A Lei 13.894/19 altera a Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha), para prever a competência dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher para a ação de divórcio, separação, anulação de casamento ou dissolução de união estável nos casos de violência e para tornar obrigatória a informação às vítimas acerca da possibilidade de os serviços de assistência judiciária ajuizarem as ações mencionadas. Altera, ainda, a Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), para prever a competência do foro do domicílio da vítima de violência doméstica e familiar para a ação de divórcio, separação judicial, anulação de casamento e reconhecimento da união estável a ser dissolvida, para determinar a intervenção obrigatória do Ministério Público nas ações de família em que figure como parte vítima de violência doméstica e familiar, e para estabelecer a prioridade de tramitação dos procedimentos judiciais em que figure como parte vítima de violência doméstica e familiar.
Vejamos no que consistem as mudanças na Lei especial.
O art. 9º, § 2º, da Lei 11.340/06 passa a contar com o inciso III, segundo o qual o juiz deve assegurar à mulher em situação de violência doméstica e familiar, para preservar sua integridade física e psicológica, o encaminhamento à assistência judiciária, quando for o caso, inclusive para eventual ajuizamento da ação de separação judicial, de divórcio, de anulação de casamento ou de dissolução de união estável perante o juízo competente.
Recordemos que o art. 9º da Lei 11.340/06 disciplina a assistência à mulher vítima de violência doméstica e familiar. Os mecanismos de assistência tripartem-se em: (a) assistência social (Lei 8.742/1993), com inclusão da ofendida no cadastro de programas assistenciais dos governos federal, estadual e municipal; (b) saúde, prestada por meio do Sistema Único de Saúde (Lei 8.080/90), compreendendo o acesso aos benefícios decorrentes do desenvolvimento científico e tecnológico, incluindo os serviços de contracepção de emergência, a profilaxia das Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST) e da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS) e outros procedimentos médicos necessários e cabíveis nos casos de violência sexual; (c) segurança pública, garantindo à vítima proteção policial, bem como abrigo ou local seguro, quando houver risco de vida, e, se necessário, acompanhamento da ofendida para assegurar a retirada de seus pertences do local da ocorrência ou do domicílio familiar; (d) outros mecanismos e políticas públicas de proteção, inclusive emergencialmente quando for o caso.
A Lei 13.894/19 passa a estabelecer uma espécie de assistência jurídica que possibilite à vítima de violência doméstica e familiar adotar imediatamente as providências para se separar, dissolver ou anular o vínculo matrimonial ou dissolver a união estável. A intenção de possibilitar que a assistência seja imediata se extrai de outra modificação que a mesma lei impôs: dentre as providências que o juiz deve adotar no procedimento das medidas protetivas de urgência, segundo dispõe o art. 18 da Lei 11.340/06, está o encaminhamento da ofendida ao órgão de assistência judiciária, quando for o caso, inclusive para o ajuizamento da ação de separação judicial, de divórcio, de anulação de casamento ou de dissolução de união estável perante o juízo competente (a menção expressa à finalidade da ação no inc. II do art. 18 foi incluída pela Lei 13.894/19).
A Lei 13.894/19 também altera a disciplina do atendimento pela autoridade policial, que passa a ser obrigada a informar a vítima acerca dos direitos de assistência judiciária para o eventual ajuizamento da ação de separação judicial, de divórcio, de anulação de casamento ou de dissolução de união estável (art. 11, inc. V, da Lei 11.340/06).
O propósito do legislador não é outro senão evitar que a vítima seja obrigada a adotar providências adicionais para romper o vínculo pessoal com o agressor. Com o novo procedimento, a própria comunicação da violência, além de garantir as medidas protetivas necessárias para resguardar a integridade física e psicológica da vítima, pode dar ensejo às primeiras providências para a separação do casal, evitando que a mulher que sofreu a violência tenha fazê-lo em procedimento apartado.
O projeto orginalmente aprovado pela Casa de Leis inseria na Lei 11.340/06 o art. 14-A, que estabelecia a opção de que a ofendida ajuizasse ação de divórcio ou de dissolução de união estável no Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, excluindo-se qualquer pretensão relativa à partilha de bens. Mas o dispositivo foi vetado sob o argumento de que a complexidade de tais ações contraria a natureza dos Juizados:
“Os dispositivos propostos, ao permitirem e regularem a possibilidade da propositura de ação de divórcio ou de dissolução de união estável no Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, guardam incompatibilidade com o objetivo desses Juizados, especialmente no que tange à ágil tramitação das medidas protetivas de urgência previstas na Lei Maria da Penha. Portanto, a alteração proposta é contrária ao interesse público, pois compromete alguns dos princípios que regem a atuação desses juizados, tais como a celeridade, simplicidade, informalidade e economia processual, tendo em vista os inúmeros desdobramentos naturais às ações de Direito de Família.”
O Congresso, deliberando sobre o veto, resolveu repudiá-lo, exumando o art. 14-A, composto de dois parágrafos:
“Art. 14-A. A ofendida tem a opção de propor ação de divórcio ou de dissolução de união estável no Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher.
§ 1º Exclui-se da competência dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher a pretensão relacionada à partilha de bens.
§ 2º Iniciada a situação de violência doméstica e familiar após o ajuizamento da ação de divórcio ou de dissolução de união estável, a ação terá preferência no juízo onde estiver.”
Antes de analisar as novidades, importante relembrar os termos do art. 14 da Lei:
“Art. 14. Os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, órgãos da Justiça Ordinária com competência cível e criminal, poderão ser criados pela União, no Distrito Federal e nos Territórios, e pelos Estados, para o processo, o julgamento e a execução das causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher.
Parágrafo único. Os atos processuais poderão realizar-se em horário noturno, conforme dispuserem as normas de organização judiciária”.
Com fulcro nesse dispositivo, sempre se ensinou e decidiu que a competência cível dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher é restrita às medidas protetivas de urgência previstas na Lei Maria da Penha, devendo as ações relativas a direito de família ser processadas e julgadas pelas Varas de Família. Nesse sentido, Enunciado 3 do FONAVID:
“A competência cível dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher é restrita às medidas protetivas de urgência previstas na Lei Maria da Penha, devendo as ações cíveis e as de Direito de Família ser processadas e julgadas pelas varas cíveis e de família, respectivamente”.
Com a nova Lei, o Enunciado fica superado. A ofendida pode (direito de opção) propor ação de divórcio ou de dissolução de união estável no Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, excluindo-se da sua competência a pretensão relacionada à partilha de bens.
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