Informativo: 663 do STJ – Processo Penal
Resumo: Ofende o enunciado do non reformatio in pejus indireta o aumento da pena através de decisão em recurso especial interposto pelo Ministério Público contra rejulgamento de apelação que não alterou reprimenda do acórdão anterior, que havia transitado em julgado para a acusação e que veio a ser anulado por iniciativa exclusiva da defesa.
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É consagrado no processo penal o princípio denominado non reformatio in pejus. Por este princípio, a parte que recorreu não pode ter sua situação agravada no julgamento da insurgência. Trata-se de consequência advinda do princípio da personalidade, pelo qual somente o recorrente pode se beneficiar do julgamento, cujos efeitos não aproveitam a parte que não exerceu essa faculdade. A razão é óbvia: todo recorrente almeja ver melhorada sua situação. Se, ao invés disso, além de negar provimento ao recurso, pudesse o tribunal, em acréscimo, prejudicar a situação do recorrente, não haveria qualquer incentivo em se recorrer, violando-se, assim, o princípio constitucional da ampla defesa. Além disso, estaria o tribunal agindo de ofício, afrontando o ne procedat judex ex officio e o princípio do tantum devolutum quantum appelatum ao apreciar questão (aumento da pena, por exemplo) que não foi objeto de recurso, subvertendo, com isso, o sistema acusatório que orienta nosso sistema. É por isso que o art. 617 do CPP estabelece expressamente a impossibilidade de se reformar a decisão para pior, em prejuízo do réu, quando somente ele recorreu.
A vedada reformatio in pejus pode ser também indireta, na situação em que a instância superior prejudica o réu não pelo julgamento direto de seu recurso, mas pela adoção de medidas que, por outros meios, podem agravar a situação do recorrente. O exemplo mais comum é o da sentença anulada que, proferida novamente, aumenta a pena em relação à decisão anterior.
Em decisão proferida na revisão criminal 4.853/SC (j. 27/11/2019), a Terceira Seção do STJ identificou a reformatio in pejus indireta e restabeleceu a pena que havia sido fixada em acórdão anulado por iniciativa da defesa.
No caso julgado, o agente havia sido condenado em primeira instância. Ao julgar a apelação, o Tribunal de Justiça reduziu a pena. Após o trânsito em julgado para ambas as partes, o acórdão foi atacado por meio de habeas corpus impetrado no STJ, que cassou a decisão. O Tribunal de Justiça proferiu novo julgamento, mantendo a pena aplicada na apelação anulada. Contra este novo julgamento de apelação o Ministério Público interpôs recurso especial, que foi provido monocraticamente para aumentar a pena ao mesmo patamar que havia sido estabelecido na sentença de primeira instância. Em razão disso, o agente ajuizou revisão criminal alegando que foi indevidamente prejudicado pelo STJ, pois, caso não houvesse recorrido para anular o acórdão originário, sua pena não teria sofrido aumento. A pretensão foi acolhida por unanimidade:
“No presente caso, manifesta a ofensa a regra da proibição da reformatio in pejus indireta, e ao disposto no art. 617, do CPP, pela decisão proferida no Recurso Especial n. 1.729.068/SC, de relatoria da em. Ministra Maria Thereza de Assis Moura.
Explico.
Com efeito, após a sentença condenatória, houve recurso de apelação pela defesa, tendo o Tribunal de Justiça reduzido a pena para 5 anos e 10 meses de reclusão, em regime inicial semiaberto. Referida decisão transitou em julgado para ambas as partes, sendo impetrado habeas corpus pelo réu junto a este Superior Tribunal de Justiça, cuja ordem foi concedida para cassar o decisório. Rejulgada a apelação, o Tribunal de origem novamente reduziu a reprimenda para o mesmo patamar (5 anos e 10 meses de reclusão, em regime inicial semiaberto). Contra este segundo acórdão o Ministério Público interpôs recurso especial, o qual foi provido para o efeito de majorar a pena do réu para o patamar da sentença (8 anos e 4 meses de reclusão, em regime inicial fechado).
Tal julgamento ocorrido nesta superior instância, de forma clarividente, impôs ao condenado, ora autor, efeito mais gravoso do que aquele que subsistiria com o trânsito em julgado, caso não fosse impetrado o remédio heróico (HC n. 385.608/SC). Nesse diapasão, resta demonstrado satisfatoriamente que o julgado proferido no REsp n. 1.729.068/SC violou o enunciado que veda a reformatio in pejus indireta, ao colocar o sentenciado em situação mais desfavorável do que aquela anterior à impetração do habeas corpus.
[…]
Desse modo, deve ser afastado o acréscimo de pena e mudança de regime prisional promovido pelo decisório proferido no REsp n. 1.729.068/SC, restabelecendo-se o segundo acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina no julgamento do recurso de apelação”.
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Livro: Código de Processo Penal e Lei de Execução Penal Comentados por Artigos