Informativo: 667 do STJ – Processo Penal
Resumo: Compete à Justiça Federal julgar crimes relacionados à oferta pública de contrato de investimento coletivo em criptomoedas.
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Nos últimos anos tem havido um aumento considerável na utilização de criptomoedas, negociadas exclusivamente por meio virtual, sem nenhum controle dos bancos centrais ou de algum outro órgão ligado à fiscalização do sistema financeiro dos países. Na medida em que se popularizam as criptomoedas, é inevitável a multiplicação de atos ilícitos nas transações, o que pode suscitar dúvidas no âmbito da justiça criminal, cujas normas procedimentais não acompanham a evolução tecnológica e o incremento das atividades delituosas decorrentes desta evolução.
Em 2018, a Terceira Seção do STJ julgou um conflito de competência (CC 161.123/SP) que teve origem em irregularidades cometidas numa espécie de corretagem sobre bitcoins. No caso, por meio de uma sociedade comercial os acusados haviam captado recursos de investidores e lhes ofereceram ganhos fixos mensais enquanto utilizavam os recursos recebidos para especular no mercado de criptomoeda. Na época, o Ministério Público de São Paulo considerou que os indícios de evasão de divisas, de sonegação fiscal e de exercício de atividade financeira sem autorização legal deveriam provocar o deslocamento da competência para a Justiça Federal, no que foi acatado pela Justiça paulista.
A Justiça Federal suscitou o conflito de competência argumentando que a atividade desenvolvida pelos acusados não se inseria em crimes contra o sistema financeiro, tendo em vista que criptomoedas não sofrem controle do Banco Central e não podem ser consideradas ativos financeiros. O STJ lhe deu razão devido à inexistência de indícios da ocorrência de crimes contra o sistema financeiro, pois a atividade desenvolvida pela sociedade comercial – compra e venda de criptomoedas – não era regulamentada pelos órgãos que fiscalizam o sistema financeiro nacional.
Recentemente, devido às circunstâncias dos fatos, outro caso envolvendo criptomoedas resultou em conclusão diversa, ou seja, de que a competência deve recair na Justiça Federal. Isto porque, desta vez, os fatos não se limitaram à negociação de moedas virtuais propriamente ditas, mas consistiram em oferecer contratos de investimento coletivo sem o devido registro de emissão perante a autoridade competente, o que atrai as disposições da Lei 7.492/86, tendo em vista que tais contratos podem ser definidos como valores mobiliários, segundo o art. 2º, IX, da Lei n. 6.385/76:
“1. A Terceira Seção desta Corte decidiu que a operação envolvendo compra ou venda de criptomoedas não encontra regulação no ordenamento jurídico pátrio, pois as moedas virtuais não são tidas pelo Banco Central do Brasil (BCB) como moeda, nem são consideradas como valor mobiliário pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), não caracterizando sua negociação, por si só, os crimes tipificados nos arts. 7º, II, e 11, ambos da Lei n. 7.492⁄1986, nem mesmo o delito previsto no art. 27-E da Lei n. 6.385⁄1976 (CC n. 161.123⁄SP, DJe 5⁄12⁄2018).
2. O incidente referenciado foi instaurado em inquérito (não havia denúncia formalizada) e a competência da Justiça estadual foi declarada exclusivamente considerando os indícios colhidos até a instauração do conflito, bem como o dissenso verificado entre os Juízes envolvidos, sendo que nenhum deles cogitou que o contrato celebrado entre o investigado e as vítimas consubstanciaria um contrato de investimento coletivo.
3. O caso dos autos não guarda similitude com o precedente, pois já há denúncia ofertada, na qual foi descrita e devidamente delineada a conduta do paciente e dos demais corréus no sentido de oferecer contrato de investimento coletivo, sem prévio registro de emissão na autoridade competente.
4. Se a denúncia imputa a efetiva oferta pública de contrato de investimento coletivo (sem prévio registro), não há dúvida de que incide as disposições contidas na Lei n. 7.492⁄1986, notadamente porque essa espécie de contrato consubstancia valor mobiliário, nos termos do art. 2º, IX, da Lei n. 6.385⁄1976.
5. Interpretação consentânea com o órgão regulador (CVM), que, em situações análogas, nas quais há oferta de contrato de investimento (sem registro prévio) vinculado à especulação no mercado de criptomoedas, tem alertado no sentido da irregularidade, por se tratar de espécie de contrato de investimento coletivo.
6. Considerando os fatos narrados na denúncia, especialmente os crimes tipificados nos arts. 4º, 5º, 7º, II, e 16, todos da Lei n. 7.492⁄1986, é competente o Juízo Federal para processar a ação penal (art. 26 da Lei n. 7.492⁄1986), inclusive no que se refere às infrações conexas, por força do entendimento firmado no Enunciado Sumular n. 122⁄STJ.
7. Ordem denegada” (HC 530.563/RS, j. 05/03/2020).
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