Meus queridos, tema sempre recorrente nas provas de concurso de ingresso na carreira do Ministério Público, é a questão do homicídio. Desde a forma singular, ou simples, até as qualificadas ou privilegiadas, as bancas examinadoras sempre conseguem colocar dúvidas nas cabeças dos concurseiros. Por já lecionar há quase dez anos, na Escola do MPSC e graduação, posso dizer que já vi bastante coisa, mas também posso afirmar que as bancas possuem uma capacidade incrível de surpreender.
Sempre digo em sala de aula, aqui mesmo, e vou repetir. Durante a prova, a chance do NAE (nervosismo, ansiedade e estresse) afetar o candidato, beira a 100%. Desta forma, quanto mais o concurseiro puder se preparar no sentido de minimizar a ocorrência de surpresas, menos será afetado pelo NAE. Também repito que não se deve analisar uma prova de concurso como se estivesse em uma sala de audiência.
Já foi tratado em artigo anterior neste site, o confronto entre latrocínio x homicídio em concurso com furto, situação esta que normalmente gera confusão. Agora, trata-se do homicídio com outras variantes jurídicas, que igualmente podem ser mal interpretadas.
Antes de mais nada, importante dizer ao concurseiro que quando vai enfrentar uma segunda fase de concurso para ingresso no MP (normalmente prova escrita com uso de legislação seca), deve-se levar um Código Penal e um de Processo, absolutamente atualizados. Quando eu digo atualizados, quero dizer que não basta apenas levar o mais recente. O (s) código (s) tem que apresentar o dia, mês e ano das leis que modificam o texto legal. Isto porque o crime é um fato, e o examinador trabalha com esta premissa. Logo, se o examinador lança na prova um fato e uma data, é problema do candidato, saber se naquele momento, o crime é o “A” ou o “B”. Situação bem típica é o “Feminicídio”, inserido no Código Penal pela Lei 13.104 de 9.3.2015. Então o candidato abre a prova e se depara com um fato – homicídio, com características de feminicídio – pura e simplesmente ocorrido no dia anterior, leia-se, 8.3.2015. Caso o Código Penal utilizado na prova não possua os dados completos da entrada em vigor da lei nova (e não são todos que possuem as informações completas), está formado o turbilhão de emoções que potencializa o NAE, e o candidato, por mais que tenha estudado, vê seu conhecimento se transformar em um possível “chute”.
– E agora? Posso enquadrar um homicídio como este em outra qualificadora (torpe, talvez?)?
– Pode sim, em tese, mas o problema é que não estamos em uma sala de audiência, mas sim em uma prova de concurso, e é exatamente nisso que a banca vai lhe testar.
Situações também sempre problemáticas acontecem quando a solução para o homicídio não está no Art. 121 e suas derivações, mas sim na parte geral do Código Penal. Sabem aquelas aulas de Direito Penal I, aqueles exemplos hipotéticos, às vezes hilários, dados na faculdade, que com o passar do anos acabamos esquecendo, ou não dando tanta bola? Pois é, eles vão aparecer agora na vida real.
Um dos grandes problemas, cuja solução está no conhecimento da parte geral, está no confronto entre homicídio (Art. 121 do CP) x lesão corporal seguida de morte (Art. 129,§ 3º do CP), esta com a seguinte redação: ” Art. 129 […] § 3° Se resulta morte e as circunstâncias evidenciam que o agente não quís o resultado, nem assumiu o risco de produzí-lo:” É a parte especial do CP remetendo o candidato à parte geral, em especial todo o arcabouço doutrinário contido nos Arts. 18Art. 18 - Diz-se o crime: Crime doloso I - doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo; Crime culposo II - culposo, quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia. Parágrafo único - Salvo os casos expressos em lei, ninguém pode ser punido por fato previsto como crime, senão quando o pratica dolosamente. e 19 do Código Penal Agravação pelo resultado Art. 19 - Pelo resultado que agrava especialmente a pena, só responde o agente que o houver causado ao menos culposamentee que as doutrinas do Rogério (como assim, que Rogério? O Sanches, claro!) explicam tão bem. Agora, deve o candidato destrinchar se na questão houve intenção de matar, ou não, assunção, ou não, do risco de morte.
Meus queridos, vamos combinar que na vida real, tanto o homicídio quanto lesão seguida de morte podem ser a mesma coisa. A interpretação detalhista e minuciosa que vai definir se o caso vai a júri, ou para o juiz singular. Mas, o fato em si pode (e normalmente é) ser exatamente o mesmo.
Como que isso vem na prova de concurso? Imagine-se a seguinte situação: Uma briga em uma boate entre duas pessoas. Ambos se agredindo. Um bate no outro, o outro bate no um. Bate e leva. Saem da boate e continuam a briga. Bate e apanha, apanha e bate. Trocas recíprocas. Este é o contexto. Inesperadamente, um deles tropeça, o outro, em pé, pega o que tem de mais próximo e atira em seu oponente. Vixe! Era um paralelepípedo, pegou na cabeça do que estava caído e matou. Homicídio? Lesão seguida de morte? Pode-se dizer quem atira um paralelepípedo na cabeça de alguém assume o risco de matar? Ou não? A bem da verdade, solução definitiva não há. Cabem ambas as soluções, isso dependendo do resultado da instrução, dos detalhes. Mas, não estamos em uma instrução criminal e sim em uma prova. Bem, nesse caso, a banca vai ter que indicar o caminho, para que o candidato possa ir buscar os pontos correspondentes ao gabarito.
