1) Para a caracterização da continuidade delitiva, são considerados crimes da mesma espécie aqueles previstos no mesmo tipo penal.
Esta tese não tem mais aplicação devido à mudança de orientação no STJ.
Vimos nos comentários à primeira série de teses que um dos requisitos da continuidade delitiva é a prática de crimes da mesma espécie. Assim se consideravam os crimes tipificados no mesmo dispositivo, mas, atualmente, o STJ se orienta no sentido de que devem ser considerados da mesma espécie os delitos que protegem o mesmo bem jurídico:
“1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça compreende que, para a caracterização da continuidade delitiva, é imprescindível o preenchimento de requisitos de ordem objetiva (mesmas condições de tempo, lugar e forma de execução) e subjetiva (unidade de desígnios ou vínculo subjetivo entre os eventos), nos termos do art. 71 do Código Penal. Exige-se, ainda, que os delitos sejam da mesma espécie. Para tanto, não é necessário que os fatos sejam capitulados no mesmo tipo penal, sendo suficiente que tutelem o mesmo bem jurídico e sejam perpetrados pelo mesmo modo de execução.
2. Para fins da aplicação do instituto do crime continuado, art. 71 do Código Penal, pode-se afirmar que os delitos de estupro de vulnerável e estupro, descritos nos arts. 217-A e 213 do CP, respectivamente, são crimes da mesma espécie.” (REsp 1.767.902/RJ, j. 13/12/2018)
Além do caso de continuidade citado no julgado, a mudança de orientação possibilitou que o estupro e o atentado violento ao pudor cometidos contra vítimas diversas antes da Lei 12.015/09 fossem imputados em continuidade (ver comentários à tese nº 9 na primeira série).
2) É possível o reconhecimento de crime continuado entre os delitos de apropriação indébita previdenciária (art. 168-A do CP) e de sonegação de contribuição previdenciária (art. 337-A do CP).
Segundo o disposto no art. 168-A do CP, a apropriação indébita previdenciária se caracteriza por apenas uma ação nuclear, que é a de deixar de repassar à previdência social os valores recolhidos dos contribuintes no prazo e forma legal (no caso de previdência oficial) ou convencional (previdência privada). Já no art. 337-A se pune a sonegação de contribuição previdenciária mediante as condutas de suprimir (eliminar, deixar de pagar) ou reduzir (diminuir, recolher menos de que é devido) contribuição previdenciária ou qualquer acessório.
Nota-se que se trata não somente de crimes tipificados em dispositivos diversos, mas que também não correspondem à mesma espécie e são executados de forma muito distinta. Não obstante, o STJ tem decisões nas quais admite a continuidade entre ambos:
“1. É possível o reconhecimento de crime continuado em relação aos delitos tipificados nos artigos 168-A e 337-A do Código Penal, porque se assemelham quanto aos elementos objetivos e subjetivos e ofendem o mesmo bem jurídico tutelado, qual seja, a arrecadação previdenciária. 2. A prática de crimes de apropriação indébita previdenciária em que o agente estiver à frente de empresas distintas, mas pertencentes ao mesmo grupo empresarial, não afasta o reconhecimento da continuidade delitiva. 3. Recurso especial a que se nega provimento.” (REsp 859.050/RS, 03/12/2013)
Mas, apesar da tese, o tema não é pacífico, tanto que há decisão mais recente em que a continuidade foi afastada em razão das distinções existentes entre os tipos da apropriação e da sonegação:
“I – Os delitos de apropriação indébita previdenciária e de sonegação de contribuição previdenciária, previsto nos arts. 168-A e 337-A, ambos do Código Penal, embora sejam do mesmo gênero, são de espécies diversas, porquanto os tipos penais descrevem condutas absolutamente distintas. II – Esta Corte Superior tem entendimento consolidado no sentido de que é impossível o reconhecimento da continuidade delitiva entre crimes de espécies distintas. Precedentes.” (AgRg no AREsp 1.172.428/SP, j. 12/06/2018)
3) Presentes as condições do art. 71 do Código Penal, deve ser reconhecida a continuidade delitiva no crime de peculato-desvio.
À primeira vista, podem parecer redundantes os termos desta tese. Afinal, se preenchidos os requisitos do art. 71, obviamente a continuidade há de ser reconhecida, ainda que se trate de peculato-desvio, crime sobre o qual não recai nenhuma circunstância especial que possa impedir que múltiplas infrações sejam consideradas um crime único.
