De acordo com o art. 494 do Código de Processo Civil, publicada a sentença, o juiz só poderá alterá-la: i) para corrigir-lhe, de ofício ou a requerimento da parte, inexatidões materiais ou erros de cálculo; e ii) por meio de embargos de declaração.
A publicação da sentença representa a entrega da tutela jurisdicional pelo órgão julgador. Embora a realização da tutela prestada possa depender ainda de alguma providência ou mesmo de uma nova fase processual (cumprimento de sentença, v.g.), uma vez publicada a sentença, o juiz não pode livremente modificá-la. Essa é a regra estabelecida no dispositivo em comento (art. 494), que se aplica indistintamente às decisões de mérito, inclusive às parciais (CPC, art. 356), bem como às terminativas, proferidas em qualquer grau de jurisdição – FONSECA, João Francisco Neves da. Comentários ao Código de Processo Civil: da sentença e da coisa julgada. São Paulo: 2017, p. 81.
O dispositivo legal mencionado, consagra o princípio da inalterabilidade da sentença pelo juiz. Cumpre destacar, porém, como apontam Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery (Código de Processo Civil Comentado. São Paulo: RT, 2020, p. RL-1.98), há outras exceções ao princípio da inalterabilidade da sentença pelo juiz, como é o caso dos art. 331 e 332 do CPC.
A essência da diretriz normativa contida no art. 494 do CPC, é aplicável aos tribunais. Logo, publicado o acórdão, o juiz/desembargador só poderá alterá-lo nas situações descritas no art. 494 do CPC.
No distante, REsp 222.570/BA, o STJ já assentara que, regularmente publicado o acórdão em embargos de declaração, não pode a câmara julgadora em outra sessão, ainda que ao argumento de juízo de reconsideração nos ditos embargos de declaração, “ex officio”, alterar a substância do mérito do primeiro julgado, eis que, ausente a evidência de simples correção de erro material, restava exaurido o ofício jurisdicional daquele colegiado, havendo que se ter como ofendido o art. 463 do CPC/1973 (atual art. 494). Na hipótese, ao entendimento de reparação de mero erro material, o colegiado “a quo”, em sessão diversa, após publicado o acórdão de embargos de declaração, veio a proferir, de ofício, novo julgamento dos ditos embargos, alterando substancialmente o mérito do decisório primitivo – REsp 222.570/BA, Rel. Min. Gilson Dipp, Quinta Turma, julgado em 04/04/2000, DJ 02/05/2000, p. 162). Tal comportamento processual não é possível.
Assim, no âmbito cível, havendo, por equívoco, duplo julgamento do mesmo recurso, seja resultando na mesma solução jurídica, seja desaguando em decisões diferentes, penso que o primeiro acórdão deve prevalecer, por força do que dispõe o art. 494 do CPC, e, portanto, a segunda decisão colegiada deve ser anulada.
Nessa linha, aponta Fonseca (2017, p. 82) que se o juiz proferir decisão alterando indevidamente sentença já publicada, o último pronunciamento é passível de anulação. Se o juiz profere duas sentenças no mesmo processo, a segunda é nula, ainda que da primeira não tenham sido regularmente intimadas as partes, mas tal nulidade deve ser pronunciada (Theotônio Negrão, José Roberto F. Gouvêa, Luis Guilherme A. Bondioli e João Francisco Neves da Fonseca. Código de Processo Civil e legislação processual em vigor. São Paulo: Saraiva, 2018, nota 5 ao art. 494 do CPC, p. 523)
Recentemente, o mencionado art. 494 do CPC foi analisado pelo Superior Tribunal de Justiça. A Corte se deparou com a seguinte situação concreta: na sessão virtual de 12/08/2021 a 18/08/2021, a Primeira Seção julgou um agravo interno. Posteriormente, na sessão de julgamento virtual de 08/09/2021 a 14/09/2021, o referido agravo interno foi novamente julgado.
Interpostos embargos de declaração, seguindo a linha de raciocínio defendida acima, o Tribunal anulou o segundo julgamento virtual do agravo interno, fato que, todavia, não ocasionou a modificação do resultado do primeiro julgamento anteriormente realizado. A Corte considerou que esse duplo julgamento foi de encontro ao disposto no art. 494 do CPC.
(EDcl no AgInt nos EDcl na AR 6.982/DF, Rel. Min. Sérgio Kukina, Primeira Seção, julgado em 16/11/2021, DJe 19/11/2021)
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