Segurança Pública, que também disporá sobre os critérios e as condições que deverão ser observados na sua aplicação.
De outro modo, o Portal FUNAD em números[14], mantido pela SENAD, esclarece que o monitoramento das receitas do Fundo ocorrerá por código de recolhimento, organizados da seguinte forma:
· taxa de controle e fiscalização de produtos químicos: receitas de taxa no controle e fiscalização de drogas e medicamentos controlados, bem como de produtos químicos utilizados no fabrico e transformação de drogas de abuso (emissão de registro cadastral, licença de funcionamento e autorização especial, por exemplo);
· alienação de bens apreendidos: receitas oriundas da venda de bens declarados perdidos em favor do FUNAD;
· numerário apreendido: receita oriunda da decretação do perdimento definitivo de numerários apreendidos oriundos do crime de tráfico de drogas;
· tutela cautelar: receitas oriundas da alienação antecipada de bens apreendidos em crimes de tráfico de drogas;
· medidas socioeducativas: multas para garantia de medidas educativas relacionadas ao crime de aquisição, guarda, depósito, transporte e porte de drogas para consumo pessoal;
· multa por auto de infração: receita de multas aplicadas pelo Departamento de Polícia Federal às empresas que comercializam produtos precursores de drogas ou que deixam de cumprir prescrições legais relacionadas com a atividade.
Sobre o total de recursos arrecadados, entre 2017 e 2023, o Fundo Nacional Antidrogas recebeu R$ 983,065 milhões em receitas, demonstradas[15] a seguir nos seus totais:
Ano | Arrecadação |
2017 | 43.297.928,06 |
2018 | 44.625.970,20 |
2019 | 91.736.648,68 |
2020 | 138.421.179,93 |
2021 | 142.596.467,12 |
2022 | 224.290.018,00 |
2023 | 298.097.724,66 |
Total | 983.065.936,65 |
Quanto ao valor programado para execução pela Unidade Orçamentária 30912 – Fundo Nacional Antidrogas em 2023, a Lei Orçamentária destacou tão somente R$ 171,015 milhões, de acordo com as seguintes classificações qualitativas e quantitativas que serão detalhadas em tópico específico neste estudo:
Fonte: Anexo IV da LOA (2023).
Fonte: Anexo IV da LOA (2023).
Ademais, compete à SENAD, portanto, garantir a aplicação da justiça por meio da transformação dos bens apreendidos em razão da prática de crimes em políticas sobre drogas e promover a ordem jurídica com a gestão de ativos e a prevenção do uso indevido, a atenção e a reinserção social de usuários e dependentes de drogas, a redução da oferta e a repressão da produção não autorizada e do tráfico ilícito de drogas. Sua atuação está organizada em três eixos, no âmbito da política sobre drogas: i. redução da oferta de drogas; ii. combate ao tráfico de drogas e crimes conexos; e iii. gestão dos recursos apreendidos em decorrência de atividades criminosas relacionadas às drogas e crimes conexos. A SENAD exerce ainda a função de Secretaria Executiva do Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas, cujo presidente é o Ministro de Estado da Justiça e Segurança Pública.
Já o Conselho, com base no Art. 2° do Decreto n° 11.480, de 6 abril de 2023, tem como competência:
Art. 2º Compete ao CONAD: I – discutir e aprovar o Plano Nacional de Políticas sobre Drogas; II – acompanhar e avaliar a gestão dos recursos do Fundo Nacional Antidrogas, por meio de solicitação de informações e elaborar recomendações aos protocolos de destinação dos bens e valores do referido Fundo; III – acompanhar e avaliar o cumprimento das diretrizes nacionais das políticas públicas sobre drogas e promover sua integração às políticas de proteção ao Estado Democrático de Direito e aos direitos humanos e ao combate e superação do racismo e de outras formas de discriminação;
IV – acompanhar e avaliar as ações de cooperação internacional firmadas pelo Governo da República Federativa do Brasil sobre drogas; V – identificar e difundir boas práticas sobre drogas para as três esferas de governo;
VI – articular com os conselhos estaduais, distrital e municipais de políticas sobre drogas; VII – articular com os conselhos participativos da administração pública federal para o monitoramento conjunto de políticas públicas e o fortalecimento da participação social; e VIII – acompanhar e se manifestar sobre proposições legislativas referentes à política sobre drogas e ao funcionamento do próprio conselho. § 1º Os órgãos e as entidades da administração pública federal prestarão as informações solicitadas pelo CONAD ou por sua Secretaria-Executiva. § 2º As ações e as metas do Plano Nacional de Políticas sobre Drogas observarão a competência legal de cada órgão e dependerão de avaliação de viabilidade técnica e orçamentária da administração pública federal. (GRIFO NOSSO)
Em 2021, a Portaria n° 152 do Ministério da Justiça e Segurança Pública definiu regras para a transferência de recursos provenientes de bens apreendidos em crimes relacionados a drogas, em favor da União. Os recursos repassados pelo FUNAD à Polícia Federal ou à Polícia Rodoviária Federal (PRF) não poderiam mais ser aplicados em despesas de pessoal, dívida ou custeio da máquina administrativa.
Ainda, acerca do Fundo, tramitou no Senado Federal, até 2022, o Projeto de Lei
n° 304/2016 que propunha alterar a Lei nº 7.560/1986, para destinar aos municípios no mínimo 70% dos recursos do Fundo Nacional Antidrogas, para financiar projetos municipalistas. Os repasses ocorreriam em parcelas semestrais e a divisão dos recursos adotaria os mesmos critérios para a distribuição do Fundo de Participação dos Munícipios (FPM). A proposta foi arquivada em dezembro de 2022.
