Informativo: 627 do STJ – Direito Penal
Resumo: Para o início da ação penal, basta a prova da constituição definitiva do crédito tributário (Súmula Vinculante 24), sendo desnecessária a juntada integral do Procedimento Administrativo Fiscal correspondente.
Comentários:
No caso dos crimes materiais contra a ordem tributária, questionava-se amplamente a possibilidade de ajuizamento da ação penal sem que o órgão fazendário pudesse exigir o tributo pela via da execução fiscal. Argumentava-se que se no âmbito fiscal não se havia esgotado o procedimento de cobrança do tributo, impedindo portanto que o Estado o exigisse (art. 151, III, do Código TributárioArt. 151. Suspendem a exigibilidade do crédito tributário: (...) III - as reclamações e os recursos, nos termos das leis reguladoras do processo tributário administrativo;), não seria possível utilizá-lo como fundamento da pretensão punitiva criminal. Além disso, lançar mão precocemente da via criminal significava ignorar a eficácia da fiscalização e da execução das dívidas tributárias pelos órgãos estatais, invertendo as prioridades de atuação entre o Direito Tributário e o Direito Penal.
Não bastasse isso, uma das vertentes que sustentavam a tese da impossibilidade de instauração da ação penal antes do esgotamento da via administrativa argumentava que, sem o pronunciamento formal de que o tributo era devido, não havia sequer a possibilidade de tipificação, pois o crime objeto do debate consistia em “suprimir ou reduzir” tributo ou contribuição social (art. 1º da Lei nº 8.137/90Art. 1° Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas: I - omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias; II - fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal; III - falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda, ou qualquer outro documento relativo à operação tributável; IV - elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou deva saber falso ou inexato;). Se não se havia estabelecido formalmente a existência do tributo suprimido ou reduzido, o tipo penal não poderia ser considerado perfeito.
Foram reiteradas as decisões do STF a respeito da impossibilidade de deflagrar a ação penal sem a constituição definitiva do tributo, até que o tribunal editou a súmula vinculante nº 24, segundo a qual “Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo”.
Dessa forma, uma vez que o órgão fazendário tenha estabelecido que o tributo foi reduzido ou suprimido, e isso seja relativo a uma das condutas tipificadas como crime contra a ordem tributária, é possível deflagrar a ação penal.
Indaga-se, no entanto: é necessário que a denúncia seja instruída com o procedimento administrativo-tributário que constituiu definitivamente o tributo?
De acordo com o que decidiu o STJ no RHC 94.288/RJ (j. 22/05/2018), não.
Assentou o tribunal que a ação penal decorrente do cometimento de crime contra a ordem tributária pressupõe apenas a prova de que o tributo foi definitivamente constituído, dispensando-se a juntada de todo o procedimento no qual o agente tenha promovido sua defesa administrativa, pois, para a imputação criminal, basta que o órgão administrativo tenha estabelecido a existência do tributo. Não faz sentido juntar todo o procedimento administrativo porque eventuais questionamentos que possam levar à desconstituição da dívida tributária não podem ser feitos na esfera criminal, mas apenas no próprio âmbito administrativo – por meio de recursos internos – ou no civil.
No mais, se a defesa entende imprescindível que o juiz analise o procedimento administrativo, cabe a ela promover a juntada dos documentos, ou, então, sugerir ao juiz que oficie para obtê-los. Se não o faz, é-lhe defeso arguir nulidade por cerceamento de defesa.
Em suma, o STJ estabeleceu:
1) que a ação penal por crime contra a ordem tributária pressupõe a prova da constituição definitiva do crédito tributário, o que não corresponde à juntada integral do procedimento administrativo correspondente;
2) que a análise da procedência do crédito fiscal deve ficar a cargo do juízo cível. Não é própria da esfera penal qualquer tentativa de sua desconstituição;
3) que se a defesa considera insuficiente a documentação na qual se baseou o Ministério Público, e por isso quer avançar sobre detalhes da dívida, pode apresentar cópia do procedimento que estabeleceu definitivamente o tributo.
4) que caso haja obstáculo administrativo para o acesso ao procedimento fiscal, cuja falta interfira na formação do livre convencimento do julgador e acarrete evidente prejuízo à defesa, é possível que a parte requeira a atuação do juiz criminal para a juntada dos documentos pretendidos.
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