Já tivemos a oportunidade de comentar a decisão do STF a respeito da possibilidade de execução provisória da pena. Recapitulando: concluiu-se na decisão que a prisão após a apreciação de recurso pela segunda instância não desobedece a postulados constitucionais – nem mesmo ao da presunção de inocência – porque, a essa altura, o agente teve plena oportunidade de se defender por meio do devido processo legal desde a primeira instância. Uma vez julgada a apelação e estabelecida a condenação (situação que gera inclusive a suspensão dos direitos políticos em virtude das disposições da LC nº 135/2010), exaure-se a possibilidade de discutir o fato e a prova, razão pela qual a presunção se inverte. Não é possível, após o pronunciamento do órgão colegiado, que o princípio da presunção de inocência seja utilizado como instrumento para obstar indefinidamente a execução penal.
A decisão proferida abordou apenas e tão somente a execução da pena privativa de liberdade. Não foram tratadas expressamente situações que podem impedir a execução, como no caso de não se ter esgotado plenamente o andamento do feito em segunda instância, ou seja, quando há possibilidade de embargos de declaração ou infringentes. Nessas situações o STJHC 394.532/MG, j. 20/06/2017 tem obstado a execução:
“Na espécie, todavia, embora eventuais recursos especial e extraordinário não sejam dotados de efeito suspensivo, a jurisdição das instâncias ordinárias ainda não se encerrou. O julgamento do recurso de apelação foi tomado por maioria, tendo sido opostos, no caso, embargos infringentes que, segundo andamento processual obtido no endereço eletrônico do Tribunal de origem, pendem de julgamento. Desse modo, diante da ausência de exaurimento no julgamento nas instâncias ordinárias, revela-se prematuro o início da execução provisória da pena”.
O STJ também tem afastado a possibilidade de execução provisória de penas restritivas de direitos, isto com fundamento no art. 147 da Lei de Execução Penal, segundo o qual “Transitada em julgado a sentença que aplicou a pena restritiva de direitos, o Juiz da execução, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, promoverá a execução, podendo, para tanto, requisitar, quando necessário, a colaboração de entidades públicas ou solicitá-la a particulares”. Para o tribunalRHC 83.406/RS, j. 13/06/2017, a menção expressa a trânsito em julgado impede a execução provisória das penas alternativas:
“Embora o Supremo Tribunal Federal tenha decidido pela viabilidade da imediata execução da pena imposta ou confirmada pelos tribunais locais após esgotadas as respectivas jurisdições, esta Corte Superior de Justiça tem se posicionado no sentido de que tal possibilidade não se estende às penas restritivas de direitos, tendo em vista a norma contida no artigo 147 da Lei de Execução Penal. Precedentes”.
Por meio de uma decisão recente, o STF parece seguir o mesmo caminho. Em liminar de habeas corpusHC 144.908/RS, j. 23/06/2017, determinou a suspensão da execução provisória da pena de um ex-prefeito condenado pela prática do crime de falsidade ideológica.
Após recurso de apelação improvido, a defesa recorreu ao STJ, que não conheceu do recurso e, atendendo a pedido do Ministério Público, determinou a remessa de cópia dos autos ao juízo de primeira instância para a execução provisória da pena.
O ministro Ricardo Lewandowski, contudo, concedeu a liminar no remédio heroico aduzindo, em síntese, que o juiz de primeira instância havia garantido, na sentença, a possibilidade de que o agente apelasse em liberdade em razão da natureza da pena imposta e da inexistência de motivos para a prisão preventiva. Tendo em vista que o Ministério Público não se insurgiu contra isso e o próprio Tribunal de Justiça não determinou o cumprimento antecipado da pena, não caberia, segundo o ministro, ao STJ prejudicar a situação do réu em seu próprio recurso.
Além disso, aduzindo às disposições do art. 147 da LEP, o ministro afirmou que a decisão do STF permitindo a execução provisória da pena diz respeito somente às reprimendas privativas de liberdade, não às restritivas de direitos, condicionadas ao trânsito em julgado por expressa disposição legal.
Reiteramos aqui a crítica feita em outro artigo a respeito da decisão do STJ impedindo a execução imediata da pena restritiva de direitos. Ainda que o texto da Lei de Execução Penal mencione o trânsito em julgado, não há dúvida de que é incoerente e desproporcional permitir que o condenado seja encarcerado antes de transitar em julgado a sentença penal condenatória e não possa, na mesma situação, ser submetido a medida muito mais branda como, por exemplo, a prestação de serviços a uma entidade pública.
Ademais, o art. 283 do CPPArt. 283. Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva. – objeto de declaração de constitucionalidade nas ADC 43 e 44 – também menciona o trânsito em julgado, mas isso não impediu que o tribunal lhe conferisse interpretação conforme a Constituição para excluir a possibilidade de que o texto legal fosse interpretado para obstar a execução provisória. A liminar concedida agora contraria frontalmente a intenção do próprio STF nas decisões anteriores: conferir efetividade às sentenças judiciais no âmbito criminal e evitar que recursos de índole extraordinária sejam utilizados como instrumentos de protelação do cumprimento da pena.
Para se aprofundar, recomendamos:
Curso: Carreira Jurídica (mód. I e II)
Curso: Intensivo para o Ministério Público e Magistratura Estaduais + Legislação Penal Especial
Livro: Manual de Direito Penal (parte geral)
Livro: Código de Processo Penal e Lei de Execução Penal Comentados por Artigos (2017)