3.2 Dos elementos constitutivos dos Programas e Ações do Sistema de Financiamento das Políticas Nacionais Antidrogas
Considerando as diretrizes estabelecidas pelo Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas e na Política Nacional sobre Drogas, os Programas de Governo (PG) e as Ações Governamentais (AG) foram rastreados nas peças orçamentárias de 2023 (Plano Plurianual (2020-2023) e Lei Orçamentária Anual de 2023), com base em critérios objetivos de seleção, mediante identificação e classificação de categorias e grupos temáticos, sendo eles:
Categoria | Grupo temático |
Prevenção e Educação | “prevenção ao uso de drogas”, “educação preventiva”, “campanhas de conscientização”, “habilidades para a vida”, “educação para a saúde”, “promoção de vínculos sociais” |
Tratamento e Reinserção Social | “tratamento de dependentes químicos”, “acolhimento”, “comunidades terapêuticas”, “reinserção social”, “apoio a dependentes”, “recuperação”, “mútua ajuda” |
Redução da Oferta e Repressão ao Tráfico | “repressão ao tráfico”, “combate ao narcotráfico”, “fiscalização”, “controle de fronteiras”, “lavagem de dinheiro”, “crime organizado”, “ações de segurança pública” |
Assim, as informações orçamentárias dos elementos constitutivos foram filtradas e isoladas, a partir das principais classificações qualitativas e quantitativas, com base nos dados oficiais extraídos diretamente do SIOP.
3.2.1 IDENTIFICAÇÃO DOS ÓRGÃOS FINANCIADORES
Considerando a classificação institucional das despesas, foram identificados os seguintes Órgãos e Unidades Orçamentárias responsáveis pela implementação dos programas e ações destinados às políticas de prevenção à dependência química no Brasil:
Fonte: SIOP (2023).
Conforme se depreende, o Departamento de Polícia Federal destaca-se por receber aumentos significativos em sua dotação, ter altos valores empenhados e uma execução financeira mais eficaz, com aproximadamente 76,23% da sua dotação atual liquidada e paga. Em contraste, o Fundo Nacional Antidrogas, além de ter sofrido uma pequena redução de recursos, apresentou uma baixa execução orçamentária, com apenas cerca de 38% da dotação empenhada e menos de 10% pago em relação à dotação atual.
De modo geral, a dotação global inicial era de R$ 1.465.384.343, reduzida para
R$ 1.145.745.033, resultando em remanejamentos na ordem de R$ -319.639.310. Essa redução reflete ajustes significativos nos recursos disponíveis, especialmente no Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, cuja dotação atualizada para políticas sobre drogas terminou o exercício com menos da metade do valor originariamente aprovado, ou seja, apresentou uma redução de R$ 398.978.633.
3.2.2 IDENTIFICAÇÃO DA ÁREA E SUBÁREA DA POLÍTICA PÚBLICA
De outro modo, a partir da classificação funcional dos programas da Política Nacional sobre Drogas vinculadas às Unidades Orçamentárias mencionadas, observou-se que as ações foram direcionadas para as seguintes áreas e subáreas, destacando-se, neste caso, aquelas voltadas à subfunção 181 – Policiamento, vinculada à função 06 – Segurança Pública, seguida da subfunção 244 – Assistência Comunitária, inserida na função 08 – Assistência Social, conforme segue:
Fonte: SIOP (2023).
A função 14 – Direitos da Cidadania no Fundo Nacional Antidrogas obteve uma execução parcial (26,57% da dotação atualizada), com um volume considerável de recursos ainda a serem liquidados ou pagos, o que pode indicar um ritmo mais lento ou dificuldades na implementação de algumas ações.
3.2.3 IDENTIFICAÇÃO DOS OBJETIVOS E FINALIDADES
De acordo com o mapeamento das políticas públicas sobre drogas no PPA (2020-2023), foi possível destacar os seguintes Programas de Governo na estrutura orçamentária federal:
- O “PG 5015 – Justiça”, enquanto programa finalístico apresentou a diretriz de
“01 – Aprimoramento da governança, da modernização do Estado e da gestão pública federal, com eficiência administrativa, transparência da ação estatal, digitalização de serviços governamentais e promoção da produtividade da estrutura administrativa do Estado”. Trouxe como agente envolvido a SENAD com a política de gestão de ativos apreendidos, com o indicador associado e meta mensurados pelas operações de recebimento e destinação de ativos perdidos em favor da União, conforme detalhado a seguir:
Fonte: PPA (2020-2023).
- Já o “PG 5016 – Segurança Pública, Combate à Corrupção, ao Crime Organizado e ao Crime Violento”, também vinculado à SENAD, trouxe como foco a diretriz “06 – Intensificação do combate à corrupção, à violência e ao crime organizado”.
- Noutra perspectiva, o “PG 5032 – Rede de Suporte Social ao Dependente Químico: Cuidados, Prevenção e Reinserção Social”[16] também apresentou causas e problemas associados ao uso de drogas por pessoas em situação de vulnerabilidade social (moradores de rua e usuários), além de dependentes de álcool e outras drogas e seus familiares. O programa trouxe como diretriz a preocupação “08 – Promoção e defesa dos direitos humanos, com foco no amparo à família”. Foram mencionados ainda os seguintes resultados intermediários (Resultados 0191 e 0141) esperados para essa política:
Fonte: PPA (2020-2023).
Fonte: PPA (2020-2023).
