O art. 3º da Lei do ISS considera o fato gerador ocorrido no local onde o prestador do serviço possui estabelecimento, ou na falta dele, onde possui domicílio. Essa é a premissa que devemos levar como regra para podermos resolver qualquer conflito de competência que venha a surgir.[1]
– Logicamente que há exceções a essa regra, não é mesmo?
Podemos destacar algumas das exceções elencadas nos incisos do art. 3º mais importantes para fins de provas, sendo o ISS devido no local da prestação efetiva do serviço: a) do reflorestamento, florestamento ou semeadura, no caso de serviços dessa natureza; b) da execução da decoração ou da jardinagem, no caso desse tipo de serviço; c) dos bens ou do domicílio das pessoas vigiadas, no caso de serviço de vigilância; d) do local da execução da obra, no caso de construção civil.
Além dessas exceções, já previstas na redação original do art. 3º, da Lei Complementar 116/2003, outras foram inseridas em decorrência do advento da Lei Complementar 175/2020[2], de 23 de setembro de 2020.
– Mais uma informação atual!
Sim, mas fique bem tranquilo que irei lhe explicar tudo detalhadamente.
– Ok, professora!
Sempre houve uma tendência da maioria dos tributaristas em criticar a regra quanto à arrecadação. Ou seja, o ISS ser recolhido na origem acaba concentrando e aumentando as desigualdades sociais, contrariando a própria Constituição Federal de 1988, a qual possui como um dos objetivos a diminuição das desigualdades. Como eu lhe expliquei acima, a regra é que a tributação do ISS ocorrerá onde está sediado o prestador de serviços e a exceção onde está localizado o tomador.
Ocorre que o fato gerador do ISS, como vimos, é a prestação de serviços, sendo uma manifestação de riqueza. Portanto, seguindo essa lógica, teríamos que a tributação só poderia ocorrer no município onde é prestado o serviço.
– Há uma certa lógica, pensando assim…
Interessante que, seguindo essa linha, acaso tenhamos uma pessoa jurídica sediada no município de São Paulo, localidade que concentra a grande parte das empresas do nosso país, mas que presta serviço em Santos, teríamos aqui a vigência da legislação paulistana, sendo um caso de extraterritorialidade.
– E isso pode no Direito Tributário, professora? Não seria inconstitucional?
Boa pergunta! O art. 102, do CTN prevê dois casos em que a vigência extraterritorial é possível, sendo que um deles é quando há lei de norma geral expedida pela União:
Art. 102. A legislação tributária dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios vigora, no País, fora dos respectivos territórios, nos limites em que lhe reconheçam extraterritorialidade os convênios de que participem, ou do que disponham esta ou outras leis de normas gerais expedidas pela União.
– E qual caso seria aplicável à questão do ISS?
A lei de norma geral expedida pela União!
Na verdade, são “leis de normas gerais expedidas pela União”, porque temos o Código Tributário Nacional, uma lei geral que foi editada pela União e as leis complementares 116/2003 e a 157/2016. Lembrando que, por força do art. 146, I, da CF/88, temos que cabe à lei complementar “dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios” e, exatamente isso que estamos vendo aqui nessa situação envolvendo o ISS: um conflito de competência entre os municípios! Um exemplo, no meu caso apresentado, é quanto aos dois municípios, São Paulo e Santos, achando que são competentes para tributar determinada prestação de serviço.
– Entendi, professora…
Aí, veio a Lei Complementar 157/2016, a qual tinha a premissa de propiciar uma maior arrecadação dos “pequenos municípios”, proporcionando uma distribuição de recursos mais justa e, consequentemente, fortalecendo a Federação, ao inserir na Lei Complementar 116/2003 a exceção quanto à arrecadação do ISS, o qual seria devido no município do tomador do serviço, no caso dos planos de medicina em grupo ou individual, de administração de fundos e carteira de clientes, de administração de consórcios, de administração de cartão de crédito ou débito e de arrendamento mercantil (leasing).
Ocorre que, por meio de decisão em liminar, no julgamento da ADI 5835/DF, o ministro Alexandre de Moares suspendeu as modificações feitas pela Lei Complementar 157/2016, sob o argumento de que a lei não possuía densidade normativa para o seu cumprimento.
– E, na visão do ministro, o que seria essa densidade normativa, professora?
