O inciso IV do art. 117 do Código Penal foi modificado pela Lei nº 11.596/07 para anunciar que, além da sentença condenatória, também o acórdão condenatório interrompe o curso da prescrição. Antes, tão somente a sentença condenatória recorrível era causa de interrupção. Com a edição da lei, duas orientações passaram a debater qual espécie de acórdão condenatório recorrível tem efeito interruptivo.
Há quem sustente que a alteração contempla somente os acórdãos condenatórios em ações penais originárias e os reformatórios da absolvição em primeira instância. Por isso, tendo havido condenação em primeira instância, o acórdão que simplesmente a confirma, negando provimento ao recurso da defesa, ou que somente majora a pena, não interrompe o prazo prescricional. Aqueles adeptos desta orientação se alicerçam no fato de que a lei lança mão da partícula “ou” entre as expressões “publicação de sentença” e “acórdão condenatório”; logo, exclui-se a possibilidade de que ambos irradiem efeitos interruptivos do prazo fatal. Sintetizando este entendimento, temos o seguinte aresto do Superior Tribunal de Justiça:
“1. O curso da prescrição interrompe-se pela publicação da sentença ou do acórdão condenatório recorríveis, o que ocorrer em primeiro lugar (art. 117, IV, do Código Penal). 2. A Corte Especial deste Tribunal Superior, no julgamento do AgRg no RE nos EDcl no REsp n. 1.301.820/RJ (relator Ministro Humberto Martins, DJe 24/11/2016), pacificou o entendimento de que o acórdão confirmatório da condenação não constitui novo marco interruptivo prescricional, ainda que modifique a pena fixada” (AgRg nos EDcl no AREsp 359.573/SP, j. 05/09/2019).
Outra orientação defende que a interrupção do prazo prescricional se dá inclusive pelo acórdão que se limita a confirmar a condenação de primeira instância ou a aumentar a pena, segundo, aliás, deixou claro o relatório do projeto da lei que viria a alterar o Código Penal:
“O texto atual do Código Penal se refere à sentença condenatória recorrível. O Projeto passa a fixar a data da publicação, não deixando margem a dúvidas quanto ao momento da sentença, que será o da publicação, e não o de sua prolação. Também o Projeto inclui, nesse inciso, a publicação do acórdão condenatório recorrível, contemplando a hipótese de confirmação de condenação de primeira instância em grau recursal”.
Esta orientação é adotada há algum tempo pela 1ª Turma do STF:
“1. A prescrição é, como se sabe, o perecimento da pretensão punitiva ou da pretensão executória pela inércia do próprio Estado. No art. 117 do Código Penal, que deve ser interpretado de forma sistemática, todas as causas interruptivas da prescrição demonstram, em cada inciso, que o Estado não está inerte. 2. Não obstante a posição de parte da doutrina, o Código Penal não faz distinção entre acórdão condenatório inicial e acórdão condenatório confirmatório da decisão. Não há, sistematicamente, justificativa para tratamentos díspares. 3. A ideia de prescrição está vinculada à inércia estatal e o que existe na confirmação da condenação é a atuação do Tribunal. Consequentemente, se o Estado não está inerte, há necessidade de se interromper a prescrição para o cumprimento do devido processo legal” (RE 1.182.718 AgR/RS, j. 15/03/2019).
A 2ª Turma, por sua vez, vinha se orientando em sentido diverso:
“Jurisprudência desta Suprema Corte, cujas decisões corretamente distinguem, para efeito de interrupção da prescrição penal (CP, art. 117, IV), entre acórdão condenatório e acórdão meramente confirmatório de anterior condenação penal, em ordem a não atribuir eficácia interruptiva do lapso prescricional à decisão do Tribunal que simplesmente nega provimento ao recurso interposto pelo réu contra anterior sentença condenatória. Precedentes. Doutrina” (RE 1.227.490 AgR/RS, j. 29/11/2019).
Em sessão plenária realizada ontem (05/02/2020), a maioria dos ministros adotou a orientação da 1ª Turma. Interrompido por pedido de vista do ministro Dias Toffoli, o julgamento do HC 176.473 teve sete votos favoráveis e dois votos contrários à interrupção do prazo prescricional pelo acordão confirmatório da condenação.
Em resumo, para os ministros contrários à interrupção o acórdão que simplesmente confirma a condenação ou altera a pena não tem natureza substitutiva, mas meramente declaratória da situação jurídica que se firmou na sentença de primeiro grau. Por isso, o acórdão de que trata o art. 117 do CP é apenas o condenatório. Interpretação diversa contraria a natureza do instituto da prescrição e viola o direito fundamental ao julgamento em prazo razoável.
Já os ministros que votaram pela tese da interrupção o fizeram sob o fundamento de que a prescrição é uma espécie de punição pela inércia do Estado, que, obviamente, não pode ser invocada quando atuam os órgãos de justiça criminal, ainda que em segunda instância e em caráter apenas reiterativo. Além disso, o texto do inciso IV do art. 117 não faz nenhuma distinção entre o acordão condenatório e o confirmatório, e não há razões plausíveis para interromper a prescrição quando um réu é absolvido na primeira instância e condenado na segunda e não o fazer quando é condenado nas duas instâncias. Concluindo o voto, o relator propôs a seguinte tese, adotada por outros seis ministros:
“Nos termos do inciso IV do artigo 117 do Código Penal, o acórdão condenatório sempre interrompe a prescrição, inclusive quando confirmatório da sentença de primeiro grau, seja mantendo, reduzindo ou aumentando a pena anteriormente imposta”.
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