Ademais, outras questões associadas à drogadição também foram mencionadas para o “PG 5031 – Proteção Social no âmbito do Sistema Único de Assistência Social (SUAS)” e para o “PG 5034 – Proteção à Vida, Fortalecimento da Família, Promoção e Defesa dos Direitos Humanos para Todos”. Todavia, por razões metodológicas e por extrapolarem a questão central do Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas, tais programas não foram analisados neste estudo.
Assim, quanto à classificação programática das despesas, foram identificadas as seguintes execuções para os programas e ações componentes da Política Nacional sobre Drogas, para o exercício de 2023:
Fonte: SIOP (2023).
Para os programas e ações do Departamento da Polícia Federal (Unidade Orçamentária 30108), a ação principal “AG 2726 Prevenção e Repressão ao Tráfico Ilícito de Drogas e a Crimes Praticados contra Bens, Serviços e Interesses da União” trouxe múltiplos planos orçamentários com execuções elevadas. A maior parte dos recursos foi destinada ao “Eixo Polícia Judiciária” (R$ 134.464.410 em dotações atualizadas). Planos Orçamentários como “0005 Ações de Caráter Sigiloso na Área de Segurança Pública” e “0003 Prevenção e Repressão a Crimes no Eixo Polícia Marítima, Aeroportuária e de Fronteiras” também apresentaram execuções significativas, indicando uma priorização para a segurança em diversas frentes. Notavelmente, a dotação adicional via Medida Provisória nº 1.168 programou R$ 91.117.944 para essa unidade, mas só executou R$ 70.259.718, ou seja, 77,10%.
Para o Fundo Nacional Antidrogas (Unidade Orçamentária 30912), a ação “21BR Gestão de Ativos e Descapitalização do Crime” mostra valores substanciais empenhados para o PO “0002 Fortalecimento de Atores Estratégicos e Aperfeiçoamento de Ações”, indicando uma tentativa de estruturar ações mais estratégicas contra o tráfico de drogas. Apesar disso, apenas 16,68% de despesas foram liquidadas. Outras ações destinadas à “20IE Articulação de Política Pública sobre Drogas” incluem apoio a inovações científicas (PO 000J) e redução da oferta de drogas (PO 000H). Contudo, alguns desses planos, como a “000K Capacitação de Profissionais da Primeira Infância” e a “000J – Apoio a ações de melhoria ou de inovação científica vinculadas à Política Nacional sobre Drogas”, não tiveram qualquer execução. A ação “20R9 Redução da Demanda de Drogas” teve uma execução parcial, com apenas uma parte do montante liquidado (24,44%) e pago, possivelmente indicando dificuldades na implementação ou execução de programas de reinserção social e prevenção.
Para o Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome – Administração Direta (Unidade Orçamentária 55101), a maior parte da execução ocorreu na ação “20R9 Redução da Demanda de Drogas”, no PO 0000, com liquidação substancial de 70,71% da dotação atualizada. A execução parece focada em iniciativas sociais voltadas à prevenção e reinserção de dependentes químicos. A reserva de contingência desta unidade foi bastante reduzida, possivelmente para redirecionar recursos a outras áreas prioritárias.
Sobre os indicadores associados ao Resultado Primário, a maior parte dos recursos está classificada como “Primária discricionária” e é considerada no cálculo do Resultado Primário (RP), refletindo um comprometimento com o controle fiscal.
Ainda, os valores destinados a demandas específicas, como a dotação classificada por emendas de bancada estadual, não foram utilizados, sugerindo que esses recursos podem não ter sido ativados ou que ainda estão em processo de execução.
Para o Departamento da Polícia Federal, há uma participação significativa de emendas parlamentares, tanto individuais quanto de bancada e comissão. Embora o valor das emendas individuais (R$ 2.248.307) tenha sido considerável, uma redução para R$ 950.000 não assegurou que houvesse liquidação ou pagamento. Em contrapartida, as emendas de comissão e bancada mostram execuções parciais, com alguns valores pagos.
Fonte: SIOP (2023).
Para o Fundo Nacional Antidrogas, o programa “PG 5015 Justiça” e “PG 5016 Segurança Pública, Combate à Corrupção, ao Crime Organizado e ao Crime Violento” tiveram execuções mais elevadas, com dotações ajustadas e valores significativos empenhados, liquidados e pagos. Emendas individuais e de comissão também aparecem, com algumas execuções parciais e outras sem execução.
Fonte: SIOP (2023).
Acerca da “Articulação da Política Pública sobre Drogas” (Ação 20IE), a execução nacional teve uma relativa dotação e empenho, com R$ 18.376.977, mas obteve baixa liquidação e pagamento, respectivamente, R$ 5.650.689 e R$ 3.298.945.
3.2.4 IDENTIFICAÇÃO DAS FONTES DE FINANCIAMENTO
No mesmo sentido, são fontes de financiamento das políticas públicas sobre drogas, de acordo com a Lei Orçamentária Anual de 2023 (Lei n° 14.535, de 17 de janeiro de 2023):
- FR 1000 – Recursos Livres da União;
- FR 1002 – Atividades-fim da Seguridade Social;
- FR 1003 – Recursos da UO para Aplicação na Seguridade Social;
- FR 1019 – Fundo para Aparelhamento e Operacionalização das Atividades-Fim da Polícia Federal (FUNAPOL);
- FR 1025 – Reaparelhamento e Custeio das Atividades de Controle e Fiscalização de Produtos Químicos e de Repressão ao Tráfico;
- FR 1050 – Recursos Próprios Livres da UO;
- FR 1052 – Recursos Livres da UO; e
- FR 1444 – Demais aplicações autorizadas para recursos oriundos de títulos do Tesouro Nacional, excetuado o refinanciamento da Dívida Pública.
