Informativo: 659 do STJ – Direito Penal e Processo Penal
Resumo: O Decreto n. 9.246/2017 não traz nenhuma ressalva ao regime de cumprimento de pena quando dispõe sobre a comutação aos condenados que cumprem pena privativa de liberdade.
Comentários:
O indulto é uma causa extintiva da punibilidade concedida pelo Presidente da República, via decreto presidencial (art. 84, XII, CF/88 – ato administrativo), podendo ser delegada a atribuição aos Ministros de Estado, ao Procurador Geral da República ou ao Advogado Geral da União. Pode ser: a) pleno, quando extingue totalmente a pena, ou parcial, quando concede apenas diminuição da pena ou sua comutação; b) incondicionado, quando a lei não impõe qualquer requisito para a sua concessão, ou condicionado, quando a lei impõe algum requisito, como o ressarcimento do dano, por exemplo.
Seja como for, a concessão do indulto atinge apenas e tão somente os efeitos executórios penais da condenação, cessando ou modificando a execução da pena, mas o crime subsiste, assim como a condenação irrecorrível e seus efeitos secundários – penais e extrapenais (súmula 631 do STJ).
Em 21 de dezembro de 2017, o presidente da República editou o polêmico Decreto 9.246, que concedeu indulto a determinados condenados. Diz-se “polêmico” porque, devido às regras um tanto brandas para a concessão do benefício, teve a constitucionalidade questionada pela Procuradoria Geral da República e chegou a ter seus efeitos suspensos em medida cautelar deferida na ADI 5874:
“As alegações da Autora da presente ação são demonstradas no sentido de que os dispositivos impugnados (item I do art. 1o.; § 1o. Do art. 2o.; arts. 8o., 10 e 11 da Constituição da República) não se coadunam com a finalidade constitucionalmente estatuída a permitir o indulto, pois, conforme posto na peça inicial do processo, esvazia-se a jurisdição penal, nega-se o prosseguimento e finalização de ações penais em curso, privilegia-se situações de benefícios sobre outros antes concedidas a diluir o processo penal, nega-se, enfim, a natureza humanitária do indulto, convertendo-o em benemerência sem causa e, portanto, sem fundamento jurídico válido.
(…) Mostra-se plausível, ainda, a alegação de afronta ao princípio da proporcionalidade, vinculada à proibição de se negar a proteção suficiente e necessária de tutela ao bem jurídico acolhido no sistema para garantia do processo penal. Tanto se comprova pela circunstância de os dispositivos impugnados parecerem substituir a norma penal garantidora da eficácia do processo, afrontando a finalidade e superando os limites do indulto. Invade-se, assim, competência típica e primária dos poderes Legislativo e Judiciário. Também o princípio da proporcionalidade consubstanciado na proibição de proteção deficiente parece afrontado pelos dispositivos impugnados na presente ação direta de inconstitucionalidade, porque dão concretude à situação de impunidade, em especial aos denominados ‘crimes de colarinho branco’, desguarnecendo o erário e a sociedade de providências legais voltadas a coibir a atuação deletéria de sujeitos descompromissados com valores éticos e com o interesse público garantidores pela integridade do sistema jurídico”. |
Em 09 de maio de 2019, o decreto acabou sendo julgado compatível com a Constituição Federal sob o fundamento de que se trata de ato privativo do presidente da República, que, dentro de certos limites (não ultrapassados, segundo a decisão), pode estabelecer os requisitos que considerar adequados.
Pois bem, num dos dispositivos contidos no decreto, lê-se o seguinte:
“Art. 8º Os requisitos para a concessão do indulto natalino e da comutação de pena de que trata este Decreto são aplicáveis à pessoa que:
I – teve a pena privativa de liberdade substituída por restritiva de direitos; II – esteja cumprindo a pena em regime aberto; III – tenha sido beneficiada com a suspensão condicional do processo; ou IV – esteja em livramento condicional. |
Tendo em vista que o art. 8º menciona que o indulto seria aplicável a quem estivesse cumprindo pena no regime aberto, houve quem questionasse a concessão do benefício para presos que cumpriam pena nos regimes fechado e semiaberto, não expressos no dispositivo.
Mas a tentativa de limitar a incidência dos efeitos do indulto não surtiu efeito no STJ, que, ao julgar o REsp 1.828.409/MS (j. 01/10/2019), interposto pelo Ministério Público contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul, concluiu que a norma do art. 8º é inclusiva, ou seja, deixa expresso que o indulto beneficia também os presos em regime aberto. No art. 4º, onde estão elencadas as situações em que o indulto não pode ser concedido, não há nenhuma limitação quanto aos regimes fechado e semiaberto:
“Inicialmente cumpre salientar que o indulto e a comutação, no ordenamento pátrio, não estão restritos apenas a fundamentos humanitários e costumam ser previstos anualmente, de forma coletiva, como verdadeiro instrumento de política criminal colocado à disposição do Presidente da República, segundo sua conveniência. O perdão das penas é, então, ato discricionário associado, comumentemente, ao combate ao hiperencarceramento, com vistas ao retorno do preso ao convívio social. No Decreto Presidencial n. 9.246/2017, foi concedida a comutação às pessoas condenadas a pena privativa de liberdade em 1/4, se reincidentes, e que, até 25 de dezembro de 2017, tenham cumprido 1/3 da pena. Não houve nenhuma ressalva ou especificação do regime prisional em curso. Consta do regramento, tão somente, que o benefício não alcançaria os sentenciados por crimes elencados no art. 3° ou que não preenchessem o requisito subjetivo do art. 4°. Conquanto o indulto e a comutação coletivos tenham por finalidade combater a lotação nos presídios e propiciar que encarcerados retornem ao convívio social, o Decreto Presidencial n. 9.246/2017 incluiu como beneficiado (e não restringiu) aquele sentenciado que não estava em situação de reclusão. Mesmo com a reinserção já estimulada por outros meios (penas substitutivas, regime aberto, livramento condicional e suspensão condicional do processo) e sem motivo humanitário, as pessoas descritas no art. 8° também foram agraciadas com o perdão. Ao incluir na previsão legal as pessoas que estão em liberdade ou bastante próximas de sua obtenção, o Presidente da República não vedou, via reversa, o benefício aos reeducandos dos regimes semiaberto e fechado. Assim, o art. 8° do Decreto n. 9.246/2017 é norma inclusiva e não proibitiva”. |
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