A Lei 13.718/18 inseriu no Código Penal o art. 215-A, que pune, com reclusão de um a cinco anos, a importunação sexual, consistente em “Praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro”.
Consiste o crime, basicamente, em praticar ação atentatória ao pudor com propósito lascivo ou luxurioso. O tipo exige que o ato libidinoso seja praticado contra alguém, ou seja, pressupõe uma pessoa específica a quem deve se dirigir o ato de autossatisfação.
O preceito secundário do art. 215-A contém subsidiariedade expressa: aplicam-se as penas da importunação sexual se a conduta não caracteriza crime mais grave. Por isso, a falta de anuência da vítima não pode consistir em nenhuma forma de constrangimento, que aqui deve ser compreendido no sentido próprio que lhe confere o tipo do estupro – obrigar alguém à prática de ato de libidinagem –, não no sentido usual, de mal-estar, de situação embaraçosa, ínsita ao próprio tipo do art. 215-A e um de seus fundamentos.
Ocorre que, no âmbito dos crimes cometidos por meio de atos de libidinagem há o estupro de vulnerável, em que pode não haver propriamente um constrangimento à prática de atos sexuais. (E, aliás, ao contrário do que comumente se diz, tampouco existe presunção de constrangimento (ou de violência), característica própria da antiga sistemática imposta pelo revogado art. 224 do Código Penal, não repetida na reforma promovida pela Lei 12.015/09, que, no art. 217-A, passou a punir simplesmente a prática de atos de libidinagem com alguém menor de quatorze anos ou com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência.)
Diante da prática de atos de libidinagem contra vulnerável sem que se identifiquem o constrangimento e o contato efetivamente sexual (como beijos e toques lascivos sobre a roupa), já surgem movimentos para que a tipificação se afaste do art. 217-A e se assente no novo tipo penal, mais adequado, segundo se argumenta, para lidar com situações que não chegam efetivamente ao contato sexual.
Recentemente o STJ julgou recurso de um indivíduo que havia sido surpreendido tocando intimamente, sobre a roupa, o próprio neto de seis anos de idade. Sustentava-se no recurso que a rapidez do toque e o fato de ter se tratado de apenas um episódio autorizavam a desclassificação do estupro de vulnerável para a importunação sexual, que traz punição proporcional à conduta praticada.
Mas o tribunal não cedeu à pretensão, embora a possibilidade tenha sido aventada pelo relator do recurso, ministro Reynaldo Soares da Fonseca.
O resultado do julgamento seguiu a jurisprudência da 5ª a da 6ª Turmas, que desconsideram qualquer circunstância que possa relativizar a punição de atos de libidinagem cometidos contra menores de quatorze anos. Há muito, de fato, não se aceitam argumentos como eventual consentimento e a experiência sexual anterior do menor para afastar o estupro de vulnerável. A própria lei que instituiu o tipo penal da importunação sexual acrescentou no tipo do estupro de vulnerável uma cláusula que exclui expressamente a possibilidade de obstar a punição em razão das circunstâncias mencionadas. Nesta linha, não há possibilidade de conferir tratamento menos severo a alguém que pratica contra um menor vulnerável algum ato de conotação sexual, ainda que não corresponda a uma efetiva relação de natureza sexual.
Mas, como adiantamos, não obstante tenha aderido à orientação do tribunal, o relator ressalvou sua posição pessoal no sentido de que a desclassificação seria possível, pois não se recomenda a equiparação penal de condutas tão díspares quanto o ato propriamente sexual e um beijo.
O ministro se referiu a habeas corpus (134.591) pendente de julgamento na 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal, em que o impetrante foi condenado por estupro de vulnerável por beijar lascivamente uma criança de cinco anos de idade. Originariamente, o habeas corpus foi impetrado buscando a desclassificação da conduta criminosa para a contravenção do art. 65 da Lei 3.688/41. Em seu voto, o ministro Barroso denegou a ordem pretendida de início, mas a concedeu de ofício para desclassificar a conduta para o art. 215-A, uma punição intermediária entre a insuficiente contravenção e a severa pena do estupro:
“A doutrina sempre criticou a ausência de uma precisa diferenciação na lei das diversas modalidades de ato libidinoso. Por isso mesmo o julgador deve sempre procurar distinguir aquelas condutas mais graves e invasivas daquelas condutas menos reprováveis, preservando assim a razoabilidade e a proporcionalidade da resposta estatal.”
O julgamento no STF foi interrompido por pedido de vista do ministro Luiz Fux. Além de Barroso, proferiram votos os ministros Marco Aurélio e Alexandre de Moraes, o primeiro aderindo à proposta de desclassificação para o art. 215-A caso fique vencido em seu voto inicial que concedia a ordem pretendida para tipificar a conduta como contravenção penal, e o segundo divergindo para manter a condenação por estupro de vulnerável, tendo em vista que o art. 215-A não foi criado para transformar atos claros de pedofilia em crime mais brando.
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