Informativo: 632 do STJ – Processo Penal
Resumo: A prática de contravenção penal, no âmbito de violência doméstica, não é motivo idôneo para justificar a prisão preventiva do réu.
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A prisão preventiva se justifica, nos termos do art. 312 do CPP, como forma de preservação da ordem pública e econômica, por conveniência da instrução criminal e como garantia da futura aplicação da lei penal. Como aponta Antônio Magalhães Gomes Filho, “na técnica processual, as providências cautelares constituem os instrumentos através dos quais se obtém a antecipação dos efeitos de um futuro provimento definitivo, exatamente com o objetivo de assegurar os meios para que esse mesmo provimento definitivo possa ser conseguido e, principalmente, possa ser eficaz” (Presunção de Inocência e prisão cautelar. São Paulo, Saraiva, 1991, p. 53). Tem, portanto, inegável caráter de uma prisão cautelar de natureza processual e, por conta disso, deve preencher os requisitos típicos de toda e qualquer medida cautelar, a saber o fumus boni iuris e o periculum in mora.
Aliadas a essas características temos as condições do art. 313 do CPP, segundo as quais se admite a prisão preventiva:
I – nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos;
II – se o agente tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado, desde que não decorrido o quinquênio depurador;
III – se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência.
O inciso III – que nos interessa neste momento – alargou as hipóteses de cabimento da prisão preventiva, possibilitando ao juiz decretar a prisão provisória em face do agressor, “para garantir a execução das medidas protetivas de urgência”. O texto do dispositivo faz expressa menção a crime, mas não a contravenção. Diante disso, indaga-se: a prisão preventiva que visa a garantir o cumprimento de medidas protetivas pode decorrer da prática de contravenção penal?
Segundo decidiu o STJ no HC 437.535/SP (j. 26/06/2018), não é possível estender a incidência do dispositivo às contravenções penais.
A decisão foi proferida por maioria.
A ministra Maria Thereza de Assis Moura – relatora – justificou a manutenção da prisão no fato de que o paciente infringiu por duas vezes as medidas protetivas que lhe haviam sido impostas, o que, considerando os elementos do caso concreto, caracterizava risco à manutenção da ordem pública. Ainda segundo a ministra, interpretação sistemática das regras relativas à segregação cautelar e à garantia de cumprimento das medidas protetivas autorizam a preventiva inclusive no caso de contravenção:
“De tudo o quanto visto, creio que não há falar em desatenção ao disposto no artigo 313 do Código de Processo Penal – acaso se proponha uma interpretação literal do dispositivo. Em uma abordagem sistêmica do ordenamento jurídico, considerando especialmente a mens legis da norma especial denominada Maria da Penha – artigo 20 – e o disposto no artigo 282, § 4.º, do citado Estatuto Processual Repressivo, entende-se pela abrangência também das contravenções penais praticadas com violência doméstica e familiar contra a mulher nas hipóteses de prisão – ressalte-se que no caso em apreço ainda não fora ofertada denúncia quanto ao fato de 2017, que pode ser ou não tipificado como crime.”
E, para reforçar seu argumento, a ministra citou diversos julgados em que o STJ ampliou a incidência do art. 41 da Lei 11.340/06 às contravenções penais. Este dispositivo, com efeito, proíbe a aplicação das disposições da Lei 9.099/95 aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista. A orientação a que se chegou no tribunal impede a transação penal e a suspensão condicional do processo inclusive nas contravenções, que não estão expressas na lei.
Mas prevaleceu o voto do ministro Rogério Schietti Cruz, que, atendo-se ao texto expresso do art. 313, inciso III, concluiu ser impossível estender a prisão preventiva às contravenções penais:
“Em se tratando de aplicação da cautela extrema, entendo não haver campo para interpretação diversa da literal.
Assim, sem olvidar o caráter reprovável dos atos praticados pelo ora paciente contra a ex-companheira, nem da sua recalcitrância no descumprimento de medidas protetivas anteriormente aplicadas, não há previsão legal que autorize a prisão preventiva contra autor de uma contravenção, mesmo na hipótese específica de transgressão das cautelas de urgência diversas já aplicadas
No caso dos autos, nenhum dos fatos praticados pelo agente – puxões de cabelo e torção de braço, os quais, a propósito, não geraram lesão corporal, e discussão no interior de veículo, onde tentou arrancar à força dos braços da ex-companheira o filho que têm em comum –, configura crime propriamente dito.
Logo, a meu ver, vedada está a incidência do aludido dispositivo, tendo em vista a notória ofensa ao princípio da legalidade estrita da decisão que decretou a constrição cautelar do acusado.”
Em voto-vista, o ministro Sebastião Reis Júnior acompanhou a divergência argumentando que as possibilidades de decretação da prisão preventiva devem ser interpretadas à luz das regras gerais para a medida excepcional, regras estas que se referem a crimes, como o caput do art. 312. Para o ministro, não sendo o caso de crime, afasta-se a possiblidade de prisão:
“Parece-me claro, que nos casos em que estamos diante de violência doméstica contra mulher, não existindo “crime”, nem em resposta ao descumprimento de medidas cautelares diversas pode ser decretada a prisão. Não há autorização legal para tanto.
No caso, como dito mais acima, estamos diante de contravenção penal, regulada em lei própria e específica, o que por si só já a diferencia de crime.
Além do mais, não posso deixar de perceber que, no caso, a denúncia cuidou de vias de fato, que permite, no máximo, prisão simples de 3 meses ou multa. Há, portanto, risco concreto de que, preso, o paciente não só permanecerá em regime mais gravoso que aquele possível em caso de condenação, como também, considerando que a denúncia foi recebida em abril de 2017, tendo o feito não se encerrado até o momento, o prazo dessa, se efetivada, ultrapassará, certamente, o total da pena imposta.”
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