Mas, analisando precedentes à edição da tese, vemos casos em que o STJ foi instado a afastar a continuidade sob o argumento de que, no caso de desvios oriundos da mesma causa, como, por exemplo, de um contrato administrativo a partir do qual diversas somas foram desviadas, apenas uma infração penal se caracteriza, sendo os demais atos meras formas de exaurimento. O tribunal, todavia, rechaçou tais pretensões e considerou que cada um dos atos deve ser considerado uma conduta criminosa diversa e todos eles, caso atendidas as disposições do art. 71, devem ser fundidos em continuidade:
“(…) 10. Consumando-se o crime de peculato desvio no momento em que desviada a verba pública, a realização sucessiva de novos empenhos de pagamento importam em novos desvios de dinheiro público e, portanto, tipificam crimes autônomos. 11. Estando presentes as condições do art. 71 do Código Penal, é de rigor a manutenção do reconhecimento da continuidade delitiva na espécie (…).” (AgRg no REsp 1.045.631/SP, j. 08/11/2011)
4) Não é possível reconhecer a continuidade delitiva entre os crimes de roubo (art. 157 do CP) e de latrocínio (art. 157, § 3º, segunda parte, do CP) porque apesar de serem do mesmo gênero não são da mesma espécie.
No caput do art. 157 temos o roubo próprio, em que o agente, visando a apoderar-se do patrimônio alheio, lança mão: a) de violência; b) grave ameaça c) ou qualquer outro meio capaz de impossibilitar a vítima de resistir ou defender-se. Este crime pode ser qualificado na forma do § 3º quando da violência empregada resulta lesão grave ou morte.
Rechaça-se a continuidade delitiva entre as figuras básica e qualificada pela morte porque, como destaca a tese, embora se trate de crimes do mesmo gênero (contra o patrimônio), não são da mesma espécie, tendo em vista o plus carregado pela qualificadora: a morte da vítima:
“No caso dos crimes de roubo majorado e latrocínio, sequer é necessário avaliar o requisito subjetivo supracitado ou o lapso temporal entre os crimes, como fizeram as instâncias ordinárias, porquanto não há adimplemento do requisito objetivo da pluralidade de crimes da mesma espécie. São assim considerados aqueles crimes tipificados no mesmo dispositivo legal, consumados ou tentada, na forma simples, privilegiada ou tentada, e além disso, devem tutelar os mesmos bens jurídicos, tendo, pois, a mesma estrutura jurídica. Perceba que o roubo tutela o patrimônio e a integridade física (violência) ou o patrimônio e a liberdade individual (grave ameaça); por outro lado, o latrocínio, o patrimônio e a vida.” (HC 189.134/RJ, j. 02/08/2016)
Além disso, não podemos deixar de observar que o modus operandi, um dos requisitos da continuidade, não se assemelha: enquanto na forma básica o criminoso emprega a violência dentro de um limite já esperado para crimes desta natureza, na qualificada a violência extrapola qualquer limite e ceifa a vida de quem está sendo despojado de seus bens.
5) Não é possível reconhecer a continuidade delitiva entre os crimes de roubo (art. 157 do CP) e de extorsão (art. 158 do CP), pois são infrações penais de espécies diferentes.
Se não se reconhece a continuidade entre o roubo e o latrocínio, com mais razão deve-se afastar o instituto diante de condutas caracterizantes do roubo e da extorsão. Embora se trate de crimes do mesmo gênero – pois tutelam o patrimônio –, não se assemelham em outros aspectos, pois enquanto o roubo consiste em arrebatar coisa móvel alheia, a extorsão se caracteriza por constranger alguém, com o intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar de fazer alguma coisa. A não ser o emprego de violência ou grave ameaça, não há nenhum elemento de uma conduta que se identifique na outra. Por isso, aplicam-se as regras do concurso material ou do concurso formal, conforme o caso:
“A prática de crimes mediante ações diversas e sucessivas inviabiliza o reconhecimento do concurso formal. Desconstituir essas premissas fáticas demandaria, à evidência, o reexame do conjunto fático-probatório, providência inviável na via estreita do habeas corpus. Precedentes.” (HC 461.794/SC, j. 07/02/2019)
6) Admite-se a continuidade delitiva nos crimes contra a vida.
