O estelionato é tipificado no art. 171 do Código Penal e consiste em obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento.
Da simples leitura do tipo percebe-se que, para existir o crime, necessário se faz a presença de três elementos:
a) fraude: lesão patrimonial provocada pelo engano;
b) vantagem ilícita: se é devida a vantagem visada, desaparece o crime patrimonial e pode se tipificar o exercício arbitrário das próprias razões;
c) prejuízo alheio: a vítima deve sofrer um prejuízo patrimonial que corresponda à vantagem indevida obtida pelo agente.
Quando o tipo se refere a vantagem ilícita e a prejuízo alheio fica claro que a primeira pressupõe o segundo, pois quem obtém ilicitamente algum bem está evidentemente lesando o patrimônio da outra parte, impondo-lhe um prejuízo. O crime é portanto de duplo resultado, consumando-se somente após a efetiva obtenção da vantagem indevida, correspondente à lesão patrimonial de outrem.
Dadas as diversas circunstâncias em que o estelionato pode ser cometido, não raro surgem dúvidas a respeito do juízo competente para julgamento, pois nem sempre quem sofre o prejuízo e quem obtém a vantagem se encontram no mesmo local e, em tais situações, pode haver certa dificuldade para estabelecer com precisão onde o estelionatário realmente alcançou o proveito de seu ardil.
É o caso do conflito de competência 167.025/RS (j. 14/08/2019), no qual o STJ decidiu a controvérsia surgida a partir de um estelionato cometido por meio de aplicativo utilizado para a negociação dos chamados “carros de repasse”, oferecidos por preço médio abaixo do de mercado porque são comprados e vendidos no estado em que se encontram, sem que o vendedor tenha a obrigação de promover revisões estéticas e mecânicas. No caso julgado, a vítima, residente em Caxias do Sul/RS, havia adquirido uma carta de crédito para a compra de um veículo Mercedes-Benz. O pagamento foi feito por meio de duas transferências eletrônicas nos valores de R$ 40.000,00 e R$ 80.000,00 e por um depósito no valor de R$ 4.000,00, tudo com destino a agências bancárias situadas em São Bernardo do Campo/SP.
O juízo de São Bernardo do Campo declinou de sua competência sob o fundamento de que o local em que recebido o dinheiro integra uma espécie de post factum, pois o crime havia se consumado no lugar onde a vítima fez os pagamentos, ou seja, Caxias do Sul. Este juízo, por sua vez, suscitou o conflito argumentando que a competência deve ser determinada pelo local onde foi obtida a vantagem, isto é, São Bernardo do Campo.
A Terceira Seção do STJ lhe deu razão ao assentar que no estelionato em que a vítima efetua depósitos bancários a obtenção da vantagem ilícita ocorre apenas quando o agente se apossa do dinheiro, o que, no caso, ocorreu na cidade paulista:
“1. Nos termos do art. 70 do CPP, a competência será de regra determinada pelo lugar em que se consumou a infração e o estelionato, crime tipificado no art. 171 do CP, consuma-se no local e momento em que é auferida a vantagem ilícita. De se lembrar que o prejuízo alheio, apesar de fazer parte do tipo penal, está relacionado à consequência do crime de estelionato e não à conduta propriamente. De fato, o núcleo do tipo penal é obter vantagem ilícita, razão pela qual a consumação se dá no momento em que os valores entram na esfera de disponibilidade do autor do crime, o que somente ocorre quando o dinheiro ingressa efetivamente em sua conta corrente. 2. Há que se diferenciar a situação em que o estelionato ocorre por meio do saque (ou compensação) de cheque clonado, adulterado ou falsificado, da hipótese em que a própria vítima, iludida por um ardil, voluntariamente, efetua depósitos e⁄ou transferências de valores para a conta corrente de estelionatário. Quando se está diante de estelionato cometido por meio de cheques adulterados ou falsificados, a obtenção da vantagem ilícita ocorre no momento em que o cheque é sacado, pois é nesse momento que o dinheiro sai efetivamente da disponibilidade da entidade financeira sacada para, em seguida, entrar na esfera de disposição do estelionatário. Em tais casos, entende-se que o local da obtenção da vantagem ilícita é aquele em que se situa a agência bancária onde foi sacado o cheque adulterado, seja dizer, onde a vítima possui conta bancária. Já na situação em que a vítima, induzida em erro, se dispõe a efetuar depósitos em dinheiro e⁄ou transferências bancárias para a conta de terceiro (estelionatário), a obtenção da vantagem ilícita por certo ocorre quando o estelionatário efetivamente se apossa do dinheiro, seja dizer, no momento em que ele é depositado em sua conta. (…) 3. Tendo a vítima efetuado um depósito em dinheiro e duas transferências bancárias para duas contas correntes vinculadas a agências bancárias situadas na cidade de São Bernardo do Campo⁄SP, é de se reconhecer a competência do Juízo de Direito de São Bernardo do Campo⁄SP para conduzir o inquérito policial. 4. Conflito conhecido, para declarar a competência do Juízo da 5ª Vara Criminal de São Bernardo do Campo⁄SP, o suscitado.”
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