Nas palavras do ministro Alexandre de Moraes “(…) essa alteração exigiria que a nova disciplina normativa apontasse com clareza o conceito de ‘tomador de serviços’, sob pena de grave insegurança jurídica e eventual possibilidade de dupla tributação ou mesmo ausência de correta incidência tributária”.
Por meio dessa explicação eu lhe pergunto: qual é o domicílio?
– Não entendi essa sua pergunta!
Vou exemplificar para que você compreenda.
A alteração realizada pela Lei Complementar 157/2016 trazia os serviços prestados de “administração de cartão de crédito ou débito”. No caso, suponha que, na época da universidade (se essa regra já valesse), meu pai, titular do cartão de crédito, residente no município de São Pedro/SP, acabou me dando um adicional. Na época eu estava cursando Direito na UNESP, em Franca/SP. Nesse caso concreto, porque realmente ocorreu, qual seria o domicílio do tomador? São Pedro/SP ou Franca/SP?
– Ixi! Agora pegou. Não faço ideia…
Pois é! Na vigência da alteração realizada pela Lei Complementar 157/2016 também não sabíamos. Por isso, na visão do Supremo Tribunal Federal, a Lei Complementar em questão poderia vir a intensificar os problemas, ocasionando bitributação e insegurança jurídica. Por isso, ela deveria apontar com clareza o conceito de “tomador de serviço”.
A liminar suspendeu o art. 1º, da Lei Complementar 157/2016 e, na parte que alterou o art. 3º, XXIII, XXIV e XXV, assim como os §§3º e 4º do art. 6º, da Lei Complementar 116/2003, fora as leis municipais, por arrastamento, que foram editadas.
– Diante disso, o qual foi o papel da Lei Complementar 175/2020?
Essa lei foi editada com a finalidade de conferir execução às alterações realizadas pela Lei Complementar 157/2016. O prestador do serviço continua sendo o contribuinte da relação jurídico-tributária, no entanto, o valor do ISS irá para a localidade do destino. Isto é, vários municípios receberão receitas oriundas da arrecadação do referido imposto municipal de diversas localidades.
Por exemplo, no caso do cartão de crédito, o domicílio do tomador é, analisando meu caso concreto, o município de São Pedro/SP. Isto é, não será Franca/SP, domicílio do beneficiário do adicional do cartão.
– Portanto, pude perceber que o tomador, nesse caso, é o primeiro titular do cartão de crédito!
Muito bem! É o que está previsto na atual redação do art. 3º, da Lei Complementar 116/2003:
Art. 3º. § 8º No caso dos serviços de administração de cartão de crédito ou débito e congêneres, referidos no subitem 15.01 da lista de serviços anexa a esta Lei Complementar, prestados diretamente aos portadores de cartões de crédito ou débito e congêneres, o tomador é o primeiro titular do cartão. (Incluído pela Lei Complementar nº 175, de 2020)
- 9º O local do estabelecimento credenciado é considerado o domicílio do tomador dos demais serviços referidos no subitem 15.01 da lista de serviços anexa a esta Lei Complementar relativos às transferências realizadas por meio de cartão de crédito ou débito, ou a eles conexos, que sejam prestados ao tomador, direta ou indiretamente, por: (Incluído pela Lei Complementar nº 175, de 2020)
I – bandeiras; (Incluído pela Lei Complementar nº 175, de 2020)
II – credenciadoras; ou (Incluído pela Lei Complementar nº 175, de 2020)
III – emissoras de cartões de crédito e débito. (Incluído pela Lei Complementar nº 175, de 2020)
– E quanto aos demais serviços?
Quanto aos consórcios, tomador é o consorciado, por força do §11, do art. 3º, da Lei Complementar 116/2003.
Já em relação aos planos de saúde ou de medicina e congêneres, referidos nos subitens 4.22 e 4.23 da lista de serviços anexa Lei Complementar 116/2003, o tomador do serviço é a pessoa física beneficiária vinculada à operadora por meio de convênio ou contrato de plano de saúde individual, familiar, coletivo empresarial ou coletivo por adesão. Nos casos em que houver dependentes vinculados ao titular do plano, será considerado apenas o domicílio do titular, consoante disposto no §7º, do art. 3º, da Lei Complementar 116/2003.
– Professora, e a questão envolvendo o leasing?