- FR 8444 – Demais aplicações autorizadas para recursos oriundos de títulos do Tesouro Nacional, excetuado o refinanciamento.
Quanto à execução por fonte de recurso de cada Unidade Orçamentária, observa-se uma preponderância no custeio a partir da liquidação das fontes FR 1019, FR 1444 e FR 1002:
Fonte: SIOP (2023).
Quanto à arrecadação específica de receitas pelo Fundo Nacional Antidrogas, em 2023, conforme mencionado anteriormente, o Portal FUNAD em números evidenciou a arrecadação de R$ 224,290 milhões em 2022 e de R$ 298,097 milhões em 2023. Sobre essa questão, apesar do volume arrecadado, merece destaque o total programado para execução orçamentária do Fundo, em 2023, com apenas R$ 171,015 milhões autorizados, não tendo sofrido qualquer acréscimo de recursos via abertura de crédito adicional no decorrer do exercício. Diante de tais números, resta esclarecer: O que está sendo feito com o superávit financeiro do Fundo? Qual o saldo real dos recursos arrecadados e não programados no orçamento federal, portanto, valores recebidos e não executados?
3.2.5 IDENTIFICAÇÃO DA NATUREZA DA DESPESA
Sobre a identificação por natureza, as mesmas despesas destinadas às ações das políticas sobre drogas também foram classificadas quanto à categoria econômica, ao grupo da despesa, à modalidade de aplicação e ao elemento. Do total de despesas liquidadas, 79,74% foram destinados para despesas correntes (R$ 448,632 milhões) e 20,26% para despesas de capital (R$ 113,957 milhões).
Quanto ao grupo, o maior volume de despesas liquidadas foi registrado no Departamento de Polícia Federal, com dotação inicial de R$ 375.178.971 e execução de
R$ 272.381.375 de gastos liquidados no GD 3 – Outras Despesas Correntes. Ainda, para a mesma Unidade Orçamentária, o valor destinado a investimentos aumentou significativamente de R$ 99.726.891 para R$ 216.050.821, tendo executado apenas R$ 96.398.670.
Fonte: SIOP (2023).
A dotação do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome – Administração Direta atualizada, após reduções, foi para R$ 222.897.252 e teve uma execução de R$ 160.409.689 liquidados e R$ 158.765.132 pagos. Este grupo reflete o compromisso com despesas operacionais e de manutenção.
Acerca da modalidade de aplicação, praticamente as ações foram custeadas, em regra, via aplicação direta (Modalidade 90), até mesmo pelo próprio Fundo Nacional Antidrogas.
Fonte: SIOP (2023).
Com base na programação, demonstra-se ainda que há um esforço para transferir recursos a estados, municípios e instituições privadas sem fins lucrativos para ações de combate às drogas, embora nem todos os valores planejados tenham sido executados completamente.
Por fim, considerando o elemento da despesa, a partir das despesas liquidadas por todas as Unidades Orçamentárias avaliadas (UO 55101, UO 30912 e UO 30108), a análise da execução revelou que os principais gastos estão concentrados no pagamento de Diárias no país (Elemento 3.3.90.14.14), seguido de Serviços de Assistência Social (Elemento 3.3.90.39.53). Os dados explicam uma alta prioridade em mobilidade e logística, com despesas associadas a itens como diárias, passagens, veículos e aeronaves, elucidando a importância da locomoção para o cumprimento de atividades relacionadas às políticas sobre drogas. Outra percepção aponta para investimentos em tecnologia e segurança, com alocação de recursos no desenvolvimento e manutenção de softwares, infraestruturas de TIC e equipamentos de proteção.
Adotando a metodologia de Análise de Pareto (Princípio 80/20), ficou constatado que aproximadamente 79,74% dos gastos advêm das 20 (vinte) maiores classificações de despesas. Tal circunstância confirma quais são os fatores críticos dessa política e possibilita concentrar esforços nos itens mais impactantes. Assim, de acordo com a execução orçamentária, houve maior comprometimento dos recursos nas seguintes naturezas de despesas:
Fonte: SIOP (2023).
Diante do exposto, o capítulo reforça a importância de uma gestão orçamentária focada nos principais fatores de custo e sobre a necessidade de análises detalhadas e periódicas, acerca de todos os indicadores financeiros programas e ações do Sistema de Financiamento das Políticas Nacionais Antidrogas. Além disso, o rastreamento e a categorização de todas as despesas classificadas de acordo com a pertinência temática permitiram a criação de uma base sólida para controle e discussão acadêmica, em especial, quanto às principais decisões tomadas (não alocação, remanejamento ou contingenciamento), proporcionando uma visão mais abrangente dos esforços orçamentários destinados ao combate às drogas.
Ao isolar os dados, de acordo com as principais classificações qualitativas e quantitativas, foi possível alinhar os objetivos das políticas antidrogas com a realidade carente de orçamento suficiente e adequado no exercício financeiro de 2023. Dessa forma, permanece relevante que os recursos destinados ao Sistema de Financiamento das Políticas Nacionais Antidrogas sejam efetivamente aplicados, em respeito à programação originária aprovada na Lei Orçamentária Anual.
