O juiz federal competente para processar e julgar causas relacionadas à operação “Ponto Final”, desdobramento da “Lava Jato”, decretou a prisão de alguns acusados. Prisão que foi confirmada por desembargador federal (relator de habeas corpus impetrado no Tribunal Regional Federal da 2ª Região), pela Primeira Turma Especializada do TRF/2ª Região (composta por 3 desembargadores), e pela ministra do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que indeferiu liminar requerida nos autos de habeas corpus.
O próximo passo seria o exame da prisão por uma turma constituída de 5 ministros do STJ, pois primeiro sua legalidade deve ser examinada pela instância inferior (STJ), para somente depois ser apreciada pela superior (STF). A questão, que se encontra num determinado tribunal (STJ), aguardando julgamento, não pode saltar para outro, situado num nível mais alto (STF).
Nesse sentido, recentemente, uma ministra do STF inadmitiu habeas corpus (HC) impetrado pela defesa de Zaqueu Barbosa, ex-comandante da Polícia Militar de Mato Grosso preso preventivamente pela suposta prática de crime de interceptação ilegal de conversas telefônica. De acordo com a ministra, o “Superior Tribunal de Justiça não vislumbrou presentes os requisitos ensejadores da soltura do paciente, reservando a definição da matéria ao pronunciamento do colegiado (daquele tribunal: STJ)”, de modo que “dar trânsito ao writ (HC no STF) significaria duplicar a instrução, que já está sendo realizada, e apreciá-lo no mérito implicaria suprimir instânciasHC 146910/MT“.
Há, inclusive, desde 24.09.2003, uma Súmula do STF, a de n. 691, que proíbe a apreciação da legalidade da prisão pelo STF antes do STJ decidir sobre essa questão, vedando a supressão de instância, em sede de habeas corpus, verbis:
Não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de habeas corpus impetrado contra decisão do Relator que, em habeas corpus requerido a tribunal superior, indefere a liminar.
Súmula é um verbete (apontamento/anotação) que exprime de maneira concisa reiteradas decisões sobre alguma matéria constitucional – no caso, o artigo 102, I, “i”Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: I - processar e julgar, originariamente: (...) i) o habeas corpus, quando o coator for Tribunal Superior ou quando o coator ou o paciente for autoridade ou funcionário cujos atos estejam sujeitos diretamente à jurisdição do Supremo Tribunal Federal, ou se trate de crime sujeito à mesma jurisdição em uma única instância; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 22, de 1999), da Constituição Federal –, com o objetivo de orientar e indicar o procedimento, atitude mais adequada a ser assumida. Guiam a direção, o caminho a ser seguido pelas autoridades judiciais.
Mas, eis que se antecipando ao julgamento do STJ, um dos ministros do STF reputou ilegal a prisão de acusados na operação “Ponto Final”, concedendo-lhes habeas corpus. Para fazê-lo, desconsiderou o disposto na referida Súmula 691/STF, embora tenha chamado isso de “abrandar” a sua aplicação.
Quando ocorre, decisões desse jaez apresentam sempre o mesmo roteiro: começa por afirmar a existência e validade da Súmula 691: o STF não pode admitir habeas corpus, antes de seu julgamento definitivo pelo STJ. Logo depois, desfia-se um rosário, por assim dizer, de precedentes, atestando a higidez e o vigor da Súmula n. 691/STF (. E mais recentemente: HC 132.185-AgR/SP, por mim relatado (ministro Gilmar Mendes), 2ª Turma, unânime, DJe 9.3.2016; HC 140.285 AgR/TO, Rel. Min. Rosa Weber, 1ª Turma, maioria, DJe 24.4.2017; HC 143.069 MC/SP, Rel. Min. Celso de Mello, DJe 9.5.2017.’ position=’top’ tag=’a’ width=’180px’ style=’style_1′ delay=’0′ cursor=’pointer’ event=’hover’ ]notaTooltip Content), para, contudo, em seguida … declarar que a tal Súmula 691/STF não se aplica em determinadas situações “excepcionais”, coincidentemente presentes no HC sob análise.
Quais situações? Múltiplas e indefinidas. Materializadas, por exemplo, na vagueza da expressão: evitar flagrante constrangimento ilegal. Abrangem um conjunto de circunstâncias passíveis de juízo discricionário e dependentes do ponto de vista meramente pessoal sobre a legalidade da prisão preventiva decretada. Ou seja, deixa-se à discrição e ao discernimento de cada um dos ministros do STF a tomada de uma decisão individual, com indícios claros de subjetivismo, destinada a invalidar prisão reconhecida como necessária por uma série de autoridades judiciais que lhes precederam.
A propósito, indaga-se: uma prisão, confirmada pelos juízes de tribunal de segunda instância (TRF ou TJ), de forma monocrática e em conjunto (órgão colegiado), bem como por um(a) ministro(a) do STJ, evidencia flagrante (incontestável/manifesta) ilegalidade?
Portanto, esse “abrandamento” da aplicação da Súmula n. 691/STF equivale a negá-la por completo. Desorienta, em vez de nortear objetivamente quando o STF pode apreciar habeas corpus, levando-se em conta, principalmente, que “a constituição não deu qualquer poder decisório a ministros individualmente, apenas ao tribunal” (notaFalcão, Joaquim; Arguelhes, Diego Werneck. Onze Supremos: todos contra o plenário. Disponível em https://jota.info/especiais/onze-supremos-todos-contra-o-plenario-01022017. Acessado no dia 30.08.2017).
Por que, então, o STF relativiza o emprego da Súmula 691, expondo-se a acusações de abuso e ao risco de descrédito? Parece que existe algo mais em jogo, além de eventuais prisões ilegais: o exercício do poder. A Súmula n. 691/STF, caso aplicada, priva os ministros do STF de poder imenso: decidir, no lugar do tribunal, quem é solto ou fica preso em todo o território nacional, independentemente de o STF figurar como instância suprema, isto é, a última e derradeira.