O falso testemunho é tipificado no art. 342 do CP e consiste em:
a) fazer afirmação falsa: o agente distorce a verdade com o intuito de beneficiar ou prejudicar o réu (falsidade positiva);
b) negar a verdade: o agente sabe a verdade real dos fatos, mas, quando indagado, nega-a (falsidade negativa);
c) calar a verdade (reticência): aqui, diferentemente das condutas acima, o agente, sabendo da verdade ou relevância dos fatos, simplesmente não se pronuncia a respeito (nada afirma ou nega, apenas silencia).
Tratando-se de crime formal, o falso testemunho não pressupõe ato ou evento posterior a qualquer das condutas típicas. Desse modo, consuma-se no momento em que a testemunha termina o depoimento lavrando sua assinatura, seja no próprio juízo em que tramita o processo, seja no juízo ao qual tenha sido expedida carta precatória para a oitiva.
A consumação, portanto, ocorre no local em que prestado o depoimento, mas, no caso da carta precatória, há discussão a respeito da competência para julgamento. Há quem defenda que a competência é do juízo deprecado, já que a consumação se deu naquele local, e há aqueles que consideram ser competente o juízo deprecante, pois aquele é o local em que o depoimento falso produzirá efeitos, e é o ambiente em que o juiz poderá efetivamente aquilatar o quão verdadeiro foi o relato da testemunha. Prevalece a primeira orientação (STJ: CC 30.309/PR, DJ 11/03/2002), não obstante o STJ já tenha decidido, em crime de falso testemunho praticado em juízo estadual por carta precatória da Justiça Federal, competir o julgamento a esta última, pois o depoimento se destinava a produzir prova em processo no qual se apurava a prática de crime perante o juízo federal, que delegara sua competência (CC 115.314/RS, DJe 17/11/2011).
E no caso de falso testemunho cometido em teleaudiência, que tem se tornado comum especialmente nos últimos meses, nos quais, devido à pandemia do coronavírus, os tribunais do país limitaram as atividades presenciais? Vamos imaginar que João, testemunha de um crime, seja ouvido em sua cidade, por videoconferência, em processo em curso noutro estado. Faltando com a verdade, João deve ser processado pelo crime do art. 342 do CP na comarca em que reside (local onde se encontrava no ato da audiência) ou na comarca onde tramita o processo?
A nosso ver, essa situação difere daquela em que o juízo depreca a oitiva da testemunha.
Na oitiva efetuada em carta precatória não há participação do juiz deprecante, mas, ao contrário, é o juiz deprecado quem preside o ato e, portanto, conduz diretamente a colheita da prova. Ainda que o fim último daquele depoimento seja a instrução de processo que tramita em outro local, o depoimento falso é prestado apenas ao juiz que executa o ato de cooperação.
Já na teleaudiência não há as figuras do deprecante e do deprecado, pois é o próprio juiz responsável pelo processo quem toma o depoimento. Pouco importa que a testemunha esteja presente por meio virtual, e não físico. Para qualquer efeito decorrente daquele depoimento, a presença virtual não deixa de ser presença. Não há motivo para que se considere competente o juízo de residência da testemunha porque, inexistente a figura do juiz naquele local, o depoimento não produz ali absolutamente nenhum efeito, ao contrário, reitera-se, da situação em que a prova é colhida por meio de carta precatória.
Em síntese:
FORMA DE COMETIMENTO | COMPETÊNCIA |
Presença física perante o juiz responsável pelo processo | Juízo em que prestado o depoimento |
Presença física perante o juiz que cumpre a carta precatória | Juízo em que prestado o depoimento |
Presença virtual por meio de teleaudiência presidida pelo juiz responsável pelo processo | Juízo em que tramita o processo |
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