4. RISCOS E PRECEDENTES PARA O DEVIDO CUSTEIO DAS AÇÕES DE PREVENÇÃO À DEPENDÊNCIA QUÍMICA NO BRASIL.
Tomando como referência diferentes auditorias realizadas no âmbito federal, pelo Tribunal de Contas da União (Acórdãos n.360/2012, 541/2020 e 280/2020), é possível dimensionar os riscos envolvidos na implementação das ações do Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas. Como tema central, percebe-se o Fundo Nacional Antidrogas no foco das principais dificuldades encontradas.
Em 2012, a Corte de Contas nacional evidenciou a dificuldade em leiloar bens apreendidos de traficantes. Dos 7.214 bens com valor econômico, alguns retidos há mais de 20 anos, 40% (2.889 bens) ainda aguardavam leilão, com uma espera média de seis anos. Perdas de valor por depreciação foram apontadas, o que reduz a arrecadação destinada às ações de combate às drogas e ao tratamento de dependentes. Dentre as recomendações, o TCU sugeriu, em síntese, que o Ministério da Justiça ampliasse o quadro de servidores destacados para a função e que o Conselho Nacional de Justiça estruturasse o gerenciamento dos leilões dos bens apreendidos. Em termos orçamentários, especificamente recomendou, a partir da questão de auditoria apontada “Que fatores limitam a gestão orçamentária e financeira do Fundo Nacional Antidrogas?”:
9.3. Recomendar ao Ministério da Justiça que avalie: […]
9.3.1. a possibilidade de encaminhamento ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão de proposta de criação de ação orçamentária específica para a execução da Operação Sentinela, de modo que a operação passe a contar com recursos próprios e suficientes para suas ações.
Na mesma auditoria operacional, restou evidenciado que o Fundo Nacional Antidrogas vinha sofrendo contingenciamentos em torno de 22% nos últimos anos, o que comprometia a implementação das ações constantes no Plano de Enfrentamento ao Crack e outras Drogas, apesar da Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2010 (Lei n° 12.309/2010) vedar qualquer contingenciamento nas ações desse plano:
[…] o percentual de execução orçamentária era relativamente alto até o ano de 2008. Em 2009 esse percentual caiu para 63%. Contudo, analisando-se em relação aos créditos efetivamente disponíveis para execução, ou seja, os créditos não contingenciados, o percentual de execução orçamentária naquele ano alcançou o patamar de 99%, mesmo percentual alcançado em 2008. Cabe destacar, ainda, que o Fundo executou em 2009, além dos recursos acima relacionados, cerca de R$ 3,4 milhões oriundos do Ministério da Justiça.
O orçamento consignado ao FUNAD em 2010 foi de mais de R$ 130 milhões, o que representou um aumento de quase 665%. Contudo, o Fundo possui apenas R$ 12,6 milhões de créditos não contingenciados, ou seja, disponíveis para serem executados ou transferidos. O incremento orçamentário foi causado por recursos provenientes do Plano de Enfrentamento ao Crack e Outras Drogas, instituído pelo Governo Federal em maio de 2010. Esses recursos são destinados a várias finalidades, entre elas a criação de mais leitos em hospitais gerais para tratamento de usuários e dependentes de drogas, o aumento do número de Centros de Atenção Psicossocial – CAPS, a ampliação do atendimento assistencial a famílias, entre outras ações. (ACÓRDÃO TCU N° 360/2012) (GRIFO NOSSO).
Em 2020, o Acórdão TCU n° 541/2020 tratou do monitoramento da auditoria realizada em 2012 no Plano Integrado de Enfrentamento ao Crack e Outras Drogas (Piecod), para saber se houve o devido cumprimento das medidas. Na ocasião, o TCU esclareceu que, no que diz respeito à gestão da PNAD, o Sistema Nacional de Políticas sobre Drogas teria como órgão principal o Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas (CONAD).
Na avaliação nacional, três programas de governo eram responsáveis por essas políticas custeados pelo FUNAD, sendo eles: PG 0665 – Gestão da Política Nacional sobre Drogas
(PPA 2008-2011); PG 2060 – Coordenação de políticas de prevenção, atenção e reinserção social de usuários de crack e outras drogas (PPA 2012-2015); e PG 2085 – Redução do impacto social do álcool e outras drogas: prevenção, cuidado e reinserção social (PPA 2016-2019).
De acordo com o TCU, o PG 0665, vigente nos anos de 2010 e 2011, era prioridade do governo, sendo responsável por quatro ações governamentais: AG 20EV – Enfrentamento ao Crack e Outras Drogas; AG 2272 – Gestão e Administração do Programa; AG 4902 – Capacitação de agentes do Sistema Nacional de Políticas sobre Drogas; e AG 8236 – Apoio de projetos de interesse do Sistema Nacional de Políticas sobre Drogas.
Importante destacar que a ação AG 20EV também havia sido inserida em outros programas: PG 1453 – Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci);
PG 1220 – Assistência ambulatorial e hospitalar especializada; PG 0152 – Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente em conflito com a Lei (Pro-Sinase); PG 1384 – Proteção Social Básica; e PG 1385 – Proteção Social Especial.
Os dados de execução orçamentária demonstraram, portanto, uma série de desafios e inconsistências nos programas dedicados à política sobre drogas, particularmente no PG 0665. No período de 2010 a 2011, por exemplo, o programa recebeu dotações significativas, principalmente na ação AG 20EV. No entanto, do total programado (R$ 157,680 milhões) apenas 6,91% foram pagos. Além disso, as metas anuais não foram atingidas, evidenciando ações planejadas, mas com baixa eficácia.
