A doutrina – especialmente a moderna – estrutura o Direito Penal de modo a torná-lo aplicável apenas quando estritamente necessária a rigidez da sanção penal. Desta forma, sua intervenção fica condicionada não apenas ao fracasso das demais esferas de controle (caráter subsidiário), mas também à existência de relevante lesão ou perigo de lesão ao bem juridicamente tutelado (caráter fragmentário).
Como desdobramento lógico do caráter fragmentário, desenvolveu-se o princípio da insignificância. Ainda que o legislador crie tipos incriminadores em observância aos princípios gerais do Direito Penal, é possível que, em determinada situação, a lesão provocada no bem jurídico tutelado pela norma penal seja diminuta, isto é, incapaz de atingi-lo materialmente e de forma relevante e intolerável. Nesses casos, estaremos diante do que se denomina infração bagatelar ou crime de bagatela. Segundo Carlos Vico Manãs, “o princípio da insignificância surge como instrumento de interpretação restritiva do tipo penal que, de acordo com a dogmática moderna, não deve ser considerado apenas em seu aspecto formal, de subsunção da fato à norma, mas, primordialmente, em seu conteúdo material, de cunho valorativo, no sentido da sua efetiva lesividade ao bem jurídico tutelado pela norma penal, o que consagra o postulado da fragmentariedade do direito penal”. Para ele, tal princípio funda-se “na concepção material do tipo penal, por intermédio do qual é possível alcançar, pela via judicial e sem macular a segurança jurídica do pensamento sistemático, a proposição político-criminal da necessidade de descriminalização de condutas que, embora formalmente típicas, não atingem de forma socialmente relevante os bens jurídicos protegidos pelo Direito Penal” (O Princípio da Insignificância como Excludente da Tipicidade no Direito Penal, 1ª. ed., São Paulo: Saraiva, pp. 56 e 81).
Os tribunais superiores têm reconhecido com frequência o princípio da insignificância, mas estabelecem alguns requisitos necessários. São eles: a) a mínima ofensividade da conduta do agente; b) a ausência de periculosidade social da ação; c) o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; d) a inexpressividade da lesão jurídica causada.
Uma das limitações à incidência da causa de atipicidade material pode ser a reincidência do autor da conduta. Embora a reincidência não seja um impeditivo absoluto, pois há decisões que aplicam a insignificância mesmo em benefício de indivíduos anteriormente condenados (AgRg no REsp 1.715.427/MG, j. 17/12/2019), a acumulação de condenações (habitualidade criminosa) evidencia um caráter orientado à prática de crimes, o que sem dúvida eleva o grau de reprovabilidade da conduta, tendo em vista que o agente faz do crime um verdadeiro meio de vida. Em situações como esta, encarar a conduta como algo irrelevante desvirtua o propósito do instituto e incentiva à ação delituosa não apenas o próprio beneficiado como também outros indivíduos que acabam percebendo a falta de rigor no trato de criminosos.
Recentemente, no julgamento do HC 557.194/MS (j. 04/02/2020), o STJ afastou a insignificância pretendida a favor de um indivíduo condenado pelo furto de um rádio de valor irrisório. Não obstante o valor do objeto fosse de fato reduzido, o tribunal considerou que as condições pessoais do impetrante impediam a incidência do benefício:
“O paciente, segundo consta no acórdão, ostentava oito condenações transitadas em julgado. Somam-se a isso as informações do documento de fls. 20-21, no qual se destacou que, afora aquela passagem, o paciente, nos últimos doze meses, havia tido seis procedimentos policiais.
Portanto, os autos trazem componentes que revelam a acentuada reprovabilidade do comportamento do paciente – a reincidência e maus antecedentes em crimes de natureza patrimonial, que indicam a habitualidade delitiva. Dessa forma, observa-se que a Corte estadual decidiu em harmonia com a jurisprudência do STJ no sentido de que a reiteração criminosa inviabiliza a aplicação do princípio da insignificância.
PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CRIME DE FURTO. HABITUALIDADE DELITIVA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. RESTITUIÇÃO DO BEM. RAZÃO INSUFICIENTE PARA A APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. A jurisprudência desta Quinta Turma reconhece que o princípio da insignificância não tem aplicabilidade em casos de reiteração da conduta delitiva, salvo excepcionalmente, quando as instâncias ordinárias entenderem ser tal medida recomendável diante das circunstâncias concretas do caso, o que não se infere na hipótese em apreço, máxime por se tratar de réu reincidente específico e ainda responder por diversos outros processos criminais. Precedentes. 2. O simples fato de o bem haver sido restituído à vítima, não constitui, por si só, razão suficiente para a aplicação do princípio da insignificância. 3. Agravo regimental não provido. (AgRg no AREsp n. 1.553.855-RS, relator Ministro Ribeiro Dantas, publicado no DJe de 26/11/2019.)”.
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