7) O entendimento da Súmula n. 605 do STF – “não se admite continuidade delitiva nos crimes contra a vida” – encontra-se superado pelo parágrafo único do art. 71 do Código Penal, criado pela reforma de 1984.
Comentamos conjuntamente as teses 6 e 7 porque seus termos são umbilicalmente relacionados.
Na redação primitiva da Parte Geral do Código Penal, o concurso de crimes era tratado em apenas um dispositivo, o art. 51, que, no § 2º, disciplinava o crime continuado: “ Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subsequentes ser havidos como continuação do primeiro, impõe-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais graves, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços”.
À época, o Código Penal não dispunha sobre o denominado crime continuado específico, atualmente disposto no parágrafo único do art. 71: “Nos crimes dolosos, contra vítimas diferentes, cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa, poderá o juiz, considerando a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, aumentar a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, até o triplo, observadas as regras do parágrafo único do art. 70 e do art. 75 deste Código”.
O fato de não haver, antes, disposição específica a respeito do crime continuado cometido com violência ou grave ameaça à pessoa contra vítimas diferentes fazia com que os tribunais fossem provocados a decidir se, a despeito do silêncio da lei, esta possibilidade poderia ser admitida.
Após algumas decisões em recursos extraordinários, o STF editou a súmula 605, segundo a qual “Não se admite continuidade delitiva nos crimes contra a vida”. Analisando precedentes (como, por exemplo, o RE 91.563/SP, j. 29/02/1980), vemos que a fundamentação residia no fato de que a continuidade não poderia ser aplicada em crimes que atingissem bens jurídicos personalíssimos, que restariam desprotegidos se as diversas condutas fossem resumidas a apenas uma.
Muito embora a argumentação continue válida, a vedação contida na súmula não tem mais lugar devido à expressa disposição legal que admite a continuidade delitiva em crimes dolosos cometidos com violência ou grave ameaça contra vítimas diferentes. O emprego de violência e de ameaça contra a pessoa atinge a integridade física e a liberdade individual, bens jurídicos sem dúvida personalíssimos. Mas, diante da disposição da lei, não é mais possível invocar a súmula.
8) Na continuidade delitiva prevista no caput do art. 71 do CP, o aumento se faz em razão do número de infrações praticadas e de acordo com a seguinte correlação: 1/6 para duas infrações; 1/5 para três; 1/4 para quatro; 1/3 para cinco; 1/2 para seis; 2/3 para sete ou mais ilícitos.
Verificados os requisitos do crime continuado genérico (art. 71, caput, do CP), a aplicação da pena se dará conforme o sistema da exasperação: o juiz escolherá qualquer das penas, se idênticas, ou a maior delas, se distintas, aumentando, na terceira fase da dosimetria, de 1/6 a 2/3.
Convencionou-se que o parâmetro de aumento deve ser a quantidade de infrações cometidas em continuidade: quanto maior o número de crimes, mais a fração deve se aproximar de dois terços:
“8. Esta Corte Superior firmou a compreensão de que a fração de aumento no crime continuado é determinada em função da quantidade de delitos cometidos, aplicando-se a fração de aumento de 1/6 pela prática de 2 infrações; 1/5, para 3 infrações; 1/4, para 4 infrações; 1/3, para 5 infrações; 1/2, para 6 infrações; e 2/3, para 7 ou mais infrações (HC 342.475/RN, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Sexta Turma, DJe 23/2/2016).
9. No caso, a fração de aumento decorrente da continuidade delitiva no crime previsto no art. 313-A do CP baseou-se na circunstância de que todos os réus praticaram, no mínimo, oito infrações, revelando-se idôneo o aumento na fração de 2/3, conforme reiterada jurisprudência desta Corte.” (AgRg no AREsp 724.584/DF, j. 13/12/2018)
9) Na continuidade delitiva específica, prevista no parágrafo único do art. 71 do CP, o aumento fundamenta-se no número de infrações cometidas e nas circunstâncias judiciais do art. 59 do CP.
No crime continuado específico (parágrafo único do art. 71, ao qual já nos referimos nos comentários às teses 6 e 7) as regras para a fixação da pena levam em conta também o sistema da exasperação, devendo o juiz, na terceira fase de aplicação, aumentar a pena até o triplo (partindo de 1/6). O critério é semelhante ao anterior: considera-se o número de infrações. Mas, tendo em vista que o parágrafo único do art. 71 faz referência expressa à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social e à personalidade do agente, aos motivos e às circunstâncias do crime, impõe-se um critério adicional, que é a apreciação das circunstâncias judiciais. A respeito da necessidade de análise mais acurada, destaca-se o seguinte trecho de julgado do STJ:
“Mutatis mutandis, a solução a ser dada para o caso de continuidade delitiva específica deve ser outra, não dispensando a utilização das circunstâncias judiciais, conforme expressamente consignado no dispositivo legal. Em assim sendo, reconhecida a modalidade de concurso de crimes prevista no parágrafo único do art. 71 do CP, a exacerbação da pena deverá se nortear por critérios objetivos – número de infrações praticadas – e subjetivos – antecedentes, conduta social, personalidade do agente, assim como os motivos e circunstâncias do crime (HC n. 128.297/SP, Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, DJe 13/10/2009).
No aspecto subjetivo, a mensuração do acréscimo insere-se na órbita de convencimento do magistrado, ou seja, integra o seu poder discricionário de julgar o aumento conveniente ao caso concreto. Porém, como o poder discricionário é limitado, faz-se necessário distinguir o ato judicial deixado à discrição do ato arbitrário, caprichoso ou da mera retórica. Nesse compasso, com o fito de impor parâmetro capaz de assegurar escorreita valoração da culpabilidade, aqui entendida como medida da pena imposta pelo delito, ao tempo em que permite o controle pelas partes da fundamentação adotada e dos elementos concretos utilizados pelo juiz, o legislador infraconstitucional encartou no Código a consideração das circunstâncias judiciais como uma faculdade e um norte dispensado ao Juízo para a fixação de uma pena justa e adequada ao caso concreto.
(…)
Destaco, ainda, os ensinamentos de abalizada doutrina sobre o tema:
Presentes todos os requisitos exigíveis, passa o juiz a ter a faculdade de aplicar, em relação ao réu, não um acréscimo punitivo variável entre um sexto e dois terços, mas, sim, o tresdrobro da pena correspondente a um só dos crimes, se idênticas; ou ao mais grave, se diversas. A exarcebação da pena não é contudo, nem automática, nem ilimitada.
Não é automática, porque não basta o preenchimento dos pressupostos legais para que o acréscimo seja de cogente aplicação. O juiz deverá sempre levar em consideração, para efeito de imposição do especial aumento de pena, não apenas o número de infrações praticadas, mas também “a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social, a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias” que cercaram a realização dos delitos em série continuada. (FRANCO, Alberto Silva; STOCO, Rui. Código Penal e sua interpretação: doutrina e jurisprudência. 8ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 400).” (HC 439471/MG, j. 02/08/2018)
10) Caracterizado o concurso formal e a continuidade delitiva entre infrações penais, aplica-se somente o aumento relativo à continuidade, sob pena de bis in idem.
Nada impede que o caso concreto revele uma situação em que, em tese, incidam as regras do concurso formal e do crime continuado. É possível, com efeito, que alguém, mediante apenas uma conduta, cometa diversos crimes e, em seguida, nas mesmas circunstâncias de tempo, local e modo de execução, pratique ato semelhante. Ex.: Mediante grave ameaça, “A” subtrai determinada quantia em dinheiro de “B” e “C”, que estavam em um ponto de ônibus. No dia seguinte, também mediante grave ameaça “A” pratica conduta semelhante contra “D” e “E”, que se encontravam no mesmo local.
No exemplo citado, incidiria o sistema da exasperação para aumentar a pena em razão tanto do concurso formal (o STJ tem decidido que o roubo contra vítimas diferentes, mediante uma só conduta, dá ensejo ao concurso formal próprio) quanto do crime continuado. O STJ, no entanto, tem se orientado no sentido de que não é possível a imposição de frações de aumento simultâneas, sob pena de bis in idem:
“(…) Ademais, conquanto tal matéria de não tenha sido deduzida no bojo da impetração, verifica-se que a Corte Estadual, reformando a sentença condenatória, aplicou a regra do concurso formal em relação aos dois primeiros roubos e, afastando o concurso material, reconheceu a continuidade delitiva destes com o delito praticado contra a vítima que teve seu veículo roubado.