No período entre 2012 e 2015, a auditoria destacou também que o PG 2060 – Coordenação de políticas de prevenção, atenção e reinserção social de usuários de crack e outras drogas destinou R$ 1,249 bilhão para as suas ações, sendo elas: AG 20EV – Enfrentamento ao Crack e Outras Drogas; AG 20IE – Gestão da política sobre drogas; AG 20R9 – Prevenção de uso e/ou abuso de substâncias psicoativas; AG 4902 – Capacitação de agentes do Sistema Nacional de Políticas sobre Drogas; e AG 8236 – Apoio de projetos de interesse do Sistema Nacional de Políticas sobre Drogas. Apesar disso, do mesmo modo, apenas 3,63% (R$ 45,468 milhões) das despesas programadas foram executadas e pagas.
No Plano Plurianual (2016-2019), o PG 2085 – Redução do impacto social do álcool e outras drogas: prevenção, cuidado e reinserção social trouxe três ações governamentais sob a sua responsabilidade: AG 20IE – Política Pública sobre Drogas; AG 20R9 – Prevenção de uso e/ou abuso de drogas; e a AG 215S – Redes de cuidados e reinserção social de pessoas e famílias que têm problemas com álcool e outras drogas. Ainda que parcialmente, naquele momento, a Egrégia Corte destacou a programação de R$ 116,715 milhões para 2016 e a execução de, tão somente, R$ 13,985 milhões no PG 2085, ou seja, menos de 12%.
Como resultado do monitoramento, o órgão apontou, no momento da sua conclusão, ainda não tinham sido cumpridas 7 orientações das 33 originariamente exaradas, sendo elas:
9.2. Recomendar ao Ministério da Defesa que: […]
9.2.1. elabore, em articulação com o Departamento de Polícia Federal, projeto de capacitação visando à preparação e ao treinamento dos Comandos Militares localizados na região de fronteira para que possam atuar de forma mais efetiva nas ações de combate ao tráfico de drogas, especialmente em razão das inovações oriundas das Leis Complementares 117/2004 e 136/2010;
9.2.2. ultime as negociações para viabilizar a participação das Forças
Armadas no Centro Integrado de Combate ao Crime Organizado – Cicon, previsto no art. 5º, § 2º, inciso VII, do Decreto 7.179/2010 como ação estruturante do Plano Integrado de Enfrentamento ao Crack e outras Drogas;
9.3. Recomendar ao Ministério da Justiça que avalie: […]
9.3.2. a adequação do quadro de servidores do Fundo Nacional Antidrogas de modo a proporcionar-lhe condições que lhe permitam realizar leilões de maneira mais tempestiva; […]
9.4. Recomendar ao Ministério da Saúde que: […]
9.4.9. elabore estudo destinado a mensurar a relação entre custos e benefícios de uma política de estruturação e capacitação de seu corpo técnico voltadas à análise e acompanhamento de programas, ações e projetos cuja execução se dê por meio de descentralização a estados, municípios e entes privados, sopesando nesse estudo, entre outros aspectos considerados importantes, os benefícios relacionados à potencial redução dos casos de má aplicação de recursos públicos decorrente de insuficiência nessa análise e acompanhamento; […]
9.9. Recomendar ao Conselho Nacional de Justiça que busque criar uma estrutura administrativa específica para gerenciar a administração e o leilão judicial dos bens apreendidos oriundos do tráfico de drogas; […]
9.11. Recomendar ao Departamento de Polícia Federal que: […]
9.11.3. disponibilize às delegacias localizadas na região de fronteira, especialmente as de Ponta Porã/MS, Corumbá/MS, Vilhena/RO e Naviraí/MS, estrutura física adequada para o trabalho de repressão ao tráfico de drogas; […]
9.12. Recomendar à Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas que: […]
9.12.3. elabore proposta, a ser submetida ao Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas, sobre orientações gerais para formulação de campanhas de prevenção ao uso de álcool e outras drogas, com objetivo de garantir a consistência entre as campanhas e as diretrizes da Política Nacional sobre Drogas, divulgando amplamente o documento que vier a ser aprovado no referido Conselho Nacional (ACÓRDÃO TCU N° 541/2020).
Também em 2020, o Acórdão TCU n° 280, a pedido da Comissão de Combate ao Crime Organizado do Congresso Nacional, apresentou elementos significativos acerca da avaliação dos atos de gestão das políticas associadas ao Plano Integrado de Enfrentamento ao Crack e outras Drogas (Piecod). A referida auditoria operacional destacou uma “excessiva multiplicidade de instâncias e atores envolvidos na implementação da política pública sobre drogas”, tendo sido constatadas “fragilidades normativas (miríade de normas e marco regulador contraditório), não raro acompanhadas de deficiências estruturais e de coordenação nos órgãos envolvidos”. De modo resumido, evidenciou que a política de drogas é composta por seis fases e por diversos “modelos/paradigmas de enfrentamentos da questão (moral/criminal, doença, redução de danos)”. Assim, concluiu:
Apesar da complexidade, a análise e síntese permitem concluir pela seguinte evolução da política, dos planos e dos programas sobre drogas no Brasil: primeira fase – até outubro de 1976, em que se publicou a primeira lei brasileira sobre drogas (Lei 6.368/1976); segunda fase – de outubro de 1976 a agosto de 2006, com a edição da Lei 11.343/2006; terceira fase – de agosto de 2006 em diante, com a publicação da Lei 11.343/2006; quarta fase – de março de 2010, em que se deu a edição do Piecod, até janeiro de 2011, com o fim do Piecod; quinta fase – de janeiro de 2012 até dezembro de 2014, com o fim do programa “Crack, é Possível Vencer”; e sexta fase – de janeiro de 2015 aos dias atuais. (ACÓRDÃO TCU N° 280/2020) (GRIFO NOSSO).
