O debate a respeito da transferência de determinados presos líderes de facções criminosas do Estado de São Paulo para presídios federais tem sido travado na imprensa e no mundo jurídico nos últimos meses. Como o tema é pouco conhecido e estudado (execução penal), são apresentados, no presente artigo, subsídios mínimos ao público afeto a concursos públicos e aos estudantes de Direito.
O RDD e a transferência de presos para estabelecimentos prisionais federais de segurança máxima possuem pontos em comum, mas não se confundem. Seguem alguns tópicos para o devido esclarecimento.
RDD – Regime Disciplinar Diferenciado – previsão normativa
O RDD, ou regime disciplinar diferenciado, está previsto no art. 52, da Lei Federal n. 10.792/03, que alterou a Lei Federal n. 7.210/84 – LEP (Lei de Execuções Penais), com a seguinte redação:
“Art. 52. A prática de fato previsto como crime doloso constitui falta grave e, quando ocasione subversão da ordem ou disciplina internas, sujeita o preso provisório, ou condenado, sem prejuízo da sanção penal, ao regime disciplinar diferenciado, com as seguintes características:
I – duração máxima de trezentos e sessenta dias, sem prejuízo de repetição da sanção por nova falta grave de mesma espécie, até o limite de um sexto da pena aplicada;
II – recolhimento em cela individual;
III – visitas semanais de duas pessoas, sem contar as crianças, com duração de duas horas;
IV – o preso terá direito à saída da cela por 2 horas diárias para banho de sol.
§ 1o O regime disciplinar diferenciado também poderá abrigar presos provisórios ou condenados, nacionais ou estrangeiros, que apresentem alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento penal ou da sociedade.
§ 2o Estará igualmente sujeito ao regime disciplinar diferenciado o preso provisório ou o condenado sob o qual recaiam fundadas suspeitas de envolvimento ou participação, a qualquer título, em organizações criminosas, quadrilha ou bando.”
RDD – Conceito e natureza jurídica
O regime disciplinar diferenciado é, portanto: a) uma sanção disciplinar decorrente de crime doloso praticado por preso provisório ou condenado, desde que ocasione subversão da ordem ou disciplina internas; ou b) medida acautelatória destinada a abrigar presos provisórios ou condenados, nacionais ou estrangeiros, que apresentem alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento penal ou da sociedade.
Logo, o RDD não é pena, tampouco regime especial de cumprimento de pena (porque não previsto no artigo 33, do Código Penal), com a observância de que tal tipificação encontra limite justamente no princípio da taxatividade, consoante mandamento constitucional do art. 5º, XXXIX: “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal;”
Além disso, o próprio dispositivo legal traz a ressalva “sem prejuízo da sanção penal” em relação à prática delitiva no sistema carcerário (art. 52, caput, da Lei Federal n. 10.792/03).
Não por acaso, a primeira hipótese acima analisada foi incluída como sanção do art. 53, da LEP: “Constituem sanções disciplinares: I – advertência verbal; II – repreensão; III – suspensão ou restrição de direitos (artigo 41, parágrafo único); IV – isolamento na própria cela, ou em local adequado, nos estabelecimentos que possuam alojamento coletivo, observado o disposto no artigo 88 desta Lei. V – inclusão no regime disciplinar diferenciado.”
Já em relação à segunda hipótese, trata-se de tertium genus – uma terceira via, uma medida especial, destinada a tutelar situações excepcionais por vezes não passíveis de solução pelas vias ordinárias da codificação geral do correlato Direito material, no caso, a LEP. Exemplo de medida semelhante é verificada na hipótese de sustação do regime de pena, com determinação cautelar de regressão para regime mais gravoso quando de fuga do sentenciado (LEP, art. 118, I).
Legitimidade ativa para o pedido
Podem pleitear o RDD: a) o diretor do estabelecimento ou outra autoridade administrativa (responsável pelo estabelecimento prisional) b) o Ministério Público.
A legitimidade do diretor decorre do § 1º do art. 54, da LEP, “a autorização para a inclusão do preso em regime disciplinar dependerá de requerimento circunstanciado elaborado pelo diretor do estabelecimento ou outra autoridade administrativa.”
A legitimidade do MP decorre do art. 68, II, da LEP: “Incumbe, ainda, ao Ministério Público:
[…]
II – requerer:
a) todas as providências necessárias ao desenvolvimento do processo executivo;”
Procedimento
De acordo com o § 1º do art. 54, da LEP, “a autorização para a inclusão do preso em regime disciplinar diferenciado dependerá de requerimento circunstanciado elaborado pelo diretor do estabelecimento ou outra autoridade administrativa.”
