Um dos princípios que regem a jurisdição é o do juiz natural, assim considerado aquele cuja competência é previamente estabelecida na Constituição ou em lei para o julgamento de todo e qualquer caso. Com isso se evita o chamado tribunal ou juízo de exceção, vedado pela Constituição (art. 5º, inc. XXXVIIArt. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) XXXVII - não haverá juízo ou tribunal de exceção;). Ou seja, aquele tribunal criado após a ocorrência do ilícito penal para julgamento de um caso específico, afastando-se, assim, a possibilidade de existência de um juiz de ocasião ou magistrado encomendado. Como se vê, tal princípio encerra verdadeira garantia ao cidadão, que tem a certeza de que será julgado por um juiz previamente conhecido, cercado de garantias que lhe assegurem a independência e imparcialidade e não por um juiz especialmente designado para o caso concreto.
Em decorrência, sustenta-se também a necessidade de se observar o princípio do promotor natural, consistente na prévia designação de atribuições ao órgão acusador, providência destinada a impedir a interferência indevida em inquéritos ou ações penais em andamento pela designação arbitrária de membros do Ministério Público.
Ocorre que um dos princípios institucionais do Ministério Público é a indivisibilidade, segundo a qual existe um único órgão, e seus membros podem ser substituídos uns pelos outros, por livre designação do Procurador-Geral, que poderá, ainda, avocar processos ou designar algum promotor para atuar especificamente num determinado feito. Essas possibilidades, porém, não são aceitas para os que defendem a existência do promotor natural, o que provoca certo debate doutrinário e jurisprudencial.
O princípio é reconhecido, por exemplo, no âmbito do STJ, que o menciona em diversos julgados:
“O princípio do Promotor Natural visa à designação do órgão acusador de forma objetiva, com fixação de suas atribuições em momento anterior aos fatos, haja vista o direito do réu de ser acusado por um órgão escolhido de acordo com critérios legais previamente fixados. No caso dos autos, o GAECO foi criado por meio da Resolução n. 12/2008, com atribuição para oficiar na identificação e repressão a “organizações criminosas e seus reflexos na administração pública e no setor econômico, no âmbito do Estado de Mato Grosso Sul”. Assim, embora a investigação tenha se iniciado na Promotoria de Justiça de Corumbá, não há óbice à sua remessa ao GAECO, haja vista se tratar de órgão especializado no âmbito do Estado, não havendo se falar em designação casuística” (RHC 39.135/MS, DJe 24/05/2017).
Segue a mesma orientação o STF:
“ O postulado do Promotor Natural, que se revela imanente ao sistema constitucional brasileiro, repele, a partir da vedação de designações casuísticas efetuadas pela Chefia da Instituição, a figura do acusador de exceção. Esse princípio consagra uma garantia de ordem jurídica destinada tanto a proteger o membro do Ministério Público, na medida em que lhe assegura o exercício pleno e independente do seu ofício, quanto a tutelar a própria coletividade, a quem se reconhece o direito de ver atuando, em quaisquer causas, apenas o Promotor cuja intervenção se justifique a partir de critérios abstratos e pré-determinados estabelecidos em lei” (HC 102.147/GO, DJe 02/02/2011).
Recentemente, o STF estabeleceu novamente a existência desse princípio, embora no caso concreto tenha afastado a pretensão de que fosse reconhecida sua violação.
Segundo se relatava no habeas corpus, um médico havia sido investigado por homicídio doloso, mas o promotor de Justiça da Vara do Júri, analisando os elementos da investigação, concluiu que se tratava de homicídio culposo e se manifestou pela remessa do inquérito a uma das varas criminais da comarca.
Ocorre que, após determinar novas diligências, o promotor que havia recebido o inquérito redistribuído vislumbrou a prática de homicídio doloso, razão pela qual ofereceu ele mesmo a denúncia e pediu o retorno dos autos à Vara do Júri.
Diante do oferecimento da denúncia por promotor que não oficiava no Júri, o impetrante do habeas corpus pretendia que o tribunal reconhecesse a violação do princípio do promotor natural, mas, referindo-se ao fato de que só existe violação quando há nomeação arbitrária ou quebra de autonomia de membro do Ministério Público para atuar em determinado procedimento, a corte rejeitou a pretensão:
“O promotor do júri poderia a qualquer momento não ter ratificado a denúncia ou suscitar conflito positivo de atribuições para seu oferecimento, mas ele seguiu nas investigações e a ratificou implicitamente, atuando no processo até a sentença de pronúncia”.
(HC 114.093/PR, j. 03/10/2017).
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