Não são poucos os casos julgados em que acusados pela prática do crime de furto em estabelecimentos comerciais sustentam que sua conduta seria, na realidade, absolutamente incapaz de alcançar o resultado visado e, portanto, de atingir o patrimônio da vítima. Assim o fazem baseados no fato de que os sistemas de vigilância instalados especialmente em estabelecimentos de grande porte tornam impossível a consumação. Com efeito, sustentam, redes de câmeras, seguranças circulando pelo interior e alarmes nas portas impedem de maneira incontornável a fuga com a res furtiva.
O entendimento dominante, todavia, é de que a só instalação de sistemas de vigilância não torna impossível a consumação do crime, tanto que o STJ editou a súmula nº 567 neste exato sentido:
“Sistema de vigilância realizado por monitoramento eletrônico ou por existência de segurança no interior de estabelecimento comercial, por si só, não torna impossível a configuração do crime de furto”.
O aparato de segurança de fato dificulta a prática do crime patrimonial, mas não pode ser encarado como um impeditivo absoluto a priori.
Mas, ainda assim, há quem argumente que se a simples instalação de sistemas de segurança não impede a consumação, isso não significa que, no caso concreto, a consumação seja sempre possível. É preciso aquilatar o caso concreto para saber se o meio utilizado era absoluta ou relativamente ineficaz.
Com base nisso, em 22 de agosto de 2017 o STF concedeu habeas corpus em dois casos em que, segundo observou o relator – min. Dias Toffoli –, “a forma específica mediante a qual os funcionários dos estabelecimentos exerceram a vigilância direta sobre os acusados, acompanhando ininterruptamente todo o trajeto de suas condutas, tornou impossível a consumação do crime, dada a ineficácia absoluta do meio empregado”. Mas, ressaltou, a conclusão pela atipicidade depende sempre da análise pormenorizada das circunstâncias do caso concreto (HC 844.851/SP e RHC 144.516/SC).
A decisão, data maxima venia, parece-nos equivocada.
O crime impossível pela ineficácia absoluta do meio se verifica quando falta potencialidade causal porque os instrumentos postos a serviço da conduta não são eficazes, em hipótese alguma, para a produção do resultado. A forma eleita pelo agente para cometer o crime não pode ter nenhuma possibilidade de sucesso, pois, do contrário, a única solução sensata é aplicar as regras da tentativa. É o caso clássico em que o agente, para tentar matar alguém, utiliza uma arma de brinquedo. Jamais, em nenhuma hipótese o meio eleito seria capaz de provocar a consumação do homicídio.
Ora, por mais sofisticado que seja o sistema de vigilância de um estabelecimento comercial ordinário, sempre existe a possibilidade de contorná-lo. O fato – como ocorreu no caso julgado – de os seguranças seguirem o agente durante todo o tempo não impede de forma absoluta a consumação da subtração. Afinal, é plenamente possível que, ao ser abordado, o agente lance mão da habilidade característica do punguista e se desvencilhe.
E mais: quantos não são os furtos cometidos, com sucesso, em estabelecimentos dotados de aparatos de segurança muito mais eficientes, como bancos e joalherias, por exemplo? Chegaríamos ao ponto de tornar impuníveis os agentes que tentassem tamanha façanha?
Partir do pressuposto de que a vítima, pela instalação de aparatos de segurança, está preparada para tornar absolutamente impossível a consumação do crime é um claríssimo incentivo à tentativa. Sim, pois, sabendo que o aparato lhe dará a salvaguarda contra a punição pelo conatus, o que custará ao furtador arriscar? Afinal, se for surpreendido enquanto executa a ação, nada sofrerá. E o incentivo à assunção desse tipo de risco terá como certa consequência o aumento do número de agentes dispostos a assumi-lo, forçando os estabelecimentos a um aumento de custos para a adoção de medidas contra furtos, o que no fim prejudicará os próprios consumidores. O único não prejudicado será o criminoso!
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