O Novo Código de Processo Civil trouxe inúmeras novidades no tocante à efetivação da tutela jurisdicional.
Um deles foi decisão parcial de mérito, introduzida no ordenamento brasileiro pelo artigo 356 da Lei 13.105/2015 – Novo Código de Processo Civil -, a qual apresenta como ponto controverso a sua tutela recursal. Busca-se, então, observar qual o processamento recursal adequado a ser dado à decisão parcial de mérito.
Inicialmente, para que se possa aprofundar no tema a ser estudado, é necessário um estudo acerca das espécies de pronunciamentos judiciais, pois de acordo com o princípio da instrumentalidade, cada pronunciamento judicial possui um recurso específico que possa ataca-lo.
O legislador adotou como técnica de distinção dos pronunciamentos judiciais a observação dos efeitos da decisão, sobrepondo-se ao seu conteúdo. A principal característica que vem a distinguir os pronunciamentos judiciais é se a decisão põe fim ou não à fase cognitiva ou ao processo de execução.
De forma que a sentença conclui a fase de conhecimento e de execução, tratando-se do pronunciamento que causa fim à fase cognitiva ou ao processo de execução.
Já no que tange às decisões interlocutórias, nos termos do CPC/73, eram conceituadas como atos pelos quais o juiz resolve questões incidentes (art. 162, CPC/73), assumindo no novo código uma posição subsidiária, não tendo importância o seu conteúdo, passando a ser conceituado como todo pronunciamento judicial decisório que não consiga se enquadrar no conceito de sentença.
Ainda se faz imperioso lembrar acerca dos despachos, os quais servem para impulsionar o processo, em resolver questões incidentes, dando seguimento na marcha processual, sem causar qualquer tipo de prejuízo às partes envolvidas na demanda judicial.
Quanto aos atos do juiz, a principal inovação a ser destacada é que, como consequência dessa nova conceituação utilizada para as sentenças e para as decisões interlocutórias, ambas, sob o aspecto material, podem tratar do mesmo conteúdo, pois podem enfrentar o mérito da demanda de maneira definitiva e com aptidão para gerar coisa julgada.
Um dos objetivos a serem alcançados pelo novo código é a satisfação do pedido em um tempo razoável, mediante uma decisão de mérito.
Vários foram os instrumentos utilizados para dar efetividade a esse princípio, destacando-se o julgamento antecipado parcial do mérito, segundo o qual é possível decidir parcela dos pedidos ou de um dos pedidos incontroversos sem que isso implique extinção do processo.
Em outras palavras, decisão antecipada parcial do mérito é aquela que concede a tutela jurisdicional sem exaurir a totalidade do pedido ou de um dos pedidos veiculados no processo, pois parcela dos pedidos ou um deles ainda depende de um julgamento posterior.
A decisão antecipada parcial de mérito é uma importante técnica de efetivação da prestação jurisdicional, onde o juiz poderá resolver parcialmente o mérito quando um dos pedidos formulados ou parte deles for incontroverso ou estiver em condições de solução imediata. No tocante à outra parte da demanda, essa será submetida à instrução processual e a uma decisão posterior.
O artigo 356 do Novo Código de Processo Civil trouxe duas hipóteses de cabimento do julgamento antecipado parcial do mérito. A primeira quando houver incontrovérsia de um dos pedidos ou de parte de um deles, a segunda será possível quando parcela do mérito não houver necessidade de produção de provas, em outros termos, será possível o julgamento parcial do mérito quando os pedidos ou parte de um deles estiver em condições de imediato julgamento.
Também merece ser enfatizado que a decisão parcial de mérito, em relação à análise da parcela do mérito por ela enfrentada, será definitiva e independente da decisão posterior referente à outra parcela de mérito não julgada.
Em caso de não interposição de recurso tempestivo, a decisão parcial de mérito faz coisa julgada.