Observem a situação. O contexto da briga. Se fulano não bate, apanha. Ele bateu e logo em seguida levou. Quando o oponente tropeça e cai, naquele mesmo contexto de bate e apanha, fulano pega a “pedra” e atira. É a primeira coisa que tem próxima de si. Quando o examinador amarra o candidato nesse contexto, ele o está levando para a lesão seguida de morte. Isto porque todos ainda estão no contexto da briga, corpo e mente focados na briga. Eu estou brigando na mesma dinâmica que ele está brigando comigo, e se eu não jogar esse paralelepípedo agora, é ele quem vai me bater. Não há intenção de matar no contexto e sim de brigar. Daí o raciocínio pela lesão seguida de morte. Caso o examinador separasse os contextos, ou seja, um dos oponentes cai, o outro pensa, reflete, sai do local e volta com a pedra para jogar na cabeça do outro, a banca está dizendo que fulano teve tempo para pensar, refletir, ir buscar a arma, sair do contexto da briga, e aí sim, no mínimo, assume o risco de matar (o que acabou acontecendo). Temos o homicídio! Mas, é a banca que vai indicar por onde o candidato deve trilhar.
Ainda dentro da parte geral do Código Penal, vejam que interessante um trecho da prova do concurso do MPSC de 2004 (o divisor de águas). O caso tratava, dentre outras coisas, de uma farra do boi (brincadeira típica de SC, na verdade, um crime onde se maltrata um boi, açoitando-o, enquanto os participantes correm atrás), onde o animal foi excitado pelos acusados e durante o trajeto, este foram atrás da “brincadeira”, machucando pessoas durante a passagem. Em uma determinada parte, a prova narra: “No percurso vacilante o enlouquecido animal, agora seguido à distância pelo grupo, encontra MARIA DO ROSÁRIO, carregando uma criança, mais tarde identificada como VINICIUS ASSUNÇÃO, de 2 (dois) anos de idade, ao colo, e, atropelando-a, desequilibra-a e a projeta, com a criança, ao solo, vindo a pisotear a criança, provocando-lhe o desmaio. MARIA DO ROSÁRIO levanta-se e, revoltada com a selvageria, verte impropérios contra o grupo que perseguia o animal e galhofava do ocorrido, com ela não se preocupando, até por desconhecer que a criança se encontrava ferida, pois ficara parcialmente encoberta pelo mato que vicejava à margem da via pública.
Porém, TEÓFILO DURÃO, por sua obesidade, retardara-se na perseguição e viu perfeitamente a criança desmaiada, apresentando sangramento abundante, com risco de vida e necessitada de socorros imediatos. Mesmo consciente de seu dever humanitário e jurídico de socorrer o infante, podendo perfeitamente fazê-lo, já que se encontrava com um automóvel estacionado nas imediações, continuou em sua marcha, não pretendendo perder a brincadeira, pouco se importando com a sorte da criança, que, socorrida tardiamente por outros solidários circunstantes, efetivamente veio a óbito naquela tarde”.
Observem como a banca indica o caminho. Teófilo Durão, participante ativo da farra do boi, deu causa ao vento e possuía o dever humanitário e jurídico de socorrer a criança. Seria omissão de socorro com resultado morte? Homicídio? Esta escolhe reflete em regras de competência, em pontos na prova, e determina a aprovação ou reprovação do candidato. Observe que a prova menciona que Teófilo, que deu causa ao evento, percebeu a gravidade da lesão na criança, e o iminente risco de morte, mas mesmo assim, continuou sua marcha. O texto narra claramente uma omissão de Teófilo em enfrentar a situação. Mas esta omissão caracteriza o quê? A parte geral do CP responde, no Art. 13, §2º: “§ 2º – A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem: c) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado“. Neste caso, como Teófilo deu causa ao evento, tinha o dever de agir em relação à criança que foi atingida por este evento. Não agiu, se omitiu e a criança morreu. Sua omissão foi penalmente relevante para a ocorrência do resultado morte (cuja causa é imputada a Teófilo). A prova, então, indica a ocorrência de um homicídio pela relevância penal da omissão, na forma do Art. 13, §2º do Código Penal. Além disso, há toda a consequência. Direcionar o caso ao Júri, pedir pronúncia, denunciar os crimes conexos, etc…era o divisor de águas da prova.
São situações assim que aparecem para o candidato. Muitas vezes é a parte geral do Código Penal que define a prova. Nunca esqueçam. Sala de audiência não é prova de concurso.
Abraços e até a próxima.
Para se aprofundar no tema: