Informativo: 649 do STJ – Processo Penal
Resumo: O STJ é incompetente para examinar o recebimento de denúncia por crime supostamente praticado durante mandato anterior de governador, ainda que atualmente ocupe referido cargo por força de nova eleição.
Comentários:
Dentre os diversos agentes públicos aos quais a Constituição Federal atribui foro especial em decorrência da prerrogativa de função se encontram os governadores. Segundo o art. 105, inc. I, a, compete ao Superior Tribunal de Justiça processá-los e julgá-los originariamente nos crimes comuns.
A regra se aplicava tradicionalmente a todas as situações em que governadores eram processados por crimes comuns, ainda que não relacionados ao exercício do cargo. Sabemos, no entanto, que no julgamento de questão de ordem na Ação Penal 937 o Supremo Tribunal Federal restringiu a regra do foro por prerrogativa de deputados federais e senadores. Em suma, o tribunal concluiu que, a partir daquela decisão, a prerrogativa de foro se limitaria aos crimes cometidos no exercício do cargo e em razão dele.
É evidente que a decisão do STF repercutiu em prerrogativas semelhantes concedidas a outros agentes públicos, como prefeitos, governadores e deputados estaduais. Embora a questão de ordem na AP 937 não tenha tratado de outros agentes além dos deputados federais e dos senadores, o STJ e os tribunais de justiça têm se deparado com inúmeras situações em que, no geral, as premissas adotadas pelo STF são estendidas para limitar a incidência do foro especial.
Logo após aquela decisão, o Superior Tribunal de Justiça conferiu a mesma interpretação restritiva ao art. 105, inc. I, a, da Constituição Federal para afastar o foro por prerrogativa de um governador que estava sendo processado por crime cometido quando ocupava o cargo de prefeito.
À época, o ministro Luis Felipe Salomão fez referência, inicialmente, ao voto do ministro Barroso no STF, segundo o qual não há impedimento a que a corte constitucional faça interpretação restritiva dos dispositivos que contemplam a prerrogativa de foro. E, em razão da orientação adotada a respeito da extensão da prerrogativa, havia de ser observado o princípio da simetria, pois, segundo o art. 25, caput, da CF, “os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os princípios desta Constituição”. O princípio, segundo ressaltou o ministro Salomão, deve balizar a interpretação de todas as regras que envolvam o pacto federativo, como aquelas que dispõem sobre as prerrogativas dos governadores.
O caso concreto, de resto, enquadrava-se perfeitamente nas premissas adotadas pelo STF, pois a ação penal tramitava contra o governador “pela suposta prática de 12 (doze) crimes de responsabilidade de prefeitos (art. 1º, inciso XIII, do DL 201/67), decorrente da nomeação e admissão de servidores contra expressa disposição de lei, ocorridos entre 01.01.2010 e 01.02.2010, quando o denunciado exercia o cargo de Prefeito Municipal de João Pessoa/PB, ou seja, delitos que, em tese, não guardam relação com o exercício, tampouco teriam sido praticados em razão da função pública atualmente exercida pelo denunciado como Governador”.
Recentemente, o STJ decidiu restringir ainda mais a extensão do foro por prerrogativa de governadores ao decidir que nem mesmo crimes cometidos no exercício e em razão do cargo devem ser submetidos ao foro especial se o agente já estiver no desempenho de outro mandato, ainda que decorrente de reeleição:
“Cinge-se a controvérsia a averiguar se o STJ se mantém competente para examinar o recebimento da denúncia, na qual são narradas condutas que, apesar de relacionadas às funções institucionais de cargo público que garantiria foro por prerrogativa de função nesta Corte, teriam sido supostamente praticadas durante mandato anterior e já findo do denunciado e apesar de atualmente ocupar, por força de nova eleição, o referido cargo. A recente reinterpretação conduzida por este Tribunal, acompanhando o que fora decidido pelo STF, revelou que o conteúdo normativo da competência penal originária teria de ser restringido a seu núcleo fundamental, a fim de garantir a efetividade do sistema penal e evitar que o instituto se relacione à impunidade. Deduziu-se, assim, que o propósito do foro por prerrogativa de função é a proteção ao legítimo exercício do cargo, no interesse da sociedade. Entender de forma diversa, com a perpetuação de referida garantia, poderia acarretar sua transmutação em um privilégio de natureza pessoal, haja vista passar a estar atrelado, individualmente, à pessoa que ocupa a função pública. Assim, a sucessão de mandatos decorrente da reeleição para um mesmo cargo, ainda que de forma consecutiva, não pode, de fato, ser suficiente para a manutenção do foro por prerrogativa de função. Além disso, o princípio da unidade de legislatura, previsto originariamente na Constituição Federal em relação ao Poder Legislativo e ao processo de elaboração legislativa, também é justificador do isolamento dos mandatos em relação às supervenientes reeleições. O término de um determinado mandato acarreta, por si só, a cessação do foro por prerrogativa de função em relação ao ato praticado nesse intervalo, tendo como consequência o encaminhamento do processo que o apura ao órgão jurisdicional do primeiro grau de jurisdição. Dessa forma, a interpretação que melhor contempla a preservação do princípio republicano e isonômico é a de que o foro por prerrogativa de função deve observar os critérios de concomitância temporal e da pertinência temática entre a prática do fato e o exercício do cargo.”
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