Contudo, este Superior Tribunal de Justiça entende que, ocorrendo na hipótese o concurso formal e a continuidade delitiva, deve o primeiro ser afastado, sendo aplicada na terceira fase da dosimetria apenas o disposto no art. 71 do Código Penal, pela quantidade total de delitos, sob pena de bis in idem.” (HC 441.763/SP, j. 07/06/2018)
11) No crime continuado, as penas de multa devem ser somadas, nos termos do art. 72 do CP
12) No crime continuado, a pena de multa deve ser aplicada mediante o critério da exasperação, tendo em vista a inaplicabilidade do art. 72 do CP.
O STJ modificou sua orientação a respeito da aplicação da multa no crime continuado, razão por que a tese 11 não se aplica mais.
O art. 72 do CP dispõe que “No concurso de crimes, as penas de multa são aplicadas distinta e integralmente”. Nota-se, portanto, que a pena de multa não obedece às regras diferenciadas do tratamento dispensado ao concurso de crimes. Para a fixação da multa, só incide uma regra: aplicação distinta e integral.
Mas há na doutrina quem lecione que essa regra não serve para o crime continuado, que, como sabemos, para fins de aplicação de pena, é considerado crime único. Logo, aplica-se a pena de multa uma única vez. O STJ adotou esta orientação e tem decidido que o disposto no art. 72 se restringe às formas de concurso material e formal:
“A jurisprudência desta Corte assentou compreensão no sentido de que o art. 72 do Código Penal é restrito às hipóteses de concursos formal ou material, não sendo aplicável aos casos em que há reconhecimento da continuidade delitiva. Desse modo, a pena pecuniária deve ser aplicada conforme o regramento estabelecido para o crime continuado, e não cumulativamente, como procedeu a Corte de origem.” (AgRg no AREsp 484.057/SP, j. 27/02/2018)
Desta forma, deve ser aplicada a pena de multa relativa a um crime, com exasperação seguindo os critérios já analisados para o crime continuado.
13) O reconhecimento dos pressupostos do crime continuado, notadamente as condições de tempo, lugar e maneira de execução, demanda dilação probatória, incabível na via estreita do habeas corpus.
Não são raros os casos de condenados que se dirigem ao STJ pretendendo a reanálise dos requisitos inerentes ao crime continuado, com o que normalmente se busca o afastamento do concurso material.
Mas o tribunal tem afastado tais pretensões sob o argumento de que a apreciação dos requisitos do crime continuado envolve dilação probatória incompatível com o habeas corpus e, segundo a súmula 7, incapaz de ensejar recurso especial:
“4. Com efeito, a continuidade delitiva somente se configura quando as circunstâncias de modo, tempo e lugar da prática dos ilícitos apresentam relação de semelhança e unidade de desígnios, acarretando o reconhecimento do desdobramento da prática criminosa.
5. Na espécie, a rediscussão da matéria mostra-se incompatível com a via mandamental eleita, porquanto, para se invalidar a conclusão da instância originária, torna-se imprescindível a reavaliação do contexto fático probatório. Precedentes desta Corte.” (HC 468.388/MG, j. 06/12/2018)
“A alteração do julgado, no sentido de aplicar a continuidade delitiva para todos os crimes, afastando a aplicação do concurso material, implicaria reexame do material fático-probatório dos autos, providência inviável nesta sede recursal, conforme o que dispõe o enunciado da Súmula n. 7/STJ.” (AgRg no AREsp n. 853.227/PR, DJe 31/10/2017)
Apenas em casos de flagrante ilegalidade, ou seja, quando evidente o equívoco da decisão combatida, é possível o afastamento do concurso material para a incidência da continuidade:
“9. Diante do contexto fático, sopesados pelas instâncias ordinárias, observa-se flagrante ilegalidade na dosimetria da pena, porquanto aplicado o concurso material entre os cinco delitos de estelionato, quando na hipótese verifica-se uma pluralidade de condutas praticadas em idênticas condições de tempo, lugar e modo de execução, bem como um liame indicando a unidade de desígnios. Assim, aplicável a continuidade delitiva entre as duas primeiras condutas, num primeiro momento, e entre as três outras, num segundo.
(…)
14. Writ não conhecido. Ordem concedia de ofício para afastar a concurso material entre os delitos, aplicando a continuidade delitiva. Pena definitiva fixada em 2 anos, 9 meses e 4 dias de reclusão, mais 23 dias-multa, a ser cumprida em regime aberto, salvo se, por outro motivo, o paciente estiver descontando pena em regime mais severo, bem como substituída a pena privativa de liberdade por restritivas de direito, a ser definida pelo Juízo da Execução.” (HC 469.749/SP, j. 27/11/2018)
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