Em relação ao leasing, tínhamos o entendimento da jurisprudência que a operação se concretizaria de fato, isto é, a concessão do crédito ocorreria no local onde a equipe responsável analisou a documentação e aprovou o contrato. Ou seja, não é na mesa do gerente, na agência bancária, onde o interessado manifesta sua vontade. Geralmente, a aprovação da documentação e a concessão do crédito acontece em outro município, como em São Paulo, localidade que concentra grande parte das sedes das instituições financeiras do nosso país!
Ocorre que com a nova Lei Complementar 175/2020 tivemos uma mudança. Agora, temos que será o domicílio do tomador, por força da redação dada ao inciso XXV, do art. 3º, da Lei Complementar 116/2003. Ou seja, o ISS será devido no local do domicílio do tomador, consistindo em uma das exceções previstas no caput do referido artigo.
– Essas mudanças já estão valendo, professora?
Essas modificações trazidas pela da Lei Complementar n 175/20 entrarão em vigor a partir de 2021, ocorrendo um período de transição até 2023.
Segundo o art. 15, da mencionada Lei Complementar, no ano de 2021, teremos que 33,5% do tributo será arrecadado na origem e 66,5% no destino. Já no ano 2022, ficarão 15% na origem e 85% no destino. Por fim, no ano de 2023, teremos que 100% do ISS ficará com o município onde está localizado o tomador do serviço.
– Ufa, acabaram as novidades?!
Não!!
Ainda, preciso mencionar, apenas, que a Lei Complementar 175/2020 previu a criação do Comitê Gestor de Obrigações Acessórias. Caberá ao contribuinte elaborar um sistema padronizado, o qual os municípios terão acesso.
Eu, particularmente, não acho correto deixar às custas do contribuinte, onerando-o cada vez mais.
– Eu também não, professora!
Nos termos do art. 2º, da Lei Complementar 175/2020, temos que o ISS será apurado pelo contribuinte e declarado por meio de sistema eletrônico de padrão unificado em todo o território nacional.
Como os contribuintes que deverão elaborar esse sistema, podem ocorrer atrasos e, devo lembrar que a regra de transição já começará a valer a partir de 2021. Desta forma, o art. 13, da Lei Complementar 175/2020, prevê que
Art. 13. Em relação às competências de janeiro, fevereiro e março de 2021, é assegurada ao contribuinte a possibilidade de recolher o ISSQN e de declarar as informações objeto da obrigação acessória de que trata o art. 2º desta Lei Complementar até o 15º (décimo quinto) dia do mês de abril de 2021, sem a imposição de nenhuma penalidade.
– E sem juros?
Não! Ocorrendo a mora, o contribuinte estará livre da imposição de penalidade, no entanto, estará sujeito aos juros de 1% ao mês, além de atualização da SELIC, conforme dispõe o parágrafo único do art. 13, em destaque.
E aí, gostou do ISS?
– Acabou?
Sim, os pontos mais importantes para fins de provas você já sabe.
[1]. Importante salientar que, para o art. 4º da LC 116/2003, estabelecimento do prestador do serviço é o local onde o contribuinte, de fato, desenvolva a atividade fruto da prestação do serviço, seja de modo permanente ou temporário, configurando uma unidade econômica ou profissional.
[2] Em seu artigo 1º, a Lei Complementar nº 175/20 é expressa no sentido de que será aplicável aos serviços previstos nos seguintes subitens da lista anexa à Lei Complementar nº 116/03:
“Serviços de plano de saúde e medicina:
4.22. Planos de medicina de grupo ou individual e convênios para prestação de assistência médica, hospitalar, odontológica e congêneres
4.23. Outros planos de saúde que se cumpram através de serviços de terceiros contratados, credenciados, cooperados ou apenas pagos pelo operador do plano mediante indicação do beneficiário.
5.09. Planos de atendimento e assistência médico-veterinária.
Serviços do setor bancário e financeiro:
15.01. Administração de fundos quaisquer, de consórcio, de cartão de crédito ou débito e congêneres, de carteira de clientes, de cheques pré-datados e congêneres.
15.09. Arrendamento mercantil (leasing) de quaisquer bens, inclusive cessão de direitos e obrigações, substituição de garantia, alteração, cancelamento e registro de contrato, e demais serviços relacionados ao arrendamento mercantil (leasing).”