Ainda, de modo expresso, merecem destaque os achados verificados pela fiscalização que originaram diferentes determinações e recomendações:
Achado 1: inexistência de plano nacional sobre drogas em vigor. O Decreto 7.179/2010, que instituiu o Plano Integrado de Enfrentamento ao Crack e outras Drogas, embora não tenha sido revogado, não direcionou no passado, tampouco direciona no presente, as ações referentes à política pública sobre drogas.
Achado 2: Existência de duas políticas nacionais sobre drogas (PNAD) não consolidadas, em vigor no período de 2010-2019, e ambas não totalmente coincidentes, tendo como causas, dentre outras, a não propositura, pelo então Ministério da Justiça, da atualização da política nacional sobre drogas, na esfera de sua competência, conforme previsto no Decreto 5.912/2006, bem como o não exercício, pelo CONAD, de sua competência de acompanhamento e atualização da política nacional sobre drogas prevista no mencionado decreto.
Achado 3: O eixo prevenção, apontado como prioritário no âmbito da Política Nacional Antidrogas (Decreto 4.345/2002, revogado em 2019), possuía frágil estruturação e apresentava poucas ações relacionadas no âmbito das diversas instâncias ministeriais envolvidas. Como causas para a situação constatada, foram registrados, pela equipe de auditoria, o não exercício, por parte da Senad, do protagonismo que lhe foi conferido para direcionar a implementação e fomento de ações do eixo prevenção, a falta de priorização do eixo prevenção no âmbito da política pública sobre drogas e a omissão do Ministério da Educação e do Conselho Nacional de Educação (ausência da temática nos currículos escolares) no cumprimento da diretriz 4.2.8 do Decreto 4.345/2002.
Achado 4: O Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas (CONAD) e a Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad) não exerciam adequadamente seus papéis institucionais no período analisado (2010 a 2018).
Achado 5: Foram verificadas deficiências nas rotinas de monitoramento e de avaliação sistematizadas e periódicas da política pública sobre drogas em sua forma global, por eixo (prevenção, cuidado e enfrentamento/autoridade) e/ou regionalizado, com prejuízos ao processo de medição da concretização de objetivos programados e ao aperfeiçoamento da ação governamental, em razão, dentre outras causas, da falta de atuação das instâncias competentes (Senad e CONAD) e do Comitê Gestor do Plano Integrado de Enfretamento ao Crack e outras Drogas.
Achado 6: As ações de erradicação de plantações de maconha no Paraguai e de destruição de laboratórios de cocaína no Peru (período de 2010/2018), não foram realizadas com a frequência recomendada, com consequente aumento da circulação de drogas no território brasileiro. (ACÓRDÃO TCU N° 280/2020) (GRIFO NOSSO).
Concluída a auditoria[17], mudanças legislativas reorganizaram a gestão da política de drogas, com destaque para a Medida Provisória n° 870/2019, convertida na Lei n° 13.884/2019, que dividiu as responsabilidades do então Ministério da Cidadania (agora com foco na redução da demanda) e do Ministério da Justiça e Segurança Pública (passando a atuar com foco na redução da oferta).
Na sequência, o Decreto n° 9.761/2019 aprovou a nova Política Nacional sobre Drogas (PNAD) e atribuiu à Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (SENAD) e à Secretaria Nacional de Cuidados e Prevenção às Drogas a articulação e coordenação das diferentes ações da política.
Ainda em 2019, o Decreto n° 9.926, revogado pelo Decreto n° 11.480/2023, estabelecia que, anualmente, até 1º de março, a proposta do Plano Nacional de Políticas sobre Drogas deveria ser submetida ao Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas, com duração de cinco anos, a fim de garantir uma abordagem mais estruturada e contínua para os programas e ações. No momento, de acordo com o Decreto n° 11.480/2023, não há prazo vigente para elaboração e submissão do plano.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Assim, frente às questões levantadas, resta claro que as normas referentes à Política Nacional sobre Drogas, independente da nomenclatura utilizada em cada exercício orçamentário, não foram observadas, apresentando conflito recorrente e aparente de políticas. Ademais, em auditoria, evidenciou-se que o plano então vigente chegou a ser encerrado sem qualquer base legal e nenhum plano sucessor em vigor em 2019. Noutro sentido, os órgãos do Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas operavam de forma isolada, sem comitês de gestão e integração, e a Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas também enfrentava dificuldades para coordenar a política devido à falta de poder político.
Quanto aos mecanismos de monitoramento e avaliação das políticas sobre drogas, o TCU apontou em diferentes momentos que as práticas estariam limitadas às extrações e análises dos dados inseridos no Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento e nos Planos Plurianuais, indicando uma carência de ferramentas para avaliar e mensurar o desempenho de cada um dos programas e ações.
6. REFERÊNCIAS
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[1] Doutoranda em Direito Financeiro pela Universidade de São Paulo (USP). Mestra em “Accountability Educacional” pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (2019), com MBA em Administração Pública e Gerência de Cidades (IBPEX, 2012) e pós-graduada em Direito Financeiro e Orçamentação (Polis Civitas, 2023), em Direito Digital e Proteção de Dados (Ebradi, 2022) e em Direito Público Aplicado (Ebradi, 2021). Atualmente é assessora do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, cedida pelo Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro, onde é Auditora de Controle Externo.
