Informativo: 655 do STJ – Processo Penal
Resumo: Compete ao juízo da vara especializada em violência doméstica e familiar a apreciação do pedido de imposição de medida protetiva de manutenção de vínculo trabalhista, por até seis meses, em razão de afastamento do trabalho de ofendida decorrente de violência doméstica e familiar
Comentários:
O art. 5º da Lei 11.340/06 define o que se entende por violência doméstica e familiar contra a mulher. Trata-se de qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:
I – no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;
II – no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;
III – em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.
Para lidar com questões de natureza civil e criminal envolvendo esses casos de violência, a Lei 11.340/06 autoriza a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher. Dentre as competências desses juizados estão a concessão das medidas protetivas de urgência (elencadas nos artigos 22, 23 e 24 da mesma lei) e as decisões relativas à assistência à mulher vítima de violência doméstica e familiar.
Uma dessas medidas se encontra no art. 9º da Lei 11.340/06, cujo § 2º, inciso II determina que o juiz deve assegurar à mulher, para preservar sua integridade física e psicológica, a manutenção do vínculo trabalhista, quando necessário o afastamento do local de trabalho, por até seis meses. Preocupou-se o legislador com a conservação da fonte de trabalho da mulher, tendo em vista que, dependendo do caso concreto, ela pode ser vítima duas vezes: a primeira ao sofrer a violência; a segunda, ao ser obrigada, muitas vezes, a deixar o emprego por conta destas mesmas agressões e ameaças.
Tratando-se, no entanto, de decisão que interfere no contrato de trabalho, questiona-se: a Justiça comum é mesmo competente para conhecer dessa espécie de matéria? Afinal, segundo o disposto no art. 114 da Constituição Federal “Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: I – as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios”.
Segundo decidiu o STJ no REsp 1.757.775/SP (j. 20/08/2019), sim, o Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher é o órgão competente para tratar da matéria.
A vítima havia requerido a medida ao juízo de primeira instância, que se considerou incompetente para decidir, sob o argumento de que se tratava de matéria inerente à Justiça do Trabalho. O Tribunal de Justiça manteve a decisão:
“Com efeito, o Juiz Criminal, que decide cotidianamente a respeito da necessidade de concessão de medidas protetivas de urgência no âmbito doméstico, terá maior subsidio para analisar a questão da iminência do perigo à vítima e da necessidade de resguardá-la, bem como terá o inequívoco conhecimento da forma mais adequada para se garantir a proteção à ofendida.
Já o Juiz do Trabalho certamente seria a autoridade mais adequada para decidir a questão do vínculo trabalhista, analisando se a situação melhor se adequaria a uma suspensão ou interrupção do contrato de trabalho, bem como suas conseqüências, tanto para o empregador quanto para o empregado, inclusive no que tange ao recebimento dos vencimentos, férias, contagem de tempo de trabalho, etc.”
Mas, para o STJ, a competência é da Justiça Comum porque não se trata de controvérsia trabalhista propriamente dita, mas sim de medida de assistência decorrente do crime envolvendo a violência doméstica e familiar contra a mulher. Somente seria possível invocar a Justiça do Trabalho se a questão envolvesse alguma controvérsia entre a trabalhadora e o empregador:
“Da leitura do mencionado artigo [114 da CF/88], salta aos olhos o fato de que a competência se dá em virtude da relação de trabalho, ou seja, quando a controvérsia posta em juízo for, em sua gênese, trabalhista.
No caso em tela, o pedido da recorrente sobre o reconhecimento de seu afastamento do trabalho advém das ameaças de morte sofridas, reconhecidas pelo Juiz criminal, que fixou as medidas protetivas de urgência de proibição de aproximação da ofendida e de estabelecimento de contato com ela por qualquer meio de comunicação, conforme previsto no art. 22, da Lei Maria da Penha, circunstâncias alheias ao contrato de trabalho.
Entretanto, conforme informações dos autos, mesmo com a fixação de tais medidas, a vítima não se sentiu protegida, mudou-se para outra localidade onde pudesse ficar em segurança e, por consequência, deixou de comparecer ao trabalho.
O inciso II do § 2º da Lei n. 11.340/2006 não pode ser interpretado de forma desvinculada do parágrafo do qual faz parte, em que se prevê que o juiz assegurará à mulher em situação de violência doméstica e familiar, para preservar sua integridade física e psicológica, a manutenção do vínculo trabalhista, quando necessário o afastamento do local de trabalho, por até seis meses.
Não podemos perder de vista que as medidas protetivas são tutelas de urgência que buscam assegurar inclusive a integridade patrimonial da vítima.
Pois bem, a referida lei prevê a competência da Vara especializada para execução das causas decorrentes de violência doméstica:
(…)
Logo, no que concerne à competência para apreciação do pedido de imposição da medida de afastamento do local de trabalho, não há dúvidas de que cabe ao juiz que anteriormente reconheceu a necessidade anterior de imposição de medidas protetivas apreciar o pleito.”
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