De acordo com o disposto no art. 415, inc. IV, do CPP, no rito escalonado do júri o juiz deve desde logo absolver o acusado quando demonstrada causa de isenção de pena ou de exclusão do crime.
O objetivo da absolvição in limine é destacado por Edgard de Moura Bittencourt, para quem “segundo uniforme jurisprudência dos nossos tribunais, a absolvição no sumário da culpa é uma medida que a lei adotou para libertar inocentes das delongas do julgamento perante o júri” (A instituição do júri, São Paulo: Saraiva, 1939, p. 95). Trata-se, portanto, de decisão definitiva, pois ingressa na discussão do mérito, quando o juiz togado inocenta o acusado. Assim, ao contrário da impronúncia, que faz coisa julgada formal, permitindo, na eventualidade do surgimento de novas provas, a renovação do processo, a absolvição sumária induz à profunda análise do mérito, onde se reconhece que, embora típico o fato, ele não é ilícito ou seu autor não merece reprovação e, por isso, deve ser definitivamente absolvido.
Uma das situações em que se permite a absolvição sumária é a legítima defesa, que, segundo o disposto no art. 25 do CP, tem como requisitos: a) agressão injusta: entende-se por agressão a conduta (ação ou omissão) humana que ataca ou coloca em perigo bens jurídicos de alguém. Injusta é a agressão contrária ao direito, não necessariamente típica; b) atual ou iminente: agressão atual é a presente, a que está ocorrendo. Iminente é a que está prestes a ocorrer. Não se admite legítima defesa contra agressão passada (vingança) ou futura (mera suposição); c) uso moderado dos meios necessários: com o presente requisito, o legislador quer assegurar proporcionalidade entre o ataque e a defesa. Para repelir a injusta agressão (ataque), deve o agredido usar de forma moderada o meio necessário que servirá na sua defesa (contra-ataque); d) proteção do direito próprio ou de outrem: admite-se legítima defesa no resguardo de qualquer bem jurídico (vida, integridade física, honra, patrimônio, dignidade sexual etc.) próprio (legítima defesa própria ou in persona) ou alheio (legítima defesa de terceiro ou ex persona); e) conhecimento da situação de fato justificante: deve o agente conhecer as circunstâncias do fato justificante, demonstrando ter ciência de que está agindo diante de um ataque atual ou iminente (requisito subjetivo).
E como tratar a denominada “legítima defesa da honra” na esfera dos crimes passionais, em que a tese é sustentada para absolver indivíduos que matam seus cônjuges movidos por intenso ciúme diante de um caso de adultério (ou da suspeita dele)? Bem, embora absolvições desta natureza tenham sido comuns no passado, é cada vez maior o número de pessoas que, com razão, repudiam esta modalidade de homicídio, que, na realidade, é quase sempre marcada pela torpeza ou pela futilidade.
Uma recente decisão do STJ bem retrata esta tendência. No caso julgado, o agente havia matado sua companheira após uma discussão sobre algo ocorrido naquele mesmo dia, quando ambos estavam em um baile e ela teria dançado e conversado com outro rapaz, além de ter afirmado que pretendia romper o relacionamento, o que despertou a ira do homicida, que se apossou de uma corda e, repentinamente, laçou o pescoço da vítima e a estrangulou. O agente tentou a absolvição sumária nos termos do art. 415 do CPP já na primeira instância, mas não obteve êxito. Em recurso ao Tribunal de Justiça, tampouco alcançou sua pretensão, o que o levou a interpor recurso especial no STJ.
Nas razões pelas quais rejeitou o recurso, além de fazer referência ao descumprimento da súmula 7 do STJ, segundo a qual a pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial, o ministro Rogério Schietti Cruz repudiou veementemente a tese de que a legítima defesa da honra pode justificar um homicídio entre cônjuges ou companheiros:
“Por fim, cumpre-me esclarecer ao agravante, ainda que em obiter dictum, que, desde 1991, pelo menos, a tese de legítima defesa da honra é refutada, com veemência, por esta Corte Superior como fundamento válido à absolvição dos uxoricidas (RESp n. 1517/PR, Rel. Ministro José Candido de Carvalho Filho, 6ª T., DJ 15/4/1991).
Embora seja livre a tribuna e desimpedido o uso de argumentos defensivos, surpreende saber que ainda se postula, em pleno ano de 2019, a absolvição sumária de quem retira a vida da companheira por, supostamente, ter sua honra ferida pelo comportamento da vítima. Em um país que registrou, em 2018, a quantidade de 1.206 mulheres vítimas de feminicídio, soa no mínimo anacrônico alguém ainda sustentar a possibilidade de que se mate uma mulher em nome da honra do seu consorte.
Não vivemos mais períodos de triste memória, em que réus eram absolvidos em Plenários do Tribunal do Júri com esse tipo de argumentação. Surpreende ver ainda essa tese sustentada por profissional do Direito em uma Corte Superior, como se a decisão judicial que afastou tão esdrúxula tese fosse contrária à lei penal. Como pretender lícito, ou conforme ao Direito, o comportamento de ceifar, covardemente – a acusação foi a de que o acusado esganou a vítima até ela morrer -, a vida da companheira simplesmente porque ela dançou com outro homem e porque desejava romper o relacionamento?”.
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Livro: Código de Processo Penal e Lei de Execução Penal Comentados por Artigos