[2] Doutoranda em Direito Financeiro pela Universidade de São Paulo (USP). Mestra em “Estudos sobre Mulheres – Gênero, Cidadania e Desenvolvimento” pela Universidade Aberta de Portugal (2018). Pós-graduada em Justiça Europeia dos Direitos do Homem pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Portugal (2008). Promotora de Justiça no Ministério Público do Estado do Paraná (2004). Autora de diversos artigos relacionados ao tema da violência contra a mulher e direitos humanos e dos livros “Crimes contra Mulheres: Lei Maria da Penha, Crimes Sexuais, Feminicídio e Violência Política de Gênero” (Juspodivm 2023) e “Crimes contra Crianças e Adolescentes” (Juspodivm 2022) e “Manual de Direito Eleitoral e Gênero” (Juspodivm 2024).
[3] Professor de Direito Financeiro da USP. Doutor e Livre-docente em Direito Financeiro pela USP.
[4] Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado do Paraná, atualmente Coordenador do Comitê de Políticas Institucionais e do(s) Grupo(s) de Pesquisa sobre Drogas do Ministério Público do Estado do Paraná. Possui graduação em Direito pela Faculdade Milton Campos (2006), especialização em Direito Público pela Universidade Cândido Mendes (2007) e pela Universidade Gama Filho (2007) e especialização em Direito Constitucional pelo Ius Gentium Conimbriagae, em parceria com o Instituto para o Desenvolvimento Democrático (2011).
[5] Cracolândia (por derivação de crack, crack+lândia = terra do crack) é a denominação comum para uma população em situação de rua, estimada em 1.680 indivíduos, composta, na sua maioria, por dependentes químicos e traficantes, geralmente de crack, que costuma ocupar uma determinada área no centro da cidade de São Paulo, nas imediações das Avenidas Duque de Caxias, Ipiranga, Rio Branco, Cásper Líbero, Rua Mauá, Estação Júlio Prestes, Alameda Dino Bueno e da Praça Princesa Isabel, onde historicamente se desenvolveu intenso tráfico de drogas e meretrício. Fica mais propriamente situada na “Praça do Cachimbo” (esquina da Rua Helvetia com Alameda Cleveland) no bairro de Campos Elíseos, e coincide parcialmente com a região da Boca do Lixo.- https://pt.wikipedia.org/wiki/Cracol%C3%A2ndia
[6] MEDEIROS, Débora. TÓFOLI, Luís Fernando. “Mitos e evidências na construção das políticas sobre drogas”. Boletim de Análise Político-institucional. No. 18. Dezembro de 2018. Disponível em: http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/8880/1/bapi_18_cap_6.pdf Acesso em 10/01/2022.
[7] MEDEIROS, Débora. TÓFOLI, Luís Fernando. “Mitos e evidências na construção das políticas sobre drogas”. Boletim de Análise Político-institucional. No. 18. Dezembro de 2018. Disponível em: http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/8880/1/bapi_18_cap_6.pdf Acesso em 10/01/2022.
[8] HART, Carl. Drogas para Adultos. Tradução Pedro Maia Soares, Rio de Janeiro: Zahar, 2021, p. 11.
[9] Boletim de Análise Político-Institucional / Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. – n°1 (2011) – . Brasília : Ipea, 2011-
[10] ARBEX, Daniela. Holocausto Brasileiro. Geração Editoral, 2019. p. 25.
[11] https://www.gov.br/mj/pt-br/assuntos/sua-protecao/politicas-sobre-drogas/arquivo-manual-de-avaliacao-e-alienacao-de-bens/planad_set_2022.pdf
[12] https://www.gov.br/mj/pt-br/assuntos/sua-protecao/politicas-sobre-drogas/arquivo-manual-de-avaliacao-e-alienacao-de-bens/planad_set_2022.pdf
[13] https://www.gov.br/mj/pt-br/assuntos/sua-protecao/politicas-sobre-drogas/subcapas-senad/historico-da-pnad
[14] https://www.gov.br/mj/pt-br/assuntos/sua-protecao/politicas-sobre-drogas/subcapas-senad/FUNAD-em-numeros
[15] O referido portal não detalhou a arrecadação por origem dos recursos.
[16] Destaca o Plano Plurianual (2020-2023), “Apesar do consumo de drogas no Brasil ser um problema generalizado, a Secretaria Nacional de Cuidados e Prevenção às Droga (Senapred) baliza a distribuição de vagas em Comunidades Terapêuticas pela prevalência do consumo de drogas por região (recomendação CGU nº 171437) e o número da oferta de vagas em comunidades terapêuticas por região (com base no Mapa das Comunidades Terapêuticas (https://aplicacoes.mds.gov.br/sagi/appsagi/ geosagi/localizacao_equipamentos_tipo.php?tipo= comunidades_terapeuticas&rcr=1), que resulta na seguinte distribuição, conforme Edital de Credenciamento – Senad nº 01/2018, em vigência: a) Região Norte – 5,49 % das vagas; b) Região Nordeste – 33,83% das vagas; c) Região Sul- 9,39% das vagas; d) Região Sudeste – 45,56% das vagas e e) Centro-Oeste – 5,73% das vagas (https://justica.gov.br/sua-protecao/politicas-sobre-drogas/backup-senad/chamamentopublico/chamamento-publico-senad-no-01-2018/edital.pdf). […] o não preenchimentos das vagas em alguma região, permite ao gestor transferi-las para outra região”.
[17] Apesar do Acórdão TCU n° 280/2020 datar de 12/02/2020, a auditoria em si foi realizada antes das mudanças legislativas mencionadas.