Segundo dispõe o art. 261 do CPP, “Nenhum acusado, ainda que ausente ou foragido, será processado ou julgado sem defensor”. Trata-se, evidentemente, de corolário da norma constitucional que assegura “aos acusados em geral”, o contraditório e a ampla defesa (art. 5°, inc. LV da Carta). Por contraditório se entende a possibilidade que se confere ao réu de conhecer, com exatidão, todo o processo e, em decorrência de tal ciência, contrariá-lo sem nenhuma espécie de limitação. Impõe-se ao juiz, em consequência, a obrigatoriedade de ouvir ambas as partes (ciência bilateral das partes) antes de decidir. A ampla defesa, de sua parte, representa verdadeira consequência do contraditório. Se através dele se reconhece a absoluta igualdade entre as partes, será por meio da ampla defesa que tal igualdade ganhará corpo, tornando-se efetiva e palpável. A ampla defesa consiste, portanto, na possibilidade de o réu contraditar a acusação.
O defensor pode ser constituído ou dativo. Constituído ou procurador, como o nome indica, é aquele contratado pelo réu, segundo sua livre escolha. Assim, inserida no princípio da ampla defesa se encontra a possibilidade de o réu eleger seu defensor. Tanto é assim que se o advogado constituído, por alguma razão, deixa o processo, não pode o juiz, de plano, nomear um defensor dativo, devendo antes consultar o réu para que ele, se desejar, contrate outro advogado. Já o defensor dativo é o nomeado pelo juiz, recaindo tal nomeação em membro da Defensoria Pública, carreira que tem previsão constitucional (art. 5º, inc. LXXIV, da Constituição). Atualmente, os órgãos de defensoria acham-se instalados em todos os Estados, mas, nas comarcas que não contam com a atuação de defensores públicos (ou nas quais a Defensoria, embora instalada, não possui a estrutura necessária) a função de defensor dativo é realizada por advogados, nomeados por meio de convênios firmados entre a OAB e o Estado.
De acordo com a orientação firmada no STF, a nomeação de defensor dativo só é legítima nas situações em que a comarca não conta com atuação da Defensoria Pública ou em que esta atuação não é plena devido à deficiência estrutural do órgão:
“1. Jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal – e na mesma linha a do Superior Tribunal de Justiça -, no sentido de que, intimadas as partes da expedição da precatória, a elas cabe o respectivo acompanhamento, sendo desnecessária a intimação da data designada para a audiência no Juízo deprecado. 2. Mitigação desse entendimento em relação à Defensoria Pública. As condições da Defensoria são variadas em cada Estado da Federação. Por vezes, não estão adequadamente estruturadas, com centenas de assistidos para poucos defensores, e, em especial, sem condições de acompanhar a prática de atos em locais distantes da sede do Juízo. Expedida precatória para localidade na qual existe Defensoria Pública estruturada, deve a instituição ser intimada da audiência designada para nela comparecer e defender o acusado necessitado. Não se justifica, a nomeação de defensor dativo, quando há instituição criada e habilitada à defesa do hipossuficiente. Nulidade reconhecida. 3. Recurso ordinário em habeas corpus provido.” (RHC 106.394/MG, j. 30/10/2012).
Não é diversa a abordagem do tema no STJ:
III – A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5º da Constituição Federal. IV – São direitos dos assistidos da Defensoria Pública, além daqueles previstos na legislação estadual ou em atos normativos internos, o patrocínio de seus direitos e interesses pelo defensor natural (artigo 4º-A, IV, Lei Complementar nº 80/94). V – No caso dos autos há violação dos princípios da ampla defesa, do contraditório e do defensor público natural, tendo em vista a nomeação de defensor ad hoc para realizar audiência de instrução e julgamento ao invés de tentar intimar o acusado para constituir novo advogado ou preterindo o Defensor Público Estadual com atribuição para atuar no juízo coator.” (HC 332.895/SC, j. 20/10/2016).
Em razão disso, o STJ concedeu parcialmente medida liminar em habeas corpus (HC 457.443/GO) reconhecendo a irregularidade da nomeação de defensor dativo imediatamente após o esgotamento do prazo para a apresentação de resposta, pois na comarca em que o feito é processado há Defensoria Pública (que, inclusive, impetrou o remédio heroico). A ministra Laurita Vaz determinou a imediata remessa dos autos ao órgão de defesa, que, no entanto, deverá recebê-los na fase em que se encontram, ou seja, embora tenha considerado irregular a nomeação do defensor dativo, a ministra não reconheceu a ocorrência de nulidade, pois não se demonstrou o prejuízo eventualmente sofrido (daí a concessão parcial da medida). Nota-se que, com isso, contraria-se parcialmente ambas as decisões acima citadas, nas quais a nulidade foi reconhecida.
Por fim, ressaltamos que o STJ tem decisões nas quais afasta a irregularidade da nomeação de defensor dativo, mesmo havendo Defensoria Pública na comarca, em situações nas quais o advogado constituído não comparece na audiência e o juiz promove a nomeação apenas para a realização daquele ato:
“II – Em observância aos princípios da ampla defesa e da duração razoável do processo, estabelece o art. 265, § 2º, do Código de Processo Penal que, na ausência do advogado constituído, “o juiz não determinará o adiamento de ato algum do processo, devendo nomear defensor substituto, ainda que provisoriamente ou só para o efeito do ato”. III – In casu, o paciente constituiu advogados de sua confiança e os destituiu, deixando de comunicar o fato ao Juízo. Somente após o início da audiência de instrução, informou ao Magistrado acerca da revogação do mandato, o que ensejou a nomeação de defensor dativo somente para acompanhar aquele evento, e a intimação da Defensoria Pública para atuar nos subsequentes atos da ação penal. IV – Para que se reconheçam nulidades processuais, em consonância com o princípio pas de nullité sans grief, e com o disposto no art. 563 do CPP, é imprescindível a demonstração do prejuízo sofrido, pois “nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa”. V – Na hipótese dos autos, a Defensoria Pública sequer apontou em que medida o paciente teria sido prejudicado com a atuação do advogado dativo, circunstância que reforça a impossibilidade de reconhecimento da alegada nulidade suscitada na impetração. VI – Apenas a ausência de defesa, ou situação a isto equiparável, com prejuízos demonstrados ao acusado, é circunstância apta a macular a prestação jurisdicional, conforme prevê a Súmula n. 523 do Supremo Tribunal Federal: “No processo penal, a falta de defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu”, situação não demonstrada nos autos.” (AgRg no HC 420465 / SC, j. 05/06/2018)
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