Informativo: 619 do STJ – Direito Penal
Resumo: É inviável o reconhecimento de reincidência com base em único processo anterior em desfavor do réu, no qual – após desclassificar o delito de tráfico para porte de substância entorpecente para consumo próprio – o juízo extinguiu a punibilidade por considerar que o tempo da prisão provisória seria mais que suficiente para compensar eventual condenação.
Comentários:
No delito de tráfico (art. 33, caput) e nas formas equiparadas (§ 1.º), as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, desde que o agente seja primário (não reincidente), de bons antecedentes e não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa (traficante, agindo de modo individual e ocasional). Os requisitos são subjetivos e cumulativos, isto é, faltando um deles inviável a benesse legal.
Nos termos do art. 63 do CP, “Verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior”.
Dentre outras classificações, a doutrina distingue a reincidência entre real e ficta.
A reincidência real ocorre quando o agente comete novo crime após ter efetivamente cumprido a totalidade da pena pelo crime anterior (e antes do prazo de cinco anos – período depurador). Já na reincidência ficta novo crime é cometido após a condenação definitiva, mas antes do cumprimento da totalidade da pena do crime anterior (o prazo da caducidade da reincidência sequer começou a correr).
Vê-se, diante destas definições, que o agente só pode deixar de ser considerado primário se tiver contra si uma condenação definitiva. Por esta razão, o STJ concedeu a ordem no habeas corpus 390.038/SP (j. 06/02/2018) por considerar ilegal o afastamento da minorante do tráfico num caso em que o agente havia respondido, em processo anterior, pelo mesmo crime, mas, ao final, o juiz desclassificou a conduta para posse de droga para uso próprio e, considerando o tempo de prisão provisória a que tinha sido submetido o agente, extinguiu a punibilidade sob o fundamento de que o cárcere havia sido mais do que suficiente para compensar qualquer medida prevista no art. 28 da Lei 11.343/06. Na decisão que foi objeto do habeas corpus 390.038, o juiz de primeira instância afastou o tráfico privilegiado considerando que a anterior extinção da punibilidade ocorreu, na verdade, pelo cumprimento de pena, por aplicação de “detração analógica virtual”.
O STJ, todavia, não encampou a tese. Para o tribunal, não é possível equiparar a prisão preventiva a que o agente havia sido submetido – e que depois se revelou ilegal em virtude da desclassificação da conduta – com uma prisão relativa à execução da pena:
“não há como desprezar que o tempo de constrição considerado para a extinção da punibilidade se deu no âmbito exclusivo da prisão preventiva, sendo inconcebível compreender, em nítida interpretação prejudicial ao réu, que o tempo de prisão provisória seja o mesmo que o tempo de prisão no cumprimento de pena, haja vista tratar-se de institutos absolutamente distintos em todos os seus aspectos e objetivos. Nessa linha de raciocínio, a decisão de extinção da punibilidade, na hipótese, aproxima-se muito mais do exaurimento do direito de exercício da pretensão punitiva como forma de reconhecimento, pelo Estado, da prática de coerção cautelar desproporcional no curso do único processo em desfavor do paciente – citado anteriormente – do que com o esgotamento de processo executivo pelo cumprimento de pena. Acrescente-se, ainda, que, se o paciente não houvesse ficado preso preventivamente – prisão que, posteriormente, se mostrou ilegal, dada a desclassificação do primeiro delito a ele imputado –, teria feito jus à transação penal, benefício que, como é sabido, não é apto a configurar nem maus antecedentes nem reincidência. Nesse sentido, o único processo anterior existente em desfavor do réu não pode ser considerado para fins de reincidência, devendo a Corte de origem reanalisar o preenchimento dos demais requisitos necessários à aplicação da minorante prevista no art. 33, § 4º, da Lei de Drogas”.
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