Informativo: 1012 do STF – Processo Penal
Resumo: Não cabe ao juiz, na audiência de instrução e julgamento de processo penal, iniciar a inquirição de testemunha, cabendo-lhe, apenas, complementar a inquirição sobre os pontos não esclarecidos.
Comentários:
O art. 212 do CPP é expresso: “As perguntas serão formuladas pelas partes diretamente à testemunha, não admitindo o juiz aquelas que puderem induzir a resposta, não tiverem relação com a causa ou importarem na repetição de outra já respondida”. Segundo se extrai da leitura desse dispositivo, o legislador, abandonando o sistema presidencialista – pelo qual as perguntas eram dirigidas, primeiramente, ao juiz, que depois as formulava à testemunha – adotou, com todas as letras, o sistema anglo-americano, também conhecido como cross-examination, que autoriza a inquirição direta das testemunhas, sem antes passar pelo filtro judicial. As vantagens dessa opção podem ser sintetizadas pela lição de Antonio Magalhães Gomes Filho, para quem “na técnica da cross examination evidenciam-se as vantagens do contraditório na coleta do material probatório, uma vez que após o exame direto, abre-se à parte contrária, em relação à qual a testemunha é presumidamente hostil, um amplo campo de investigação; no exame cruzado, é possível fazer-se uma reinquirição a respeito dos fatos já abordados no primeiro exame (cross examination as to facts), como também formular questões que tragam à luz elementos para a verificação da credibilidade do próprio depoente ou de qualquer outra testemunha (cross examination as to credit)” (Direito à prova no processo penal, São Paulo: RT, 1997, pp. 152-3).
O STJ firmou a tese de que a iniciativa do juiz em inquirir a testemunha, violando o texto expresso do art. 212 do CPP, só provoca nulidade se a parte comprovar prejuízo advindo da conduta do magistrado:
“1. A “declaração de nulidade exige a comprovação de prejuízo, em consonância com o princípio pas de nullité sans grief, consagrado no art. 563 do CPP e no enunciado n. 523 da Súmula do STF” (AgRg no HC 613.170/SC, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 27/10/2020, DJe 12/11/2020), o que não ocorreu na presente hipótese. 2. Ao contrário do que alega a Defesa, o entendimento do Tribunal de origem está de acordo com a jurisprudência desta Corte, no sentido de que “[n]ão é possível anular o processo, por ofensa ao art. 212 do Código de Processo Penal, quando não verificado prejuízo concreto advindo da forma como foi realizada a inquirição das testemunhas” (AgRg no HC 465.846/SP, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 14/05/2019, DJe 23/05/2019). 3. Agravo regimental desprovido” (AgRg no HC 524.283/MG, j. 09/02/2021).
Em 06 de abril, a 1ª Turma do STF, por maioria, decidiu que o juiz não pode assumir o protagonismo na inquirição das testemunhas:
“Não cabe ao juiz, na audiência de instrução e julgamento de processo penal, iniciar a inquirição de testemunha, cabendo-lhe, apenas, complementar a inquirição sobre os pontos não esclarecidos. Assim dispõe o art. 212 do Código de Processo Penal (CPP) o qual prevê a possibilidade de o próprio juiz veicular perguntas apenas se verificados, ante o questionamento das partes, pontos não esclarecidos. A alteração promovida pela Lei 11.690/2008 modificou substancialmente a sistemática procedimental da inquirição de testemunhas. As partes, em modelo mais consentâneo com o sistema acusatório, têm o protagonismo na audiência. Cabe-lhes a formulação de perguntas diretamente às testemunhas. Ao juiz, como presidente da audiência, cabe o controle do ato processual para que a prova seja produzida nos moldes legais e pertinentes ao caso. Ele não atua como mero espectador, mas exerce, no tocante à produção da prova testemunhal, especificamente quanto à formulação de perguntas às testemunhas, papel subsidiário, secundário, de modo que somente é legítima sua atividade instrutória após o prévio exercício do direito à prova pelas partes e para saneamento de dúvida quanto a aspectos não esclarecidos e relevantes. Não pode o magistrado, em substituição à atuação das partes, ser o protagonista do ato de inquirição e tomar para si o papel de primeiro questionador das testemunhas, mesmo porque compete às partes a comprovação do quanto alegado. Com base nesse entendimento, a Primeira Turma, por maioria, deferiu a ordem de habeas corpus, para reconhecer a nulidade do processo-crime a partir da audiência de instrução, com a necessária renovação do ato. Vencidos os ministros Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso” (HC 187.035/SP, j. 06/04/2021).
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