No HC 84.078/MG, o STF considerou impossível que se executasse a pena antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, admitindo o encarceramento apenas se verificada a necessidade de que isso ocorresse por meio de cautelar (prisão preventiva). À época, asseverou o tribunal, para além do princípio da presunção de inocência, que “A ampla defesa, não se a pode visualizar de modo restrito. Engloba todas as fases processuais, inclusive as recursais de natureza extraordinária. Por isso a execução da sentença após o julgamento do recurso de apelação significa, também, restrição do direito de defesa, caracterizando desequilíbrio entre a pretensão estatal de aplicar a pena e o direito, do acusado, de elidir essa pretensão”.
A Corte Suprema mudou seu posicionamento no julgamento do HC 126.292/SP, depois ratificado no ano de 2016, mais precisamente nas ADCs 43 e 44.
Considerou-se que a prisão após a apreciação de recurso pela segunda instância não desobedece a postulados constitucionais – nem mesmo ao da presunção de inocência – porque, a essa altura, o agente teve plena oportunidade de se defender por meio do devido processo legal desde a primeira instância.
Uma vez julgada a apelação e estabelecida a condenação (situação que gera inclusive a suspensão dos direitos políticos em virtude das disposições da LC nº 135/2010), exaure-se a possibilidade de discutir o fato e a prova, razão pela qual a presunção se inverte. Não é possível, após o pronunciamento do órgão colegiado, que o princípio da presunção de inocência seja utilizado como instrumento para obstar indefinidamente a execução penal. Observou, ainda, que eventual equívoco no julgamento de segunda instância pode ser corrigido por meio de medidas cautelares e o do habeas corpus, expedientes aptos a fazer cessar eventual constrangimento ilegal.
Conclui que a presunção de inocência tem sentido dinâmico, modificando-se conforme se avança a marcha processual. Dessa forma, se no início do processo a presunção pende efetivamente para a inocência, uma vez proferido julgamento em recurso de segunda instância essa presunção passa a ser de não culpa, pois, nessa altura, encerrou-se a análise de questões fáticas e probatórias. Portanto, uma vez que o tribunal (TJ/TRF) tenha considerado bem provados o fato e suas circunstâncias, os recursos constitucionais não abordarão esses aspectos, pois estarão adstritos aos limites que lhe são impostos constitucional e legalmente.
Além disso, deve-se refletir a respeito do conceito de trânsito em julgado no processo penal, que o Código de Processo Penal não estabelece e que, parece-nos, não pode ser tomado de empréstimo do Código de Processo Civil. O conceito de trânsito em julgado no processo penal não está relacionado ao esgotamento de todos os recursos, mas ao esgotamento da análise fática, como aliás ocorre em outros países igualmente democráticos em que operam cortes constitucionais – cujos recursos têm efeitos rescisórios – e nos quais é inconcebível que um condenado em segunda instância aguarde o pronunciamento de cortes superiores para iniciar o cumprimento da pena. Não fosse isso o bastante, pressupor, no processo penal, o encerramento de todas as formas recursais tornaria inalcançável o trânsito em julgado porque a revisão criminal está elencada entre os recursos.
Impedir a execução imediata exigindo que se esgotem também os recursos constitucionais impõe diversos efeitos deletérios: a) incentiva a seletividade penal, pois, sabe-se, não são todos que dispõem de condições financeiras para suportar os custos de um processo até tribunais superiores; b) incentiva a proliferação de recursos especiais e extraordinários com intuito meramente protelatório, que inundam os tribunais superiores e que na maior parte das vezes não surtem nenhum efeito a não ser mesmo adiar a execução da pena; c) agrava o descrédito que a sociedade nutre pelo sistema penal, pois veem-se réus autores de crimes muitas vezes gravíssimos permanecerem soltos por anos e anos, estendendo demasiadamente o lapso entre a prática do crime e o cumprimento da pena.
Mesmo diante de tais premissas e argumentos, o TJ/PR, em duas recentes decisões (HCs 1.645.500 e 1.661.123), não seguiu a tese do STF e relativizou a possibilidade de execução provisória da pena após decisão de 2º grau. Nos casos analisados pelo tribunal paranaense, a sentença condenatória trazia expressamente a condição do trânsito em julgado para o início do cumprimento da pena. Na medida em que a sentença condenatória determina a expedição de mandado de prisão e guia de recolhimento para a execução da pena após o trânsito em julgado do processo, e sendo possível recurso aos Tribunais Superiores, inviável a execução provisória, sob pena de constrangimento ilegal.
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