E o § 2º do mesmo artigo prevê que “a decisão judicial sobre inclusão de preso em regime disciplinar será precedida de manifestação do Ministério Público e da defesa e prolatada no prazo máximo de quinze dias.”
A inclusão do preso no RDD depende de despacho do juiz competente (art. 60, da LEP).
Recurso cabível
A decisão de inclusão ou não do preso em RDD desafia recurso de agravo em execução (art. 197, da LEP – pela acusação e defesa) e habeas corpus (pela defesa e também pelo Ministério Público, caso seja contrário ao pedido formulado pela autoridade administrativa).
Da transferência de presos para estabelecimentos prisionais federais de segurança máxima – Previsão normativa
A transferência de presos para estabelecimentos prisionais federais de segurança máxima está prevista na Lei Federal n. 11.671/08, com a seguinte redação: “Art. 1º. A inclusão de presos em estabelecimentos penais federais de segurança máxima e a transferência de presos de outros estabelecimentos para aqueles obedecerão ao disposto nesta Lei.”
Legitimidade ativa para o pedido
São legitimados para o pedido: a) a autoridade administrativa; b) o Ministério Público; c) e o próprio preso, consoante previsão do art. 5º: “São legitimados para requerer o processo de transferência, cujo início se dá com a admissibilidade pelo juiz da origem da necessidade da transferência do preso para estabelecimento penal federal de segurança máxima, a autoridade administrativa, o Ministério Público e o próprio preso.”
Fundamento para a transferência
De acordo com o art. 3º: “Serão recolhidos em estabelecimentos penais federais de segurança máxima aqueles cuja medida se justifique no interesse da segurança pública ou do próprio preso, condenado ou provisório.”
Procedimento
Além do pedido formulado e admitido perante o juízo de origem, a admissão do preso dependerá de decisão do juízo federal competente, consoante dispõe o art. 4º, da citada lei federal: “A admissão do preso, condenado ou provisório, dependerá de decisão prévia e fundamentada do juízo federal competente, após receber os autos de transferência enviados pelo juízo responsável pela execução penal ou pela prisão provisória.”
Nos termos do art. 5º, §2º: “Instruídos os autos do processo de transferência, serão ouvidos, no prazo de 5 (cinco) dias cada, quando não requerentes, a autoridade administrativa, o Ministério Público e a defesa, bem como o Departamento Penitenciário Nacional – DEPEN, a quem é facultado indicar o estabelecimento penal federal mais adequado.”
Da transferência de presos provisórios e condenados
Admitida a transferência do preso condenado, o juízo de origem deverá encaminhar ao juízo federal os autos da execução penal (consoante prevê o art. 6º, da Lei Federal n. . 11.671/08. Já no caso de acolhimento da transferência do preso provisório, será suficiente a carta precatória remetida pelo juízo de origem, devidamente instruída, para que o juízo federal competente dê início à fiscalização da prisão no estabelecimento penal federal de segurança máxima (art. 7º).
Do prazo de permanência nos estabelecimentos prisionais federais
De acordo com o art. 10º, § 1º, “O período de permanência não poderá ser superior a 360 (trezentos e sessenta) dias, renovável, excepcionalmente, quando solicitado motivadamente pelo juízo de origem, observados os requisitos da transferência.”
Da cabimento do conflito de competência
Dispõe o art. 9º da Lei que: “Rejeitada a transferência, o juízo de origem poderá suscitar o conflito de competência perante o tribunal competente, que o apreciará em caráter prioritário.”
A 2ª hipótese passível de conflito de competência decorre de não aceitação pelo juízo federal, de pedido de renovação do prazo de 360 dias de permanência do preso em estabelecimento prisional federal (v. art. 10º, par. 5º).
Recurso cabível
A decisão de transferência ou não do preso para estabelecimento prisional federal desafia recurso de agravo em execução (art. 197, da LEP – pela acusação e defesa) e habeas corpus (pela defesa e também pelo Ministério Público, caso seja contrário ao pedido formulado pela autoridade administrativa).
Bibliografia consultada
– CUNHA, Rogério Sanches; Lei de Execução Penal para Concursos. Salvador: Juspodivm, 2018. p. 90-100.
– CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Código de Processo Penal e Lei de Execução Penal Comentados. Salvador: Juspodivm, 2017. p. 1783-1793.