Apesar das inúmeras vozes da doutrina em contrário, o STJ entende que a EC 66/2010 não revogou os artigos do Código Civil que tratam da separação judicial (REsp 1.247.098/MS, julgado em 14/03/2017).
Para o STJ, a dissolução da sociedade conjugal pela separação não se confunde com a dissolução definitiva do casamento pelo divórcio, pois versam acerca de institutos autônomos e distintos. A Emenda à Constituição nº 66/2010 apenas excluiu os requisitos temporais para facilitar o divórcio. O constituinte derivado reformador não revogou, expressa ou tacitamente, a legislação ordinária que cuida da separação judicial, que remanesce incólume no ordenamento pátrio, conforme previsto pelo CPC/2015 (arts. 693, 731, 732 e 733) – ver REsp 1431370/SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 15/08/2017.
Considera-se que o atual sistema brasileiro se amolda ao sistema dualista opcional que não condiciona o divórcio à prévia separação judicial ou de fato. Logo, apesar das críticas da doutrina, para o STJ ainda existe a dualidade separação e divórcio.
No desate da SEC 261/EX, Rel. Min. Humberto Martins, Corte Especial, julgado em 19/06/2013, todavia, a Corte Especial do STJ, decidiu que “a Emenda Constitucional n. 66/2012 modificou o § 6º do art. 226 da Constituição Federal e, assim, não mais requer o decurso de dois anos para a conversão da separação de fato em divórcio, como consignava o art. 1580, § 2º, do Código Civil.”
De acordo com a literalidade do CC/2002, quando o casamento for anulado por culpa de um dos cônjuges, este incorrerá: a) na perda de todas as vantagens havidas do cônjuge inocente e b) na obrigação de cumprir as promessas que lhe fez no contrato antenupcial (art. 1564).
O art. 1578, por sua vez, prevê que o cônjuge declarado culpado na ação de separação judicial pode até perder o direito de usar o sobrenome do outro. Sanciona-se o rotulado culpado com a perda do sobrenome do outro, desde que este requeira e se alteração não causar prejuízo na identificação, se a modificação gerar distinção entre seu nome e o dos filhos havidos da relação.
Maria Berenice Dias (Manual de Direito das Famílias. Salvador: Juspodivm, 2020, p. 123) também critica a aferição da culpa nas dissoluções conjugais. Para ela,
“A apenação de um culpado só tem significado quando o seu agir coloca em risco a vida ou a integridade física, moral, psíquica ou patrimonial de outra ou de outras pessoas, ou de algum bem jurídico tutelado pelo direito. Fora disso, não há motivos que levem o Estado a perseguir culpados, e muito menos, tentar puni-los. A culpa dispôs de espaço próprio no âmbito do Direito Penal. No Direito Comercial e no Direito Civil, cabe ser perquerida tão só na órbita obrigacional e contratual, em que o agir está ligado a um ato de vontade.”
Apesar de admitir a subsistência do sistema dual separação-divórcio, o STJ já decidiu, por diversas vezes, ser possível decretar a separação com lastro na insuportabilidade da vida em comum, sem atribuição de causa, sobretudo se ambos os cônjuges efetuam recíproca atribuição de culpa, por meio de ação e reconvenção – REsp 783.137/SP, julgado em 25/09/2006.
Em alguns dos seus julgados, o STJ entende que evidenciada a insuportabilidade da vida em comum, o mais conveniente é reconhecer esse fato e decretar a separação, sem imputação da causa a qualquer das partes (REsp 467.184/SP, julgado em 05/12/2002). Assim, admite-se a pretensão em face da insuportabilidade da vida em comum, independentemente da verificação da culpa em relação a ambos os litigantes (EREsp 466.329/RS, julgado em 14/09/2005 e EDcl no AREsp 78.716/RJ, julgado em 17/09/2013).
Em outro julgado interessante sobre o tema, a Corte considera que com a edição da EC 66/2010, eliminaram-se os prazos à concessão do divórcio e se afastou a necessidade de arguição de culpa, presente na separação, não mais adentrando nas causas do fim da união, deixando de expor desnecessária e vexatoriamente a intimidade do casal, persistindo essa questão apenas na esfera patrimonial quando da quantificação dos alimentos – REsp 1.483.841/RS, julgado em 17/03/2015.
As tintas jogadas pelo Superior, especialmente no julgado de relatoria do Ministro Moura Ribeiro (REsp 1.483.841/RS), reforçam a tese segundo a qual a análise da culpa nos desenlaces é desnecessária. De fato, nesse processo desagregador – de rompimento de vidas e de sonhos – esse tipo de discussão deveria passar despercebido por ser dado de somenos importância diante da complexa discussão que está sendo travada. O julgado indica, na esteira da doutrina majoritária, que é preciso deixar de lado a exposição desnecessária e vexatória que a culpa leva à intimidade do casal.
Assim, apesar de admitir a dualidade separação versus divórcio, o STJ indica que está – sabiamente – caminhando para deixar a aferição da culpa nas hipóteses de separação.
Desse modo, formulado o pedido de separação judicial com fundamento na culpa (art. 1.572 e/ou art. 1.573 e incisos), o juiz poderá decretar a separação do casal diante da constatação da insubsistência da comunhão plena de vida (art. 1.511) – que caracteriza hipótese de “outros fatos que tornem evidente a impossibilidade da vida em comum” – sem atribuir culpa a nenhum dos cônjuges – Enunciado 254 das Jornadas de Direito Civil do CJF.
***
Telegram: https://t.me/pilulasjuridicasSTFSTJ