A matéria julgada em decisão parcial de mérito será alcançada pela eficácia preclusiva da coisa julgada e não poderá sequer ser questionada em um posterior recurso de apelação, eventualmente interposto contra a sentença que colocou fim à fase cognitiva.
O julgamento proferido com base no artigo 356 do novo código é de natureza interlocutória, pois há a impossibilidade de prolação de duas sentenças no mesmo processo.
Alguns pontos tem causado grande discussão no âmbito jurídico no tocante à decisão parcial de mérito.
Um deles se refere ao correto tratamento recursal dado à decisão parcial de mérito, pois apesar de tais decisões terem inegável conteúdo de sentença de mérito, o artigo 356, §5° do novo código definiu que tal decisão deve ser atacada por agravo de instrumento.
Com isso, o legislador deu um tratamento diferenciado a decisões que possuem o mesmo conteúdo, com isso surge a discussão acerca da possibilidade de se dar um tratamento diferenciado ao agravo de instrumento nesse caso em específico.
Essa opção do legislador pelo agravo de instrumento como recurso cabível para as decisões parciais de mérito traz uma série de consequências.
O direito processual deve ser constituído com o objetivo de promover a efetiva tutela jurisdicional efetiva. O estabelecimento de regras de direito processual deve levar em consideração o direito material em questão, em virtude disso, parcela considerável da doutrina entende que o tratamento a ser dado ao agravo de instrumento utilizado para cassar uma decisão parcial de mérito deve ser equivalente ao tratamento dado à apelação, pois tanto o agravo de instrumento nesses casos, quanto a apelação, destinam-se a atacar o mesmo conteúdo, qual seja, a decisão de mérito.
Apesar do legislador ter unificado a disciplina geral dos recursos, a exemplo dos prazos recursais, ainda se mostram existentes diversas diferenciações entre a disciplina da apelação e do agravo de instrumento, as quais ocasionam inúmeras diferenças no caso em concreto.
O efeito suspensivo não foi estendido ao agravo de instrumento que ataca a decisão parcial de mérito, com isso o mérito parcialmente concedido por meio de uma decisão interlocutória, poderá ser executado provisoriamente, o que em regra, não ocorre em sede de sentença.
Outro aspecto relevante, no tocante à diferenciação entre a apelação e o agravo de instrumento, se dá em relação à possibilidade da sustentação oral, prevista para a apelação, entretanto sem previsão legal para o agravo de instrumento na decisão parcial de mérito.
Com isso, há uma afronta ao princípio constitucional da ampla defesa, até porque a parcela do mérito enfrentada na decisão parcial de mérito pode ser bem maior do que a parcela do mérito enfrentada na própria sentença.
O legislador deve desenhar procedimentos que não constituam privilégios, bem como estruturar procedimentos que sejam diferenciados, na medida da necessidade para a igualdade substancial.
Nesse sentido, o agravo de instrumento que ataca a decisão parcial de mérito deve incorporar os efeitos da apelação, obedecendo-se, com isso, o princípio da isonomia.
A apelação, recurso apresentado contra sentença, e o agravo de instrumento apresentado para atacar a decisão parcial de mérito possuem efeitos práticos distintos, demonstrando que a tutela recursal da decisão parcial de mérito através do agravo de instrumento é indevida.
Com isso, deve-se prevalecer o entendimento no sentido de que a decisão parcial de mérito deverá receber uma tutela recursal diversa, através da “apelação de instrumento” ou mesmo através do processamento do agravo de instrumento com os efeitos da apelação, tendo em vista que a decisão parcial de mérito é uma decisão interlocutória com efeitos de sentença.
No mais, outras discussões surgem acerca da decisão parcial de mérito, como é o caso da contagem de prazo da ação rescisória, levando-se em consideração a possibilidade da existência da coisa julgada progressiva, e também, o cabimento da remessa necessária da decisão interlocutória que julga parcialmente o mérito de forma desfavorável à fazenda pública.