No geral, admite-se o princípio da insignificância nos crimes patrimoniais em que não há violência ou ameaça, não há o emprego de meios que por si tornam o fato mais grave e que não são cometidos por quem faz da ação criminosa um meio de vida. Os tribunais superiores estabeleceram alguns parâmetros para que a análise da insignificância seja o mais criteriosa possível, evitando-se assim que o sistema criminal promova uma proteção deficiente dos bens jurídicos tutelados pela norma penal, situação tão deletéria quanto o excesso e o abuso. Em resumo, são requisitos para a insignificância (A) a mínima ofensividade da conduta do agente, (B) a ausência de periculosidade social da ação, (C) o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e, por fim, (D) a inexpressividade da lesão jurídica causada.
Estes requisitos obrigam a uma análise abrangente das circunstâncias em que ocorre a prática criminosa. Desta forma, não obstante o valor irrisório do objeto subtraído no furto, por exemplo, há fatores que podem confirmar a tipicidade material, como o rompimento de obstáculo, a escalada, a fraude e o concurso de agentes. Além disso, no caso daquele que comete reiterados crimes, ainda que os prejuízos individualmente considerados sejam reduzidos, não é socialmente adequado que a Justiça criminal ignore o todo e acabe incentivando a reiteração delitiva. É o que vêm decidindo os tribunais superiores:
“Não há falar em reduzido grau de reprovabilidade no comportamento do agente que responde a vários processos criminais por crime da mesma natureza (contra o patrimônio), circunstância que configura a reiteração criminosa e impede a aplicação do princípio da insignificância.” (STJ: AgRg no AREsp 1.394.000/MG, j. 23/04/19)
“1. Inexistindo pronunciamento colegiado do Superior Tribunal de Justiça, não compete ao Supremo Tribunal Federal (STF) examinar a questão de direito discutida na impetração. 2. Em se tratando de crime de furto, a aplicação do princípio da insignificância deve ser casuística, incumbindo ao Juízo de origem avaliar, no caso concreto, a melhor forma de assegurar a aplicação do princípio constitucional da individualização da pena, examinando a possibilidade da incidência do privilégio previsto no art. 155, § 2º, do Código Penal, ou do reconhecimento da atipicidade da conduta, com fundamento no princípio da bagatela (HCs 123.734, 123.533 e 123.108, Rel. Min. Luís Roberto Barroso).
(…)
4. Hipótese de paciente contumaz na prática delitiva, tendo em vista que “possui contra si uma condenação por crime de roubo e outras duas por porte de arma. Registra, ainda, outras passagens por crime de ameaça, lesões corporais e porte de droga. Junto a isso, responde a processo por crime de tráfico de entorpecentes”, o que impossibilita o reconhecimento do princípio da insignificância. 5. Agravo regimental não provido.” (STF: HC 119.844 AgR/MG, j. 29/06/2018)
Uma vez afastada a insignificância em razão da reiteração criminosa, qual a forma adequada de cumprimento da pena?
A rigor, no caso de reincidência, o regime inicial deve ser o fechado, como se extrai do art. 33, § 2º, do CP, que, ao mencionar os parâmetros dos regimes aberto e semiaberto, faz referência ao condenado “não reincidente”. Ocorre que, além da situação estabelecida no art. 44, § 3º, do CP, segundo o qual o reincidente pode ter a pena privativa de liberdade substituída pela restritiva de direitos se a substituição for socialmente recomendável e a reincidência não seja em virtude da prática do mesmo crime, a jurisprudência mitiga a regra do regime fechado ao reincidente ao qual tenha sido imposta pena privativa de liberdade.
A súmula 269 do STJ, com efeito, dispõe ser “admissível a adoção do regime prisional semiaberto aos reincidentes condenados a pena igual ou inferior a quatro anos se favoráveis as circunstâncias judiciais”. O fundamento da súmula reside no fato de que, para estabelecer o regime de pena adequado, observando rigorosamente o princípio da individualização da pena, deve o juiz observar todas as circunstâncias que envolvem o fato e seu autor, que se conjugam para possibilitar o alcance das finalidades da pena. Por isso, é possível que, mesmo reincidente, o agente possa cumprir sua reprimenda em um regime menos rigoroso.
E nos casos em que, consideradas estritamente as circunstâncias objetivas do fato, o princípio da insignificância seria admissível, mas é obstado em virtude da reiteração criminosa, pode ser também aplicada essa mitigação relativa à regra do regime inicial fechado?
Segundo decidiu o STF no julgamento do HC 135.164/MT (j. 23/04/2019), tais casos devem ser tratados de maneira ainda mais branda, aplicando-se diretamente o regime inicial aberto.
No caso submetido a julgamento, o paciente, com maus antecedentes e reincidente, havia sido processado pelo furto de peças de roupa no valor de R$ 130,00. Foi absolvido em primeira instância por incidência do princípio da insignificância, mas o Tribunal de Justiça reformou a decisão para condená-lo, tendo em vista que suas circunstâncias pessoais não eram condizentes com a atipicidade material.
Ao julgar o habeas corpus, o STF reconheceu a impropriedade da aplicação do princípio da insignificância diante da reiteração criminosa, mas estabeleceu a possibilidade de imposição do regime aberto nos casos em que, abstraída a circunstância pessoal desfavorável, a bagatela seria reconhecida.
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